segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Remédios do fundo do quintal e a Coqueluche no Recife (parte 1)


Remédios do fundo do quintal e a coqueluche -

 Parte 1



 Tema: REMÉDIOS DO FUNDO DO QUINTAL E A COQUELUCHE - Parte 1

Paulo Lisker, de Israel.
Lembro-me dele, que até seu último dia entre nós e em todas as etapas da minha vida no Recife, pairava a sua imagem perto de mim.
Um dia encontrei o retrato do meu avô com uma dedicatória que dizia: "Não sou o destino, mas sei o que vai ser de ti durante a tua trajetória terrena. Até que nos encontremos na eternidade, com paciência e sem pressa estarei sempre te olhando e dando uns sinais de alerta. Queira Deus que saibas interpretá-los, pois são unicamente para boas ações.
Querias ser agrônomo? O serás apesar das pedras no caminho e contra a vontade de teus pais que queriam um médico. Claro. Ajudarás ao mundo pobre a produzir mais pão.
Neto querido, teu Zeide (avô em iídiche)".
Quando achei esta foto perdida entre outras mil tomadas em outros momentos com gente conhecida e estranha, confesso que me correu lágrimas que pensava não existirem mais com a velhice.
Das nossas relações amistosa a mais cedo que me lembro foi na época do surto da "coqueluche" que acometeu a meninada recifense. Parece que naquela época não tinha remédio que ajudasse.
Esta tosse desgraçada na meninada tinha que passar por si mesma, tinha dessas doenças naquele tempo em que não havia vacina logo ao nascer como hoje e se transmitia com uma velocidade espetacular. Um menino tinha, todos os outros da cidade eram "solidários", era uma cidade tossindo feito orquestra do maestro Bacokeba.
Eu tossia muito e o diabo era que não passava (curava).
Dizia o nosso medico da família o doutor Radunsky, que isso passaria com o tempo.
O tempo cura tudo, muito melhor que os médicos, vais ver!No meu tempo de menino, "tempo" era também remédio e dos bons.
Era praxe dizer "se não mata engorda". Lembram-se gente boa?
Não tinha doença que o "tempo" não curasse, demorava e em último caso enviava o "curado" para casa do Nosso Senhor.
As empregadas que eram oriundas do interior do Estado e conheciam tudo que era "remédio de fundo de quintal" e "catimbós positivos" para curar o incurável, não se davam por vencidas nunca e procuravam alguma solução.
Lembro-me que elas preparavam um chazinho de folhas tenras arrancadas do nosso pé de limão franco, adoçavam com mel de uruçú e uns cravos da Índia. (Coitado do limoeiro já estava quase pelado pelos inúmeros pedidos de outras casa com meninos tossindo, mas dávamos com gosto, pois bancávamos ser a "farmácia").
Sabíamos que as folhas voltariam a crescer depois das chuvas, não tínhamos dúvidas.
Na realidade este xarope deveria ser adoçado segundo o "figurino" com mel puro de abelha. Este era um produto raro no Recife daquele tempo. Quem se lembra dele em casa? Nem sei se haviam produtores de mel de abelha para o mercado.
Quando aparecia na Casa Helvética ou na Fênix, era caro danado e em geral oriundo do sul do país, quase sempre da colonização alemã ou italiana e no rótulo dizia "Bienen Honing" ou Genuine Miele Api, às vezes produzido em Santa Catarina ou no Rio Grande do Sul.
Por isso mesmo acho que o nordestino "inventou" o Mel de Engenho ou o mel de Uruçú, como pregavam na rua.
Eram os genuínos substitutos crioulos do verdadeiro mel de abelhas.
De vez em quando para a festa de Ano Novo Judeu, Rosh Hashaná (em iídiche, "Rosheshune"), nas vésperas, o meu pai ia conversar e comprar alguns produtos para a festa com seus conhecidos no Mercado São José.
Era raro, mas às vezes ele conseguia por lá um potezinho de mel de abelha genuíno.
Esta "raridade" era produzida em cambucás (colméias) de barro em algum mocambo no meio do mato da Mata Atlântica que ainda existia em Pernambuco.
Mel puro de produção caseira (artesanal), cem por cento orgânico que nunca cheirou produto químico, a produção mais pura do mundo, podia ficar no pote sem conservante ou precisar de geladeira toda a vida sem estragar (deteriorar), era mel, mel!
Esse era o ideal para o chá de folhas de limoeiro. Mas o que não faz a inteligência matuta das empregadas do interior do Estado? Substituem o "mel-mel" pelo mel Uruçú que nunca viu ou cheirou uma abelha nem de longe e me desculpem a franqueza.
Passar o "Rosheshune" (ano novo judeu) sem mel seria uma heresia. Então faziam o possível e o impossível para arranjar para esta comemoração, o mel e o vinho Kosher. (Casher, o único permitido estar presente na mesa nas festas religiosas judaicas).
Não tendo resultado com este xarope e à conselho de dona Katz, a mãe de Nadinho nossa vizinha da Rua da Conceição, passava o menino a chupar "açúcar candes", se lembram? Aquele que parecia como os cristais de Fazenda Nova. Tenho certeza que tem gente que está lendo e não sabe do que estou falando. Gente, isto era no Recife não na China!
Se nada desses "remédios" tinha efeito positivo, se passava para outro tipo de tratamento, assim como aspirar "ducha de vapor" com folhas de eucaliptos fervidas em água filtrada nos filtros de barro daquela época. Era o equipamento mais moderno para filtrar a água não tão potável do Recife matuto.
Agora me diga onde conseguir folhas de eucalipto no Recife, acho que nunca ninguém pensou em plantar esta espécie no lugar dos fícus Benjamin que lascavam, levantava e destruía as calçadas das nossas ruas.
Sempre meu pai dizia que o filho natural desta terra é mais do que experto e sempre encontrará uma solução viável. Então Valdemar o vendedor de meu avô resolvia a "parada". Viajava para o subúrbio de Paulista lá pros lado do Haras Maranguape dos Lundgreen e resolvia o problema. Este galego plantou eucaliptos à beça nas suas propriedades onde criava cavalos de raça.
De lá Valdemar trazia as "milagrosas" folhas para o "santo remédio" e assim amenizar as conseqüências da coqueluche.
A farmácia popular não se entregava nunca e trazia mais e mais "medicinas":
Segundo Dona Dora a mãe de Júlio "magro" da Rua Barão de São Borja, para ela não havia remédio melhor que tomar todo dia às dez da manhã um copo de sumo da laranja denominada "Mimo do Céu". Tinha também o suco da laranja lima, excelente para fraqueza geral. A laranja sangue, vermelha danada por dentro e raríssima no Recife, dizia os entendidos da medicina de quintal, que o suco desta fruta, é o melhor elixir do mundo. Não tem quem se compare com ela para limpar o sangue e fortalecer a saúde.
Meu Deus será que estas laranjas ainda existem ou são meras lembranças do passado? Alguém me disse que a mimo do céu em algumas partes do mundo é denominada "Limão Doce". Bom, pode ser. Não sabia!
Já Dona Mira era defensora aferrada duma canja de galinha gorda, daquelas que no prato ficam boiando rodas de gordura. Chamam este caldo (em iídiche "a Yuuch") de "antibiótico judeu" e até em algumas Universidades da América do Norte estão pesquisando suas qualidades curativas para tosse, a gripe e resfriados e a moleza do corpo, em geral.
Dona Luiza, do Beco da Mangueira, era adepta da "Guehakte Leiber mit tsibalach und knobl", (em iídiche, patê de fígado bovino, com cebola e alho bem picadinho).
No final, dona Inês era fã das "mulheres benzedoras".
Isto era só um pouquinho da medicina de quintal do nosso Recife matuto que se comentava na comunidade judaica no tempo da Coqueluche.
Ninguém ia a médico, ninguém era médico, mas entendiam de como curar a filharada, um dom que vem por gerações entre os judeus no mundo todo.
Vale uma crônica especial sobre este tipo de "medicina de quintal" que durante séculos deu amparo aos doentes do nosso povo na nossa cidade e no mundo todo. Quem sabe se Deus quiser e me der anos de saúde e vida, ainda darei as devidas honras e colocarei este tema no papel para evitar que caia no total esquecimento, como se nunca existisse.
Uma manhã escuto minha mãe falando na hora do café com seu pai (meu avô):
-"Papa, esta tosse não melhora, leva o menino para dar umas voltas junto ao Gasômetro. É bom ele respirar o ar com o cheiro do gás que escapa dos tubos furados que sempre acontece por lá". Vuz zugsti? (em iídiche: que dizes).Na Europa da Idade Média era um tratamento usual para tudo que era doenças das vias respiratórias de crianças. Isto perdurou em alguns países até o principio do século XX.
Vi ultimamente um filme sobre o tema que se desenvolve num dos maiores hospitais da Dinamarca e a protagonista principal é uma "alma mal assombrada" de uma menina que morreu deste tratamento que foi forçada a submeter-se e perambulava pelo hospital alertando os doentes, da morte que se aproximava. Durante anos e anos no passado, aspirar gás era considerado medicina e tanto.
Pois bem dito e feito!
Logo no dia seguinte de manhã cedo, saio eu mais meu avô caminhando e conversando, tossindo, descansando no caminho levamos até um pequeno lanche e uma garrafa térmica com o tal chá de folhas tenras de limão.
Num determinado trecho na calçada já mais pra lá da Ponte Velha dei fé que estávamos de mãos dadas. Então bancando o macho disse para o meu avô, o "Semi Deus":
-Vô, o senhor não precisa segurar a minha mão, não sou mais menino pequeno, me solte eu sei andar sozinho!O "Semi-Deus" me olhou com aqueles enormes olhos azuis cheios de compaixão e diz para não me ofender:
 -Paulinho, eu é que necessito que alguém me dê à mão para atravessar a rua, pensaste nisto? Sou um velho e às vezes preciso de quem me dê a mão!
A surpresa foi demais para mim e o meu coração de menino batia feito um louco pela enorme responsabilidade que o "semi Deus" me atribuiu.
Assim continuamos de mão dada, agora cheio de confiança que sou eu quem cuida do velho avô e até lhe alertei algumas vezes.
-"Vô olha quando atravessas esta rua, ali vem um carro desembestado (com grande velocidade, em nordestino) e do outro lado um ônibus escangalhado (em má condição de manutenção), cuidado Vô, pode ser que está sem "breques" (freios) é perigoso, cuidado quando atravessas a rua, não larga a minha mão".Meu avô me olhava e eu deveras via uma satisfação enorme no seu olhar.
Andamos ainda um bocado (muito, em nordestino) até que avistamos de longe o Gasômetro.
A nos aproximar já sentíamos o cheiro desagradável do gás misturado com a atmosfera recifense. Podíamos identificar o gás, parecido com o nosso gás de cozinha, porem meio fraquinho.
Em todo canto estavam anúncios enormes avisando em tudo que é língua:
"É PROIBIDO FUMAR", "NO SMOKING". "DEFENCE DE FUMER", "FAVOR NO FUMAR", só não vi em russo, talvez tivesse, mas estava escondido do outro lado da rua entre os arbustos ou talvez não, seria a inimizade do nosso governo pelo sistema comunista implantado no país de Lênin.
Rodamos duas três vezes em volta do Gasômetro aspirando à atmosfera fedorenta que aquela fabrica de gás de cozinha produzia e o enviava encanado para s consumidores nas casas do Recife.
Este encanamento que se espalhava raso por baixo da terra, com uma conservação beirando a criminosa, cheia de vazamento pelos canos de metal enferrujados e cheio de furos, um perigo de explosão que poderia transformar o Recife em segundos numa historia do passado.
Porém mais uma vez ficou provado que "Deus é brasileiro" e impediu que uma catástrofe dessas acontecesse.
Fizemos este "exercício" uma semana inteira todos os dias de manhã bem cedo e como por encanto a tosse desapareceu por completo.
Agora vá saber se foi por causa do gasômetro, o açúcar cande, o chazinho de folhas novinhas do limoeiro o vapor emanado das folhas de eucaliptos ou o termino natural da doença como predicava o Dr. Radunsky.
Claro que minha mãe podia até jurar que o ar do gasômetro era o "santo remédio" para as vias respiratórias e todos os outros eram meros paliativos, Porém ela dava todo o respeito às "mulheres benzedoras" que dona Inês, a mãe de Jaimizinho achava que foi uma delas quem o curou da tosse e das dores lombares. Quem quer se complicar com estes romenos, eles são por demais importantes na nossa comunidade judaica do Recife.

Fim da primeira parte da crônica: "Remédios do fundo do quintal".
Todos os direitos autorais, registrados.
Versão original postada no blog Geléia em Julho de 2011.
A foto do avô Joseph no cabeçario da crônica, do autor do texto. 

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