quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O FAROLEIRO DE OLINDA E OS BOATOS NO RECIFE -Partes: um, dois e três

O faroleiro de Olinda e os boatos no Recife


Foto: Wikipédia

Da série: "DAS CONVERSAS COM MEU AVÔ"
Tema: O FAROLEIRO DE OLINDA E OS BOATOS NO RECIFE

Corrigido e modificado em: (01-10-2012).

De Paulo Lisker, de Israel
PARTES: UM, DOIS e TRÊS

Em alguma crônica anterior já lembrei esta época no passado do Recife em que não era frequente a presença nem o uso dos meios de comunicação de massas (radio ou jornais, de TV ainda nem se falava), então os boatos preenchiam esta lacuna de falta das informações confiáveis.
Também a maioria da população pobre e dos imigrantes judeus não tinha meios para utilizá-la, tanto economicamente como culturalmente, (analfabetos).
Isto posto, o meio mais eficaz de disseminar informações verdadeiras, meias verdades, ou mesmo estórias para o “boi dormir” eram os boatos.
Estes corriam (disseminavam-se) numa velocidade maior do que o som ou a luz já comprovado pela física.
Esta mesma física ainda não inventou até hoje em dia uma unidade para medir a velocidade do tal fenômeno.
Vai ver que ainda será um judeu que encontrará no futuro uma unidade para medir a velocidade do boato e será candidato a premio Nobel.
Tomara que seja um físico do Recife, pois esta cidade merece pela quantidade de boatos que produzia!
Um dia contou meu avô que estava cobrando as prestações num bairro do município de Paulista onde os moradores já viviam em casebres de taipa com reboco e não mais nos horrorosos mocambos que o Interventor Agamenon Magalhães numa de suas campanhas (“anti-mocambo”) pôs todos seus esforços para fazê-los desaparecer das zonas periféricas do Recife.
Em alguns lugares resultou e em outros depois da “derrubada” aumentou ainda mais o seu numero.
Em Paulista de certo modo funcionou e já se via casas
modestas no lugar dos míseros mocambos.
Conta meu avô que um dia encontrou em Paulista na “calçada da sombra” o seu freguês Bumaidino Perneira que o cumprimentou e o convidou a seu casebre para descansar e tomar uma caneca de água fria de quartinha.
Nesta oportunidade ele pagou a prestação semanal, serviu a caneca de água e num segundo que Bumaidino não deu fé, meu avô jogou fora pela janela, pois preferia morrer de desidratação à de alguma disenteria intestinal por beber água não tratada, não potável e não filtrada que na época era o normal nos arrabaldes do Recife matuto.
Sentaram-se em tamboretes (bancos individuais onde só cabe a bunda do dito cujo), na sombra e começaram a conversar.
Seu Bumaidino vendo a caneca vazia perguntou:
-Seu Joseph, não quer beber mais uma aguinha pra esfriar e molhar a goela?
Meu avô se desvencilhou com uma desculpa qualquer e já estava se levantando depois do registro do pagamento nos dois cartões (o cartão dele e o do seu freguês), e seguir cobrando a sua freguesia nesta rua. 
Como de costume sempre caminhava na “calçada da sombra” como lhe ensinaram.
Quando necessitava atravessar a rua para o lado da “calçada do sol” se defendia com seu enorme chapéu de abas largas e fazia isto bem rapidinho ou abria a sombrinha que levava no mostruário de objetos para vender.
Quem não obedecia a estes ensinamentos populares corria o risco de queimar o pescoço que ficava vermelho que até "iluminava".
Um dos prestamistas “desobedientes” deste principio foi até apelidado pela colônia judaica de “Galo de Raça”, pelo cangote eternamente vermelhão danado.
Seu Bumaidino segurou na manga do paletó do meu avô e pediu:
- Não vá ainda não seu Joseph me conte alguma novidade. O senhor quando vem do Recife fazer a cobrança, traz pra nós sempre alguma novidade do mundo grande lá de fora!
Eu me alegro demais, o senhor nem imagina, pois conto depois a todos os meus amigos, eles gostam a beça das noticias que vosmecê traz do Recife.
Tenho amigos que pedem que eu diga ao senhor para ir ao casebre deles para vender algum artigo, isso só para escutar as suas noticias toda semana, tão interessante que são.
Meu avô respondeu:
-Sinto muito, porem não tenho nenhuma novidade pra lhe contar esta semana, diz o velho prestamista.
-O mundo está meio parado, joguei no bicho, pois sonhei com borboleta e cavalo e deu vaca, perdi um conto de reis.
Outra coisa que me alembrei, ta vendo? Meu filho aquele que vive no sertão me contou que quase foi baleado quando Lampião, Maria Bonita e seus cangaceiros atacaram a fazenda "Curral da Burra Leiteira", onde ele e mais seu sócio plantavam mandioca e algodão Mocó. Mas no fim deu tudo certo. Eles só queriam água e uns sacos de macaxeira (Aipim), levaram umas galinhas e dois bacuraus da criação de dona Agostinha a viúva do finado coronel Marcelino Cajazeiras. Isto é tudo que tenho de novidades pra lhe contar, está satisfeito agora?
-Não seu Joseph, isto mesminho o senhor me contou na semana passada quando estava aqui presente também o seu ajudante o Valdemar, lembra agora?
Não adiantou nada, senhor Bumaidino implorava:
-Seu Joseph conte algo novo, mesmo que seja mentira, mas conte alguma novidade.
-Vejam a natureza deste povo suburbano, pobre, humilde e curioso da peste. Pede que lhe conte alguma novidade mesmo que seja mentira!
Onde vocês no mundo todo têm um povo igual a este? Em canto nenhum.
Vejam o que causa o analfabetismo e a pobreza. Não são capazes de ler jornal, radio mesmo a classe media no Recife, não possuía, só restava o meu avô para contar as novidades do mundo afora, mesmo que fossem mentiras.
O ouvido humano também "tem sede".
Muito interessante, não é?
Bom, ele viu que não se saia sem contar alguma coisa, então cochichando disse:
-Bumaidino, vê lá, vou te contar algo que me pediram todo segredo. Sei que posso confiar em você. Não vá “abrir bico” por aí afora, ta bem? Este fato é segredo de Estado, eu até fico arrepiado em pensar no caso.
-Diga, diga seu Joseph, conte, conte eu também já estou ficando arrepiado.
-Então vai fechar a porta e a janela e dá água pro cachorro parar de latir pra não atrapalhar a estória que lhe vou contar!
-Espere um minuto até que volte, já, já me sento para escutar.
Na penumbra do casebre meu avô quase cochichando contou:
-Escuta bem, não repito esta estória nem pra minha família.
O meu freguês o guarda do Farol de Olinda, o cabo da reserva o senhor Pedro Maria Justo, (para a meninada que brincava nas vizinhanças “o faroleiro”), me contou o seguinte:
Numa manhã, depois de dois dias de uma tempestade “de virar os bofes” de dar medo o mar fazia tempo não esteve tão revolto.
Ondas gigantes, uma ventania daquelas que assoviava. Relâmpagos de dar medo e faziam da noite dia e trovões como toda canhoneira da marinha estivessem atirando em direção do farol.
Na manhã seguinte com a calmaria que sempre vem depois da tempestade, os meninos moradores da área que eram bons nadadores, vieram cedinho procurar coisas que o mar jogou na areia da praia.
Logo deram com o sentido (avistaram) a uns 50 metros da praia com a ponta do mastro e os escombros de algum veleiro antigo que afundara no passado nas proximidades no mar de Olinda.
A tempestade arrancou dos sargaços a o carregou atirando num banco de areia perto da praia.
Meninada sempre curiosa correu para o farol a procura do senhor Justo.
Perguntaram ao “faroleiro” que era a máxima autoridade na área, se podiam nadar até lá e procurar “tesouros”.
-Deixa senhor Justo, vê como a maré está baixa e calma.
-Ta bem disse o faroleiro, mas cuidado com os ouriços pra não furar os pés e já dentro d’água, muito cuidado com os cações (pequenos tubarões de litoral, comuns nas praias do Recife).
Os três meninos prometeram se cuidar e entraram no mar, um mergulhava e dois ficavam de vigia com a cabeça fora d'água por causa dos cações e se revezavam quando o que mergulhava cansava ou perdia o fôlego.
Saíram depois de 25 minutos de mergulhos e coletaram coisas que queriam trazer consigo para mostrar.
Qual não foi a surpresa do faroleiro ao ver e ouvir a estória dos meninos mergulhadores.

Fim da primeira parte de três.
Postado anteriormente no blog " BESTA FUBANA"
Todos os direitos reservados.

O faroleiro de Olinda e os boatos no Recife - Parte 2


Fonte: Wikipédia

Da série: "DAS CONVERSAS COM MEU AVÔ"
Tema: O FAROLEIRO DE OLINDA E OS BOATOS NO RECIFE

Corrigido e modificado em: (01-10-2012).

De Paulo Lisker-Israel
Parte 2 de 3
 "Achado do tesouro".

Depois do temporal os meninos nadadores mergulharam no mar, bem ali no local onde apareceu na praia do Farol em Olinda os escombros dum antigo veleiro não identificado.
Voltaram cansados, porem satisfeitos com o achado. De lá trouxeram a tona do mar raso na área do banco de areia "cabeça do frade", bem em frente do farol.
Então missão cumprida.
Saíram do mar saltitando e alegres com o que iriam mostrar ao senhor Justo, o faroleiro.

Eles trouxeram cinco moedas de ouro maciço (talvez florins holandeses), três cálices de prata, um boneco (estatueta) doirado (ouro maciço) e contaram que o veleiro está todo arrebentado e "entupido" de barricas quebradas cheias de moedas, caixotes com cálices de prata, bonecos doirados, e centenas de peças de metal que lustram feito ouro, apesar de estarem, quem sabe quantos anos, no fundo do mar nas costas de Olinda.
O faroleiro olhou mais que surpreso, esfregou os olhos, murmurou alguma coisa como não acreditasse no que os meninos nadadores traziam. Seria uma ilusão? Ou quem sabe uma miragem daquelas que só aparece uma vez na vida.

Ele era asmático e quase sofreu um ataque causado pela emoção, porém logo meteu na boca um punhado de aipo fresco que sempre carregava no bolso da camisa para estes casos de emergência. Mascou, mascou (mastigou) aí a coisa passou, porém deixou-o atônito com o achado resgatado do fundo do mar de Olinda.
Sabiam que "mascar" aipo era bom demais para muita coisa? Agora ficaram sabendo, remédio da vovó.
Como bom funcionário publico e servidor de reserva da marinha de guerra brasileira, logo  queria avisar a policia ou a Capitania dos Portos, sobre este acontecimento não muito comum nas nossas costas.
Pensou duas vezes e se retratou vendo o "maná" que lhe caiu nas mãos, quase sem fôlego sussurrou dizendo aos garotos:
-A gente precisa saber o valor dessas coisas.
-Quem pode dizer isto pra nós, senhor Justo? Perguntaram em coro os meninos nadadores.
-Essa informação pode nos fornecer os judeus das joalharias do Recife, eles são "bambas" (especialistas) nessas coisas.
Limpa tudo bem limpinho, que não fique nem um grão de areia, pois estes judeus são sabidos demais e ao ver areia de praia logo se darão conta onde estas coisas foram achadas e amanhã estarão por aqui procurando, depois todo o Recife, também. Vocês sabem como ligeiro se espalham os boatos, não sabem?
Coloca tudo limpinho nesta mochila e avia-te pra cidade.
Pega o primeiro bonde para o Recife e vai à casa do “galego” Roizman, um ambulante que compra antiguidades, ouro e prata de porta em porta e pergunte se na realidade é metal precioso e que valor tem.
Tomou fôlego e continuou instruir a um dos meninos:
-Agradece, não vende nada. De lá corre à relojoaria do judeu Charifker que também entende disso. Compara os valores que um e o outro judeu avaliaram.
Caso não encontre nenhum deles vai à busca do relojoeiro e joalheiro o Sr. Antonio Morguenstern que tem um escritório em cima do Café Central, pertinho do porto do Recife.
Banca o sabido, não conta nada, nem a eles nem a ninguém.
Volta e diz e pra nós, aí a gente resolve o que fazer.
Toma dois cruzados para o bonde e mais um cruzado para um guaraná Fratteli Vitta no caminho, hoje ta pegando fogo de calor.
Olha menino, todo cuidado é pouco, vê onde pisas, tas escutando? E muito cuidado com essa mochila, não bobeia nem pestana. Ouviu? Vai agarrado com ela como se fosse tua cabeça agarrada no teu cangote.
O ambulante Roizman não se encontrava em casa, perambulava pelas ruas comprando antiguidades, objetos quebrados de ouro e prata.
A sua filha, dona Fani, atendeu o menino com a sacola, disse que não “entendia do riscado” e que ele voltasse de noite.
Correu Joãozinho para a relojoaria do senhor Charifker na Rua da Imperatriz.
Ao tirar as coisas da mochila o homem quase teve um enfarte e ao se recompor foi logo perguntando:
-Onde você achou isso menino, você já comunicou o achado a policia?
-Não senhor!
-Primeiro quero saber se o metal é mesmo precioso e qual o valor de cada peça, o senhor pode avaliar pra mim?
-Você mora na praia menino, é? Pergunta o relojoeiro judeu, Charifker.
-Não senhor!
Por que o senhor pergunta? Que importa onde eu moro. Moro em Água Fria!
-E porque teu cabelo está cheio de areia da praia, tem praia em Água Fria? Estas mentindo menino, mentir é feio, Deus não gosta de mentiroso. Quem mente o nariz cresce fica comprido feito um pepino, tu queres que isso te aconteça?
Sabe de uma coisa, diz o garoto:
-Vou voltar para casa do senhor ambulante na Rua do Sossego e pronto. Estou vendo que o senhor não quer avaliar pra mim, outro galego, o fará!
-Não, não, menino. Como é mesmo o teu nome?
-Meu nome não importa, quero saber o valor destas coisas, sim ou não!
-Eita menino malcriado! “Gotinhú” (meu Deus em iídiche)
Cochichou em iídiche para dona Dora a esposa pedindo que fechasse a loja e colocasse a placa que diz: “FECHADO”.
Deixou dona Dora no balcão da loja e entrou com o menino no quarto dos fundos, buliu pra cá buliu pra lá, pesou numa balança que tinha para estes fins, pingou um liquido nas moedas e nos bonecos doirados e chegou à conclusão que tudo era metal de lei e do melhor.
-Posso oferecer 16 contos de réis por toda a mercadoria. Diga ao seu pai que a mercadoria vale o dobro porem eu não negocio com mercadoria roubada ou achada. Mercadoria sem registro de compra ou fonte reconhecida é um perigo para o meu negocio. Por isso ofereço a metade do valor, pois terei muito trabalho para passá-la adiante ou terei que pagar caro para fundi-la sem deixar vestígios da dita cuja. Entendeu menino?
Agora volta ao teu pai e pergunta se ele aceita a proposta. Se quiser pode deixar a mochila aqui na loja pra não estar carregando pra cá e pra lá nos bondes. Quer deixar aqui em baixo do balcão?
-Não, o senhor acha que eu sou besta? Não sou besta não!  Veio comigo, volta comigo. Obrigado.
Senhor Bumaidino, o freguês do meu avô estava estupefato com a tal estória que ele contava, como que hipnotizado, nem se movia nem piscava. Mas num momento de lucidez perguntou:
-Seu Joseph, como terminou tudo isso? Mas que estória arretada! Virgem Maria, pena que um milagre desses não acontece no “Riacho das Lavadeiras” aqui em Paulista, não é mesmo seu Joseph?Meu avô viu que o dia da cobrança de hoje estava perdido, pediu a Bumaidino que fosse chamar o Valdemar que ficou esperando no bar de Olavo bem na frente da casa de Bumaidino, após cobrar as prestações dos fregueses no lado da “calçada do sol”.
Valdemar veio e foi logo perguntando:
-O que é isso? Tudo fechado? Tem gente doente em casa?
Não, respondeu meu avô.
-Hoje me pegou de repente uma moleza danada, leva os cartões e o mostruário e segue o trabalho.
Quando termines nos encontraremos no bar e tomaremos com o senhor Bumaidino uma “água mineral Santa Clara” com gás e se não tenham poderá ser a “Sabáh” que também é muito boa e até radioativa na fonte, pelo menos assim está escrito em relevo vermelho no rotulo.
Valdemar respondeu que ele terminaria a cobrança, mas nem pensar em beber água mineral, ainda mais radioativa na fonte.
-Logo eu hein, que sou vegetariano desde menino e só me alimento com plantas que não levaram adubo, nem veneno pra larvas da fruta ou da verdura, vige, nem a pau. Quando muito tomarei uma vitamina de mamão ou abacate, se tiverem. Caso não, um copo de água da cacimba e um "pão doce", pra mim é tudo.
-Está bem como você quiser Waldemar.
Assim foi e meu avô continuou a estória do “tesouro de Olinda".
-No final das contas resolveram vender tudo ao ambulante Roizman que aceitou um encontro com o Cabo reformado e Joãozinho no Bar da Lídia no Largo do Varadouro.
Tomaram uma cerveja gelada e o ambulante ao ver a qualidade do achado, propôs 30 contos de réis e nem mais um tostão.
-Aceita ou recusa. Se quiser muito bem, venha amanhã lá em casa, traga as peças e lá mesmo receberás todo o dinheiro! Combinado?
O cabo reformado quis bancar o “dunga” (experto) e perguntou:
-Vosmecê me deixa algum dinheirinho adiantado?
-Não, o senhor receberá tudo lá em casa amanhã, se Deus quiser. Respondeu senhor Roizman.
Joãozinho veio correndo para não perder o bonde.
-Onde estavas pergunta o Faroleiro!
-Estava tomando uma gelada de mangaba na barraca de seu Expedito, tu já provaste esta gostosura, senhor Justo?
O bonde do Farol chegou e não houve nem tempo para responder, os dois se treparam no estribo e logo se sentaram nos bancos de madeira que de confortáveis nada tinham. Era o estilo inglês para com a população crioula do "novo mundo".
Fim da segunda parte de três.
Paulo Lisker
Todos os direitos reservados
Cuide dos créditos.

O faroleiro de Olinda e os boatos no Recife matuto - Parte 3


Foto do Acervo da Prefeitura de Olinda

DA SÉRIE "DAS CONVERSAS COM MEU AVÔ"

O FAROLEIRO DE OLINDA E OS BOATOS NO RECIFE MATUTO

Tema: "O HOMEM FAZ PLANOS E DEUS SE RI" * 

Paulo Lisker, de Israel

Como diz o refrão iídiche: "Der mentsh tracht und Got lacht" ou em hebraico: "Ha adam hoshev vê Elohim tsohek" (O HOMEM FAZ PLANOS E DEUS SE RI).

Naquela mesma noite a policia recebeu uma denuncia anônima e no dia seguinte, logo bem cedinho foram bater no farol de Olinda, atrás das "antiguidades arqueológicas", supostamente achadas na praia.
Chegaram tarde, pois o faroleiro com medo de perder o emprego e em comum acordo com os meninos nadadores, resolveram na mesma tarde atirar tudo que acharam de volta ao mar e negar toda a estória.
A comitiva do delegado João Batista chegou no sábado (seu dia de descanso) e arretado da vida foi logo perguntando ao faroleiro:
- Onde estão as peças “arqueológicas” encontradas na praia? Pra que lado está os escombros do veleiro que apareceu aqui?
Respondeu o faroleiro as autoridades:
Assim como apareceu, assim também desapareceu, senhor delegado.
Ninguém tem coragem com uma maré nesta situação mergulhar perto de escombros, pois corre o perigo de vida. Ta doido senhor delegado e me perdoe à falta de respeito. Uma tempestade ontem de noite, o mar revolto danado, mais as fortes correntes marinhas que tem por aqui, o “dito cujo” pode ter sido arrastado lá para os lados de Fernando de Noronha, quem sabe? Nós aqui não vimos nem sabemos de nada sobre este resto de carga jogada aqui na praia.
Se estiverem vocês em busca de tesouros, façam o favor de procurá-los na “Siera Madre” e não no farol de Olinda.

Todos riram e foram-se embora.
E continua meu avô relatando o "acontecido":
Ninguém sabe como, porém as moedas e um "boneco" doirado foram vendidos pelo "faroleiro" ao ambulante Roizman (ele nega toda a estória diz que é uma lenda).
Pelo sim ou pelo não, esta venda rendeu uma boa soma, pois era tudo de ouro 24 quilates.
O faroleiro e os três meninos compraram a vista (em dinheiro) do meu mostruário de roupa e calçados, uma lista de vestimentas muito bonitas para as missas de domingo e as festas juninas que se aproximavam. E ninguém fala mais nada disso, “bico calado” minha gente!
O que fizeram com o resto só Deus sabe.
Os "suspeitos" envolvidos nesta "fabula" dizem que o tal conto do "Arco da Velha" nunca aconteceu e tesouro nenhum apareceu nas praias do farol.
Na realidade até hoje muita gente não acredita e perambula todo dia pela praia, "cabisbaixo", procurando alguma peça deste tesouro nas areias brancas de Olinda.
Bumaidino quase não se levanta do banco de tão emocionado, agradeceu mil vezes, abriu a porta e a janela, o seu cachorro "vira latas" começou de novo a latir. Meio doido esse cachorro, era só ver abertas a porta ou a janela do casebre do seu dono, começava a latir sem parar. 
Bumaidino ficou digerindo este conto fantástico e já ia se preparando para de noite ir contar aos amigos mesmo que seu Joseph tivesse pedido sigilo dos mais sérios. Mas assim são as coisas no nosso Recife. 
Segredo é quando só um sabe. Se já dois sabem, não é mais segredo. Logo vira um balão de ar quente, que nem aqueles de São João, que com o vento avoa pelo mundo todo e vira boato, especialmente neste caso que não tem de verdade nem sequer numa palavra. 
Passaram-se três meses aparece excitadíssimo senhor Shwalbman na nossa casa de surpresa, pois não era dia de encontro dos amigos do meu avô.
Caminhou como de costume para o terraço e lá encontrou o meu pai sentado tomando chá de cascas secas de maçã e pau de canela e meu tio sertanejo que tomava limonada.
- Aceita um chazinho senhor Shwalbman? Perguntou meu avô que vinha descendo do sótão. 
- Não, não, Her Joseph, eu só vim lhe contar a ultima noticia que escutei de um antigo meu freguês do bairro de Afogados. Não quero que o pessoal todo da colônia ouça antes do senhor. Seu Joseph, pois lhe conto que em Olinda, na praia do Farol apareceu um veleiro antigo despedaçado, mas cheio de ouro e prata, porcelana da China, perolas e caixas cheias de diamantes. Quem foi pra praia depois do temporal era só se acocorar e apanhar na areia os tesouros que as ondas gigantes arrastaram para a praia. 
"A mazel fin a goi”, murmurava senhor Shwalbman (em iídiche, "sorte do pessoal local"). 
Continuou contando e acrescentando da sua imaginação, mais e mais achados, preciosidades de 
marfim e muitas outras coisas de valor!

Foi mesmo? Perguntou meu avô com a maior "cara de pau", se cuidando para não rir, virou a rosto pra mim e me deu uma piscada. Eu também pisquei de volta e nós dois nos entendemos e sorrimos. Agora eu sei o que são boatos.
Vus lacht ir? (Por que vocês se riem)? Perguntou Senhor Shwalbman. Essa estória já corre pelo Recife todo!Tem gente que conta que eles mesmos acharam umas coisas que valem uma fortuna.
Levantei-me da minha cadeira de balanço mirim, fui até o meu Zeide (avô em iídiche), dei-lhe um abraço e disse:
Zeide eu gosto muito de você, o senhor é muito bacana mesmo, um avô arretado e tanto! 
Ele não gostou do adjetivo, mas numa ocasião ridícula com esta que o senhor Shwalbman nos trouxe nesta noite quente dum Recife sufocante, ele desculpou ao neto de "boca suja". Disse alguma coisa em iídiche, mas eu não entendi. Deve ter sido algo sobre os boatos.
Agora senti quanto eu me aproximei do meu avô que tinha muita sabedoria e 10 vezes a minha idade.
Senhor Swalbman continua contando ainda hoje na Praça Maciel Pinheiro a estória do tesouro encontrado nas praias do Farol em Olinda e ainda tem gente que escuta e acredita que tudo isso aconteceu na realidade. 
Claro como todo boato, outros que escutaram a estória, contavam para seus amigos, como eles mesmos tivessem presenciado o "achado fantástico". Cada qual vai acrescentando mais e mais dados e fatos, produto da fértil imaginação do ser humano e que na realidade, nunca ocorreram.
Essa é a natureza do boato.
Agora já dizem que o Museu arqueológico de Amsterdã e o de São Paulo organizaram uma expedição conjunta para estudar o caso e que o diminuto Museu do Recife se adiantou e já está com seus escafandristas, ictiólogos, arqueólogos marítimos de prontidão e até contratou especialistas do exterior, pois nunca abrirá mão do que “por direito”, pertence ao Recife.
Naves de países como Holanda, Espanha, Inglaterra, França, Portugal já andaram fuçando pelas costas pernambucanas só pelo fato que no passado viviam de saques e navios negreiros. Estes "filhos de uma égua", só por que operavam aqui, carregando açúcar, especiarias e Pau Brasil para Europa, se acham no direito de exigir o tal tesouro, alegando ser a suposta nave naufragada e tudo nela contido de sua inteira propriedade.
Até o Almirante Chateaurouge da armada francesa andou por aqui incógnito (fardado e tudo) com o Governador do Estado examinando o local do “acontecimento”.
Ele propôs uma recompensa francesa ao governo estadual de 50 mil contos de reis caso o governo conceda exclusividade para que os barcos franceses, que possuem o melhor equipamento de pesquisa submarina, executem a busca e dividam os “achados” entre os museus de Paris e do Recife.
Vejam só aonde chegamos!
Assim é a natureza de um boato "fela da peste", ele continua espalhando-se e ser contado pelo Brasil afora, e até no estrangeiro.
Ninguém sabe quando desaparecerá em definitivo este “balão”, pois todo tempo que ele tiver o “ar quente” (boateiros), continuará voando para destinos imprevisíveis e impossíveis.
Veja a natureza do boato como é! Não tem limites é infinito.
A Física ainda está à espera do gênio que encontre a formula que calcule a velocidade de disseminação deste fenômeno que acompanha o ser humano desde que a humanidade existe.

MORAL DA ESTORIA: “QUEM CONTA UM CONTO, ACRESCENTA UM PONTO”.

* Filosofia popular judaica. 
Postado anteriormente no blog "Fubana" em 26-07-2011 
Todos os direitos autorais reservados
Corrigido e atualizado em: 17-10-2012

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