sábado, 10 de agosto de 2013

VENDEDORAS DE INGRESSOS (Parte 1)


Vendedoras de ingressos (Parte 1)

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VENDEDORAS DE INGRESSOS
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Paulo Lisker, de Israel
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Parte 1 "INTRODUÇÃO AO TEMA"
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27/4/2012
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Tinha disso também na nossa comunidade, "as vendedoras de ingressos ou convites".
Em outras palavras, simplesmente angariar donativos para realizar festividades para toda colônia e desta forma possibilitar encontros para rever uns aos outros e conversar.
Nesses encontros escutava–se o conhecidíssimo, "o que é que há" (expressão muito brasileira e que está até estampada num selo de quatro centos réis, se não me engano), e com o tempo foi assimilada pelos emigrantes judeus como um sinal de pronta integração a nova sociedade.
"O que é que há" compadre Avrum? (Abrão). Tudo bem em casa? Como vai a patroa? (a esposa).
A resposta em geral era: Tudo bem com a ajuda de Deus e "o que é que há" com vocês? Os meninos estão bem de saúde? Vão pra escola? (Em iídiche: Di kinder zainen kenein nehore guezunt? Gueien in shule)?
As respostas em geral eram em iídiche: "Abi me zeitzach mit guezunt" (o importante é que nós nos vemos e com saúde).
Nestes encontros se ouvia o pessoal falando "mame lushen" (língua materna, alusivo ao iídiche), usavam a frase homologa em iídiche: "vus hertzach", "vus is naies", que é a tradução quase literal para o português do "o que é que há" nacional.
Era "o que é que há" pra cá e "o que é que há", pra lá, pra todos os lados.
Uma verdadeira alegria nestes encontros!
Nestas festas procuravam realizar atividades artísticas, culturais, tradicionais ou sociais com o mero propósito de encontrar-se com aquelas famílias que tinham temas em comum ou algum interesse em estar em contato para trocar idéias, ouvir novidades, o mais importante era arranjar um noivo para a filha solteira que estava "perigando" de passar a idade critica na qual seria considerada solteirona (a alte moid, oi veiz mir, em iídiche).
Estas reuniões ou festejos, geralmente promoviam leitura e encenavam peças teatrais curtas em iídiche, obras de escritores e poetas judeus europeus e desta forma não deixavam esquecer a cultura que este povo tinha acumulado durante séculos. Às vezes formavam um trio ou quarteto de cordas, ou um coral.
Os artistas, regentes maestros, diretores, pessoal técnico, todos eles amadores da arte e claro pertencentes à comunidade.
Reuniões alegres para "desopilar o fígado", depois de meses de trabalho pesado no comercio prestamista ou mesmo nas poucas lojas de judeus que já existiam porem sem horário fixo, às vezes o dia de trabalho era 10 a 12 horas.
Meu pai me dizia: -Nós nos adaptamos ao tempo disponível do freguês e não ao contrario. Dizia ele com muito orgulho quando tinha que abrir a loja de noite depois de fechar.
Era quando o cliente necessitava urgentemente uma camisa nova para a procissão do domingo dos Ramos na época da Páscoa (acho que é na Páscoa ou quem sabe na semana do Tabernáculo).
Dizia ele e meu avô materno confirmava que os prestamistas judeus vestiram e calçaram a população pobre dos arrabaldes do Recife. 
Lojista nenhum se arriscaria a fazer negócios com estes pobres sem nenhum documento de identidade e endereço confiável. Os prestamistas judeus foram a eles, de porta em porta dos mocambos ou casebres nos arrabaldes do Recife, onde moravam.
A comunidade judaica do Recife desde sua instalação nesta cidade no principio do século passado, para poder sobreviver, procurou organizar-se, reunindo os nomes das famílias, numero e idade de dependentes (importante para fundação da escola primaria), endereços, rincão de origem (em geral ashkenazitas do centro e leste europeu), situação econômica, de trabalho, profissões trazidas da Europa, formaram "ONG`s" (me lembro do "Relief" que foi a primeira, depois apareceram outras organizações voluntárias, Wizo, Pioneiras, Vita Kempner com a finalidade de ajudar aos mais necessitados e novos emigrantes, quando isto nem de longe era conhecido nos meios profissionais).
Fundaram a escola primária (Colégio Iídiche), com jardim de infância, um "moré" (professor de primário para ensinar iídiche aos meninos), uma mestra "ganenet" (guarda de jardim da infância).
Povo "danado" este, se preocupava com a alfabetização ainda antes de ter o que comer. Aprender o "alef-beit" (o A B C) e as quatro operações aritméticas (principalmente a tabela de multiplicação) que no fundo era o "psicometrico" daquele tempo e pelo qual se definia quem era "burro" ou seria engenheiro, médico, pedreiro ou lixeiro.
Diferente de hoje que dizem que não existe "aluno burro" e sim professores "burros". Por isso mesmo, o nível da educação em geral, está como está.
Isto não quer dizer que é uma medida segura para analisar a capacidade real dos alunos na escola primaria.
A prova disso eram aqueles que se superavam e chegavam quando adultos a ser gente importante nos meios econômico-financeiro, políticos, até bons profissionais nas áreas da medicina, engenharia, química, psicólogos e tantas outras profissões liberais e quando meninos na escola iídiche eram considerados "burros". A vida tem suas surpresas, isto é que é bom neste mundo.
Outras coisas importantes, era a busca de um sitio para o cemitério judaico (sepultura voltada para Jerusalém), sinagoga, existência de um ou mais rabinos, "shohet" (pessoa que abate animais e aves segundo manda a religião), "hazan" (que conduz as rezas na sinagoga), "shamash" (que cuida e organiza o bom andamento das funções diárias da sinagoga e seus apetrechos) e a "Hevre Kadisha" (comitee que trata da preparação do defunto e o enterro no cemitério judeu segundo o regulamento ditado pela religião judaica). Este comitee também instruía a família enlutada sobre o comportamento na "shivá", em que se sentam no chão durante uma semana, tanto a família do falecido como também aqueles que os visitam em sinal de pesar pelo triste acontecimento.
Levar o judaísmo praticante ao pé da letra não é fácil. É comum ouvir entre os judeus uma frase sarcástica que diz tudo: "Shver tzi zain a iíd", ou seja: "Difícil ser judeu".
Isto nos seus mais amplos sentidos!
E não é pra menos depois de tudo que este povo passou.
Sua longa e sofrida trajetória na história, continuar apegado aos ditados da Bíblia e não reclamar perguntando abusados, onde estava Deus.
Onde estava ELE durante as perseguições, o êxodo, a perda do território, a escravidão na Babel e no Egito, o "galuth" (diáspora), conversões forçadas pela inquisição, progroms no leste europeu, o holocausto etc.
Depois de tudo isso o nosso Deus, não se pronunciou e não salvou o seu "povo preferido" de todos estes sofrimentos! Por que meu Deus? Em que erramos? Vá entender isto! Como já dissemos mais acima: "Shver tzi zain a iíd" (Difícil ser judeu).
Dizem que a fundação do Estado de Israel foi talvez à recompensa divina para todas as dificuldades desse povo errante, que durou quase 2000 anos.
Mesmo hoje, dentro do seu próprio Estado, não lhe deixam em paz e vivem ameaçados de destruição pelos vizinhos muçulmanos, próximos ou longínquos.
Dizem que para tudo isto existe explicações teológicas, filosófica, e até dialética, mas isso já são outros "quinhentos mil réis" e ficará para outra oportunidade, pois o tema desta crônica é outro.
Agora voltando a "vaca fria", vamos lá.
A organização de festas nas datas religiosas e tradicionais era necessária para que judeus recém chegados dos lugares mais distintos da Europa se congregassem e formassem um grupo homogêneo e assim enfrentar tudo que viesse pela frente.
Em geral o medo era proveniente pela falta de dialogo com a população local (falta de um idioma comum).
No mundo todos reagem de uma forma irracional com tudo que é diferente ou fora do padrão costumeiro.
Isto aconteceu nos primeiros tempos no Recife com a imigração judaica que graças à mentalidade pacifica da população local as coisas não passarem a passos de violência.
Estas reações sejam elas quais sejam são sempre dolorosas e vergonhosas impregnadas de racismo em geral e de anti semitimo em especial, mesmo em casos em que nunca tivessem tido contato ou convivido com judeus.
A única informação que tinham era o que os padres católicos pregavam nas igrejas nos seus sermões dominicais e que versava sobre a crucificação de Jesus pelos "diabólicos judeus". Era necessário mais que isso para ver no judeu um inimigo?
Hoje, até o Vaticano está ciente que foi sob seu comando e os padres ignorantes, os verdadeiros responsáveis pela campanha difamatória e as mais bestiais perseguições contra os judeus no mundo cristão.
Tudo isso afetava exatamente aos grupos de imigrantes judeus recém chegados ao porto do Recife e aumentava enormemente a desconfiança também por parte dos judeus.
Por outro lado, por parte da população local (os goim) aumentava o ódio contra os "bodes", assim eram eles denominados de uma forma pejorativa, pela sua maneira muito especial de rezar (parecia uma choradeira) nos dias de festas religiosas. Existia até uma rua no Recife (Rua dos Judeus, também conhecida como a Rua do Bode, depois Rua Bom Jesus), exatamente onde se encontrava a primeira sinagoga das Américas.
Porém "a ignorância é ignorância, aqui e na China". Não era assim que a gente dizia na fala do cotidiano?
Contudo isso estes imigrantes judeus rapidamente se organizaram, começaram a trabalhar e se arrumar na "nova pátria".
Mesmo numa atmosfera de desconfiança por parte da população local em relação aquela "leva de gente" com fala e costumes estranhos, que chegavam com "uma mão na frente e outra atrás" e logo "enricavam" (enriqueceram, no idioma correto). Adquiriam casa pra morar, meninos na escola e bem vestidos, alguns até montavam algum negocio, em geral de tecido e confecção.
Desse jeito só roubando, assim pensavam os "goim, Zé povinho" e aumentava ainda mais a inveja e desconfiança.
Entende-se agora, que a atmosfera criada logo de inicio não foi por demais muito sadia, conquanto a presença dos judeus no Recife.
Porém para estes não existia "marcha ré", ou seja, alternativa, não havia retorno. O negocio era se organizar numa comunidade, estruturar rapidamente os serviços necessários, ajuda mutua, começar a trabalhar, aprender a "fala" local (aprenderam porem nunca perderam o sotaque de galego da prestação) e levar a coisa para frente até que este "chuvisco chato" de desconfiança passasse e se transformasse num sol grande de amizade e convivência conjunta dentro da população total do Recife.
Sabiam os judeus que a "união faz a força", assim podiam superar os tempos maus.
Um dos primeiros passos foi promover um fundo comunitário (Kupat Há Ishuv), que possibilitava pequenos empréstimos (uma espécie de "míni-banco" sem interesse lucrativo e quase sem juros).
Pelas regras que dita a Bíblia no que diz respeito à ajuda financeira, a cobrança de juros é proibida quando se trata de ajuda filantrópica (Guimilut Hassadim).
No caso de empréstimos comerciais é sim permitido, porém não chamam de juros e sim de "neshech" (mordida), ou "Itre iske" em iídiche.
Esta reserva monetária em geral era para ajudar aos recém chegados e aqueles novos imigrantes que necessitavam algum dinheiro emprestado para abrir algum negocio ou trazer a família que ficou para trás na Europa, havia casos de ajuda a famílias que necessitavam preparar o enxoval (mohar ou nedunie) e passavam dificuldades.
Esta infra-estrutura possibilitou ao grupo heterogêneo ao chegar, se consolidasse depois de um curto período de tempo na cidade.
Nestas condições de responsabilidade e ajuda mútua, a comunidade judaica começou a se desenvolver e florescer no novo continente para eles dantes totalmente desconhecido.
O Banco cooperativo Israelita foi estabelecido, primeiro numa sala do primeiro andar numa casa da Praça Maciel Pinheiro e depois  no Beco do Veras, até que deixou de existir em fins do ano 1960.
O mais importante foi que chegaram à conclusão que o "diabo não era tão feio assim" e era possível viver num lugar em que tudo era muito diferente de seus rincões de origem na Europa.
Não levou muito tempo e a aproximação com a população local (Os "goim" como era denominada a população de não judeus), foi rápida e amistosa. Imaginem, até um time de futebol foi criado. O Clube Israelita de Futebol.
Este atuou no campeonato pernambucano na primeira década do século passado, tinha seu próprio uniforme, seu símbolo na camiseta e no calção (Estrela de David).
Constam os resultados dos jogos com outros times pernambucanos e estão registrados nos anais históricos da Federação Pernambucana. Bom time nunca foi. Isto se comprova pelos resultados dos jogos nos campeonato em que participou.
Jogador de futebol esta comunidade nunca gerou. Eu acrescento que cronistas ou escritores também não! Por isso mesmo só no final do século XX e começo do século XXI, estes acontecimentos vêem ser do conhecimento do publico em geral.
Todos meus esforços foram em vão para saber quem foram os jogadores, a diretoria, a sede, eram profissionais? Ou um grupo de futebolistas amadores, sem verba nenhuma para aguentar o rojão e assim como apareceram também desapareceram.
Contou-me o amigo David, que hoje vive num kibutz no norte de Israel, que seu pai e o irmão mais velho do legendário "Buchada" (José Buchatsky), jogaram neste time.
O irmão de Buchada (não tenho o nome) jogou também na posição de goleiro no clube da Torre e pelas suas boníssimas atuações ele foi contratado pelo clube Internacional de Porto Alegre, se mandou para lá e nunca mais voltou ao Recife.
Este fato me contou meu primo Jacob "Chico", da Madalena e me confirmou a senhora esposa do legendário Buchada (O engenheiro Zezinho Buchadsky, no passado, goleiro do Sport Clube do Recife).
Vai até aqui a primeira parte das "Vendedoras de Ingressos"
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