domingo, 18 de agosto de 2013

OS PREGÕES QUE ME LEMBRO DO RECIFE MATUTO


Os pregões que me lembro do Recife "matuto" 


Vendedor de frutas e verduras
Fotografia de Marc Ferrez
-
OS PREGÕES QUE ME LEMBRO DO RECIFE MATUTO 

Paulo Lisker (Israel) 
Hoje depois de velho lembro-me quando era menino gostava imensamente de ouvir os pregões dos vendedores ambulantes que passavam na minha rua carregando balaios no cangote ou tabuleiros na cabeça.
Apesar do peso da mercadoria estavam sempre alegres cantarolando verdadeiras "obras literárias" que se tornaram com o tempo a "clássica" popular de nossa gente.
Refiro-me a estes ambulantes do Recife e seus pregões enunciado durante anos quando vendiam de porta em porta.
Conhecíamos a quase todos e eles também reciprocamente conheciam em especial a comunidade judaica da Rua Gervásio Pires por serem bons clientes e pagarem no ato da compra sem nunca deixar dividas "penduradas".
Queiram me desculpar se nesta resenha esqueci algum, pois já se passou um tempo danado desde a época que eu era menino no Recife dos rios e pontes.
Aí vão aqueles que consegui despertar do sono dos "braços de Orfeu": 

O INTRÉPIDO JORNALEIRO 

O primeiro a aparecer bem cedinho de manhã com sol ou com chuvas era o jornaleiro que trazia aos ouvidos da cidade o seu pregão:

"DIÁRIO E COMÉRCIO! JOR-NA- LEIRO! NUTICIA DO RIO, DO FLA-FLU, QUEM MORREU E QUEM FUDEU! DIARIO DE PERNAMBUCO, OIA O JORNAL DO COMÉRCIO, VOU-ME EMBORA, AGORA SÓ AMANHÃ, JORNALEIRO, JORNALEIRO"! 



CUSCUZ E PAMONHA DE MILHO VERDE 

Toda manhã cedinho passava o vendedor de Cuscuz com um tabuleiro de lata na cabeça.
O seu pregão era:

"CUSCUZ DE COCO E DE FUBÁ, PAMONHA DE MILHO VERDE, TUDO QUENTINHO PRO CAFÉ. VEM BUSCAR DONA ZEFA E TRÁS TROCADO QUE TROCO NÃO TRAGO, JÁ TO INDO EMBORA. DONA BIBÍ, NÃO QUER PAMONHA HOJE?
OIÇA, O CUSCUZ, PAMONHA DE MILHO VERDE "....

Levava um cavalete onde colocava o tabuleiro, mostrava a mercadoria fresquinha na porta da casa da patroa.
A pamonha vinha embrulhada dentro da própria casca do milho, pois servia para conservar o seu formato intacto e sempre fresquinha. 


O VASSOUREIRO 

Um verdadeiro "industrial sem indústria", tudo feito à mão de forma artesanal. Um artesão de "mão cheia" e dos bons. Não havia casa de família que não possuísse algumas de suas "jóias" domésticas. 
Ademais era poeta e trovador, o seu pregão era melódico e quilométrico se ouvia a distância chegando e indo-se para outras ruas. 
Seu Pregão era: 

"VASSOURA, VASSOUREIRO, VASSOUREIRO, OIA AÍ O BASSUREIRO! 
PATROA HOJE TEM (aí começava a cantar), VASCULADOR, ESPANADOR, COLHER DE PAU, VASSOURAS E ESCOVAS DE PIAÇABA, ESTOPA DE CARRAPICHO, CANECO DE LATA, PUXADOR, ESTEIRAS DA ANGOLA, VARAS, ABANADOR DE PALHA, RAPA- COCO E GREIAS "..... (Raspa Coco e Grelhas) 
Às vezes vinha acompanhado com um aprendiz, pois era muita mercadoria para um "matuto" só. 
A letra e a melodia mesmo hoje passado mais de meio século, ainda escuto nos meus ouvidos já meio "mocos" (surdos, em nordestino), e não me dá sossego: 
"Abanador de palha (logo me vem à imagem de dona Zefa abanando o ferro Gusa, as fagulhas em volta e depois de bem quente, passar as roupas da casa). "Rapa-Coco", me vem à imagem de dona Biu, sentada "rapando as quengas" de coco seco da Bahia numa bacia, depois espremia com as mãos fortes de negras de Luanda o leite para preparar bacalhau no coco para o almoço da família do patrão. 
Finalmente as "Greias" (grelhas) em cima do fogareiro de carvão de dona Santinha assando milho verde ou um peixinho fresco que agora mesmo saiu dos tanques do Ibura. 
Esta melodia e a letra não saem da cabeça e me sinto feliz que vivi nesta época maravilhosa. 

O VENDEDOR DE PIRULITOS. 

Carregava numa tábua com furos e neles enfiados os seus PIRULITOS.
Seu realejo escutava já de longe e o seu pregão: "PIRU, PIRU, PIRU, PIRULIIIITO! MENINO, SÓ DOIS TOSTÕES, SÓ DOIS TOSTÕES, LAMBE E CHUPA O DIA TODO, OIA AÍ O PIRULITO, PI- RU- LI- TO"
E tome gaita!
Este pirulito era um caramelo pegado a um pauzinho. Ninguém sabia qual a matéria prima e como era elaborado. Hoje, me parece que era feito de mel de uruçú, que na realidade nunca viu abelha e sim produto da elaboração do açúcar mascavo (mel de engenho).
A meninada gostava muito, era doce e chupado durante horas! 


O VERDUREIRO 

Vinha lá paras 9 horas, com dois balaios cheios de verduras carregados no cangote e anunciava seus produtos, assim:

"PATROA, OIE TENHO VERDURAS FRESCAS, HOJE TEM TUMATI, PIPINO NOVIN, NABU, VAGI, CÔVE FRESQUINHA PRO FEIJÃO, CHUCHU CAPIM SANTO, SALSA, APIO, COENTRO.
TODAS AS VERDURAS DA HORTA. TUUUUUDO FRESQUIN. VAI QUERER HOJE PATROA"?

Na realidade era assim mesmo, tudo colhido no dia ainda tinha as ultimas gotas de orvalho da madrugada fresca fora da cidade.
O cheiro da salsa e coentro espetaculares, (da horta a porta do cliente), não encontrei igual nem em Israel.
Em tempo, seria bom dar uma explicação que o verdureiro não levava somente dois balaios e sim seis! Como?
Já explico.
Em cada lado o balaio maior estava em baixo, 50 cm mais alto estava um de tamanho médio e mais pra cima um "balainho" pequeno e lá estavam os condimentos mais perecíveis (salsa, endro, coentro etc.)
Os 3 balaios estavam amarrados com os mesmo cordéis que pegavam do balaio inferior até o pau da canga. Uma verdadeira engenharia crioula! Um matuto carregando seis balaios de tamanhos distintos. 

O VENDEDOR DE PEIXE 

Trazia sem gelo em dois balaios e anunciava sua mercadoria:

"TUDO FRESCO, CAVALA DO MAR, CAMURIM, CARAPEBA E CIOBA DOS TANQUES DO IBURA.
TÁ TUDO VIVINHO, OIA SÓ, TÁ SE BULINDO.
PEIXE FRESCO TEM CIOBA, CAMURIM E
CARAPEBA ".... 


Às vezes traziam camarão fresquinho de rio! (qual o rio que tem camarão, nunca soube).
Outros também traziam pendurados num fio de ráfia, caranguejos envolvidos na lama (conservante crioulo), das vazantes do Capibaribe. 


O VENDEDOR DE CAVAQUINHO 

Carregava nas costas um tambor cônico de metal cheio deste tipo de Wafle crioulo e anunciava pelas ruas o seu produto batendo num triângulo de metal. "Glin, glin, glin"!
"VEM MENINO, O CAVAQUINHO CHEGOU, 10 POR QUINHENTOS REIS, DOU MAIS DOIS DE GRAÇA".
Hoje pensando bem, acho que foi ele que inventou o famoso Wafle conhecido em todo o mundo. 

O SORVETEIRO BRIDGE 

Acho que não é o citado no artigo do Professor Mário Sette.
Este homem era idoso, franzino, moreno claro e sempre com um chapéu surrado a estilo dos saudosos "Gordo e o Magro".
Duas vezes na semana saia com uma carrocinha que levava duas latas com o melhor sorvete do Recife.
O pregão dele era: 


"CHEGOU O BRIDGE, BRIDGE. CHEGA MOÇADA, HOJE É DIA DE BAUNILHA CHOCOLATE E MANGABA". 

 Noutros dias era:"SOR-VE-TE! SOR-VE-TE! É... DE MARACUJÁ! OOOH BRIDGE, SOOORVETE". 

Vivia num quarto sem janelas na Rua do Jiriquiti. Nunca ninguém entendeu como este senhor fabricava este produto tão bom só com gelo e sem eletricidade. Um verdadeiro milagre, por isso seu quarto nunca abriu as suas portas para ninguém, segredo profissional. Contam que o sorveteiro japonês GEMBA, ofereceu um bom dinheiro para comprar as receitas dos sorvetes de baunilha, mangaba e graviola, mas o Bridge, nem respondeu a oferta.
Este sorveteiro Gemba, merece algumas palavras também. Claro ele não tinha nenhum pregão e sim um muito bom nome como pessoa e um profissional de primeira categoria em preparar sorvetes segundo os segredos da conditória japonesa.
Na segunda guerra mundial o Japão pertenceu ao Eixo dos 3 países (Alemanha, Itália e o Japão) que pretendiam dominar o mundo.
Quando o Brasil se aliou aos países que batalhavam contra o Eixo houve um clima inóspito contra os súditos destes países.
O povo revoltado contra o ataque de submarinos nazistas nas costas do Brasil (Caso Baependi) realizou o famoso "Quebra-Quebra" e destroçaram as casas comerciais desses cidadãos mesmo que já fossem natos ou naturalizados brasileiros.
Porem o castigo mais duro foi o desterro dessa gente para fora do Recife para evitar espionagem, ou seja, a atuação de "Quinta Colunas" no Brasil, (Leiam o "CASO PIRILAMPO", publicado neste blog, mais adiante).
Pois bem o Gemba e toda família foi desterrado para Garanhuns, naqueles tempos o fim do mundo.
Este japonês bem preparado aproveitou o clima ameno e frio e começou a produzir pela primeira vez em Pernambuco, morangos, cogumelos comestíveis "Champion" e flores exóticas, produtos estes nunca antes vistos no Recife.
Quando a guerra findou o Gemba voltou para o Recife, encontrou sua sorveteria destroçada, porem iniciou rapidamente um remonte e a recolocou numa situação ainda melhor que antes da guerra.
Muito tempo ela não durou, pois foi na época que em cada esquina do Recife "germinaram" sorveterias de produtos sintéticos e baratos.
O Gemba que prezava pela matéria prima natural e da melhor qualidade, não aguentou a competência e fechou.
Todos os direitos registrados.
Cuide com os creditos 
-

Um comentário:



  1. Dr.SAMUEL HULAK-Recife
    DISSE;

    Prezado Paulo,acabo de ler os "Pregões" com a memória fazendo o fundo "musical";como sempre admiro o estilo e,principalmente,
    a excelente memória que tens.Renovo meus parabéns.
    ----------------------------

    Conceição Pazzola
    DISSE:
    Muito bom o texto!
    Do homem do pirulito criou-se um versinho: Morreu feito pirulito, magrinho, enfiado num palito.
    --------------------------------

    Sr. Jorge Macedo Recife
    DISSE:
    Parabéns Paulo Lisker, pelo excelente texto! Como é bom recordar os velhos tempos!
    Abraço fraterno.


    Faça um comentário



    ResponderExcluir