2011
O senhor Sadigursky - Parte I

Foto Google-Internet
OS PREGÕES QUE ME LEMBRO DO RECIFE "MATUTO"
Paulo Lisker, de Israel
Segunda aquarela do Recife. Parte 1
O SENHOR SADIGURSKY, Um pau pra toda obra.
(O nome deriva da cidade Sadigora* no Leste Europeu, possivelmente na Ucrânia)
Outro muito conhecido na colônia israelita do Recife era Iossele Sadigursky.
Que eu lembre, este foi o único mascate citadino judeu que eu conheci.
Um mascate judeu? Judeu vendendo na cidade para outros judeus? Só mesmo seu Sadigursky.
Ele carregava nos ombros uma caixa recheada de coisas.
Anunciava-se com uma matraca, isto é, uma peça feita de dois pedaços de madeira unidos por uma tira de couro e ia batendo, batendo, clac, clac, clac, anunciando sua chegada para vender as miudezas que trazia.
Uma prática absorvida dos tradicionais mascates portugueses que eram na época quase a totalidade no Recife.
Clac-clac-clac..... clac, sabíamos que o mascate está chegando, corre gente, quem precisa alguma linha colorida, alfinetes de segurança ou quina pro cabelo sempre assanhado do vovô.
Linhas de todos os tipos, agulhas a valer, alfinetes-de-segurança e outras quinquilharias era o "tesouro" que toda mulher, dona de casa, encontrava no baú do Sadigursky.
A minha mãe e até as empregadas gostavam de escolher elas mesmas os carretéis de linha para costurar nas horas vagas. Geralmente quando chovia dias seguidos e assim enchiam o tempo vago e a vida.
Era certa a parada dele na minha casa, lá descansava uns minutos da pesada caixa que levava atada numa tira larga de couro, nos ombros.
Tomava uma águinha fria de quartinha e às vezes minha mãe lhe servia um pratinho de pudim de sagu no leite e baunilha, outras, feito no vinho tinto. As duas modalidades eram muito gostosas.
Queria a minha mãe ter sempre pronto este pudim quando viesse o Senhor Sadigursky, pois sabia que ele deliciava este "requinte", até mesmo de "lamber os beiços".
Esta sobremesa preparava dona Biu, a empregada veterana da nossa casa. O problema era que o mascate judeu, não tinha dia marcado para passar na nossa rua. Ficava minha mãe, minhas tias que moravam vizinhas e as empregadas todas elas matutando e discutindo quando seria que o seu Sadigursky passaria na nossa rua. Todos na expectativa, fazer o pudim para hoje ou esperar. Minha mãe tomava a decisão e ordenava: Biu (o nome era Severina, Biu era o apelido, desde menina) vai fazer agora mesmo, se ele vir muito bem, se não vier, comerão os meninos e nossos maridos quando eles voltarem de noite da prestação, E assim era.
Deu a sorte e seu Sadigursky veio neste dia, muito bem, se deliciava. Não veio, comíamos nós os moleques.
Nessa eterna expectativa, "vem ou não vem", nós "pagávamos o pato" e comíamos todo santo dia pudim de sagu. Já estávamos de "bagos" cheios, por isto até hoje odiamos este pudim que no passado adorávamos.
Sorte era quando acertavam o dia de sua vinda, chegava cansado e suado, tirava a enorme caixa dos ombros, sentava para saborear o pudim e beber água fria. Desdobrava-se em agradecimentos e abastecia tudo que faltava na caixa do material de costura, o xodó de toda costureira.
Ele vendia também brilhantina ordinária para as empregadas - "negas do cabelo duro" - alisar o pixaim. Perfumes produzidos artesanalmente por ele mesmo (assim ele dizia), nem sempre de bom aroma. Às vezes levava quina, um óleo para grudar o cabelo e não deixar esvoaçar com o vento. Sabonetes Lever, Gessi e Lifeboy (este ultimo fedia pra chuchu) e nós meninos dizíamos "Laifiboy, sabonete pra caubói". Riamos e fazíamos uma algazarra danada pensando que tínhamos inventado um novo "comercial" para a Rádio Clube de Pernambuco.
Minha mãe às vezes encomendava a ele, o celebre "Leite de Rosas" para defender a pele do rosto das intempéries do tempo que não dispensa a ninguém. Ela usou este produto toda sua vida no Recife, mesmo depois que veio para Israel, lhe mandavam suas irmãs.
Achava ela que tinha encontrado neste "produto de beleza brasileiro" um similar, como as famosas "Águas de Colônia" do velho continente.
Na realidade quando alguém acredita numa coisa ela se torna realidade. Acredite quem quiser, ela faleceu com mais de 70 anos sem uma ruga no rosto. Viva o Leite de Rosas, produto nativo dos laboratórios brasileiros.
Ela comentava com as amigas nas reuniões sociais de chá sobre um liquido milagroso oriundo da famosa "Fonte brasileira da Juventude". (Na realidade esta fonte só existiu na imaginação dela). As amigas ficavam com uma inveja danada por não terem parentes no Brasil que mandassem este precioso "Leite de Rosas" que conserva a juventude da pele do rosto durante anos contra as rugas que o tempo impiedoso traz consigo.
Senhor Sadigursky era quem no princípio do século passado fornecia este "produto de beleza" as senhoras judias da comunidade do Recife, um pouco mais caro que na farmácia, era bastante lógico, pois ele também tinha que ganhar a vida.
Levava lenços e meias que comprávamos para dar de presente na ocasião de aniversários dos nossos amiguinhos. Naquele tempo, uma caixa com 3 sabonetes era um presentão e tanto.
Este mascate com seu caixão de mercadorias era um pequeno empório ambulante na porta de sua casa, desta forma as patroas não precisavam sair à rua no calorão danado do Recife para procurar um botão, alfinetes ou uma agulha que por acaso necessitassem quando costuravam ou remendavam roupas.
Ele nunca se esquecia de dizer em iídiche com sua voz fanhosa: "Ich farkoif mit a praiss azoi bilik, ich alei farlir guelt mit dem! Ober far ach dona Anna is gurnisht a frague, ir fardint dus, a groissem dank far dem pudink un di kalte vasser."
(Em português- Eu vendo por um preço tão barato que eu mesmo perco dinheiro nisso, dona Anna. Mas como é pra senhora não tem nada não, a senhora merece. Obrigado pelo pudim e a água fria.)
Antes de se retirar ele tirava do fundo do baú 3 ou 4 enormes carretéis de madeira e dava pra nós os miúdos que ficávamos na expectativa, roendo as unhas, esperando pelo esperado presente do senhor Sadigursky toda vez que arriava o seu caixão lá em casa. . Os carretéis? Perguntariam vocês, pra que diabo nós os miúdos precisávamos carretéis vazios, verdade?
No nosso tempo de menino nós brincávamos com "soldadinhos de chumbo" (feito de uma liga de metais venenosissimos, mas naquele tempo ninguém dava importância a estas besteiras ou simplesmente não sabíamos). Interessante que ninguém morreu envenenado de "chupar" os dedos depois de horas brincando com os "soldadinhos de chumbo".
Alguém do nosso grupo inventou, acho que foi Mituca, moleque como nós do Pátio da Santa Cruz, como fazer destes carretéis "tanques" que "andavam" (se moviam) e assim derrubar a formação dos "soldadinhos de chumbo" do adversário.
Dois palitos e uma tirinha de borracha e a coisa funcionava. Noutra crônica, se Deus quiser abordaremos o tema das brincadeiras dos moleques quando nem nos sonhos existiam brinquedos eletrônicos ou computadores. Acreditam-me, no século passado as brincadeiras era menos inteligente ou sofisticado, porem eram muito mais saudáveis.
Senhor Sadigursky também era fotógrafo e fazia seu trabalho na casa do freguês com aquela antiquíssima e enorme "maquina caixão" num tripé e que dava uma explosão danada com muita fumaça no momento de fotografar.
Às vezes o resultado era "olhos de gato vermelhos" do fotografado e ficava parecendo com o satanás em pessoa, às vezes ficava fora de foco e desta forma obrigava a tirar os retratos novamente. O revelado durava uma semana, senão mais ainda
Quem diria quem imaginaria que hoje até um "burro ao quadrado" pode fotografar, tudo é automático feito por computador!
Em muitas casas dos judeus no Recife, as poucas lembranças do passado documentado, era produto deste "artista", o senhor Sadigursky. Outros tempos, outros retratos.
Quando necessário ele também ensinava a garotada que cumpria 13 anos, rezar.
Ao comemorar este dia festivo na sinagoga (similar a igreja dos cristãos, sem santos, nem pinturas ou musica e claro sem a cruz) e que significava o ingresso desses meninos como adultos na sociedade judaica. Deveriam eles pelo menos neste evento tão importante saber dizer umas rezas especificas. Era a comemoração do "Bar-Mitzva" para os meninos (festa dos 13 anos).
Muitos garotos devem ao senhor Sadigursky o êxito de uma boa apresentação na sinagoga ao galgar de menino tolo, sem obrigação nenhuma para a tomada de responsabilidade para com seu povo, agora como homem adulto, só com 13 aninhos!
- SADIGORA: uma pequena cidade no leste europeu (Ucrânia) que gerou durante gerações rabinos famosos e ultra ortodoxos.
Até aqui a primeira parte da segunda "Aquarela do Recife SENHOR SADIGURSKY, um pau pra toda obra". Na próxima semana, se Deus quiser, a continuação desta "aquarela judaica recifense", que foi o SENHOR SADIGURSKY.
20/10/2011
(Todos os direitos autorais reservados)
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Hélio Bruma Recife
ResponderExcluirDISSE:...
Senhor Lisker, as suas crônicas aos sábados têm até mudando minha opinião em relação aos judeus do Recife. Descobri que também são filhos de Deus e muitos eram gente pobre que batalhou para sobreviver. Mais uma vez, os meus parabéns!
Dr. Meraldo Zisman Recife
ResponderExcluirPsicoterapeuta e escritor,
DISSE::
Carissimo Paulo,
Não me lembro do vendedor de carne de carneiro.
Gostaria de ler a cronica Dona Shprintze( figura notavel) e a do seu Sadigursky que me ensinou colocar Tviling para o meu Bar-Mitzva.
Tocava violino muito mal, porém com tanto sentimento,que embalava a todas que escutavam ... ruidos que arrancava das cordas do seu Stradivius.
Relendo um conto do Tchecov "O violino do Rotchild", um classico da Literatura Mundial, e que muito me encantou, agora sei a causa:
O velho Sadigurski e seu violino ou se desejar O violino do senhor Sadigurski.
Personagem que alem de preparador dos Bar Mitzva,violinista, vendia sabonete e pastas de dentes nas casas de familias dos judeus do Recife
Mais uma vez obrigado pela "associação" da nossa infancia.
Aguardo suas cronicas,
Bom Sabado.
Shabat Shalom
Meraldo
Dr.Samuel Hullak Recife
ResponderExcluirDisse:
Excelente Paulo;lendo seus escritos pude visualizar Sadigursky vendendo
Glostora e Leite de Rosas. Parabéns. Abs.
Samuel.
Paulo Lisker
ResponderExcluirResponde:
Estimado Dr. Meraldo, obrigado pelo seu aparte as minhas crônicas.
Para não deixar o nosso Recife judaico desaparecer estou tentando colocar neste Blog algumas memórias que desenterro do esquecimento que o tempo causou.
Estou escrevendo sobre as "Aquarelas do Recife Judaico" e entre elas:
As "Aquarelas do Recife" em borrador até agora são:
Dona Shprintze. (Pronto).
Senhor Sadigursky, um pau pra toda obra. (Pronto)
O Santo Mezel de Beberibe. (Em andamento).
O homem da Carne de Carneiro. Em borrador preliminar.
Deste senhor preciso o nome. Você lembra?
Um abraço e manda um alô, tá?
PAULO.
Para:
Samuel Hullak
:Estimado Samuel, Sucoth Sameich!
Muito obrigado pela sua rápida resposta.
Nada a comentar? nada falta? longo demais? alguma coisa tem que se remendar?
Não se preocupe, meta o pau no que não está bom, eu não sou escritor nem tenho o português atualizado, através de vossas criticas, aprendo e melhoro.
Um abraço.
PAULO.