domingo, 29 de setembro de 2013

No tempo dos boatos, "A DROGA MILAGROSA" (Parte 1 de 3)



                                                      Recife dos boatos no principio do seculo XX    Foto Google-Internet

sexta feira, 24-12-2010, 10h. 30m 
                    . 
No Tempo dos Boatos que corriam no Recife "Matuto".
(Parte 1 de 3)

Tema: "A DROGA MILAGROSA" 
         Crônica de PAULO LISKER
                Israel
Tudo isso aconteceu no tempo em que os boatos no Recife eram muito mais velozes que qualquer outro meio de comunicação de massas.
Vale a pena relatar este fato que deixou a colônia judaica por um lado muito preocupada, porém, por outro lado, o desfeche foi totalmente satisfatório, para todos os envolvidos no caso.
Que esta estória tem um núcleo verdadeiro, não tenham duvida nenhuma.
O acontecido correu de ponta a ponta da nossa comunidade e dizem que chegou como é muito próprio dos judeus, a Estados vizinhos e até no exterior do Brasil se comentou o fato como um acontecimento verdadeiro que não precisa ser comprovado, pois é um axioma.

Minha intenção primeira era relatar sobre o uso da "medicina de quintal" (Já publicadas no passado em dois capítulos neste blog), a tal medicina não convencional, que muito prosperava no Recife nas primeiras décadas do século passado (quem sabe hoje também é assim). 
A tal "medicina de matinhos, chazinhos, bruxarias, rezas, sopros, etc.", que era usada amplamente pela população local, lógico que com o tempo foi também amplamente absorvida pela colônia israelita (a influencia das empregadas domesticas que se curavam desse jeito e aconselhavam as amigas e as patroas). 
E dois motivos mais, a saber: 
Primeiro: 
Também na Europa naquela época, nas pequenas aldeias ( em iídiche, kleine shteitalach) de onde procedia a grande parte desta leva de imigrantes que abordou no Recife, esta era a medicina que conheciam e, mormente a usavam como "pau pra toda obra", (para todas as doenças). 
Até meu pai, mesmo depois de anos no Recife, tinha o costume (talvez um dos últimos que trouxe da Ucrânia), em secar as sobras de casca de maçã no sol nosso quintal.
Frequentemente  usava estas cascas secas, para o seu chá!
Em toda oportunidade me dizia quando menino: "isto é muito bom para azia", quando for homem, vais entender. 
Segundo:
íntimo relacionamento dos judeus com a população local (Goim, cristãos), que, mormente utilizava este "método de cura" com os matinhos sem usar remédios engarrafados e comprados na farmácia. Era uma solução barata, inofensiva, que vegetava nos sítios e lugares ermos da cidade ainda sem o ritmo absurdo da urbanização e modernização atual, então por que não abraça-la com as duas mãos? É juntar o útil ao agradável.
Pelo menos nisso havia uma completa identidade entre o usado pelos judeus e não judeus, nas pequenas aldeias do leste europeu e a população "Goi" da pantanosa, atrasada e acometida de constantes "cheias" (inundações) da "vila" do Recife.
Fantástico, como na aritmética que estudávamos no colégio iídiche na Rua da Gloria: "O mesmo denominador comum", mesmo que as "tecnologias" eram provenientes de dois pontos extremos do mundo.  Bravo!Porém este tema da "medicina do fundo do quintal", ficará para outra oportunidade, se Deus quiser.

Este que tecerei hoje tem a ver com um verdadeiro milagre da medicina convencional, dos bons médicos brasileiros e das medicinas provenientes de laboratórios e não de "Benzedoras e matinhos" de quintal. O tema desta crônica começa com a complicação mèdica num parto. 
Dona Blima, jovem, esposa do senhor  Aldo Dario foi levada normalmente para a maternidade para dar a luz do seu primogênito. 
A coisa se complicou, a criança sofreu por um ou dois minutos falta de oxigênio por ter o cordão umbilical envolto ao seu pescoço. 
Os médicos logo diagnosticaram que o recém-nascido sofreria para o resto da vida de uma "ligeira lezeira" (retardado), mas isto não era nada em relação à situação de dona Blima que no parto sofreu cortes e dezenas de pontos!

O organismo não reagiu normalmente como em casos parecidos e, uma forte infecção que se alastrou pelo corpo todo, acompanhado com alta febre.
Os órgãos internos do organismo dela estavam em perigo de débâcle e sem duvida em pouco tempo levaria à morte da jovem parturiente.
 
Os médicos chamaram a família para pôr a par da situação caótica que se formara. 
Foi uma verdadeira surpresa para os entes familiares.
A gestação fora normal, todo tempo acompanhada pelo seu medico ginecologista o doutor Estevão Braga. Então o que se complicou desse jeito?

Caso fosse com uma parteira, comentavam, sem condições de higiene, ainda se poderia chegar a uma situação como esta, porem numa maternidade de renome, atendida por médicos particulares era inexplicável!
A junta medica formada às pressas pelo hospital, mais o medico particular da senhora Blima, tentaram explicar, porem não tinha quem ouvisse as "cientificas teorias" do acontecido. 
O recém nascido seria "excepcional" e necessitaria para o resto da vida apoio de outrem, porém o pior, a jovem mãe a beira da morte. 
Foi muita choradeira, soluços, e gritos de desespero. 
 
As pressas foi convidado para um concilio, o melhor medico especialista em casos desta natureza, o doutor César Brimdelinho.
Depois de estudado todos os detalhes do caso na  reunião, a junta medica uniu-se aos familiares para comunicar o desenrolar do acontecido e deram a entender, que não sobrava muito tempo. 
Propunham que seria de bom proveito, estar com ela nas ultimas horas, para se despedir. 
Muito não poderia ajudar, pois dona Blima estava em estado de coma, era mais para um mínimo conforto espiritual!
Um dos médicos perguntou se não seria bom convidar um padre para realizar a "Extrema Unção", como é de praxe usado nestes casos.

Dona Henie, a prima de dona Blima, explicou entre choro e soluços:
- Que padre coisa nenhuma, nós somos judeus!  
Entretanto os médicos da maternidade prometeram que fariam todo o possível, nesta situação caótica, e tentariam manter os órgãos vitais da paciente, em funcionamento da melhor maneira possível. 
 
O Dr. Brimdilinho, que foi convidado para dar seu parecer, acrescentou nesta oportunidade, que leu uma informação  publicada recentemente numa revista medica profissional e  que versava sobre uma droga que no Brasil ainda não era conhecida. Porem nos Estados Unidos da América está causando um sucesso nos experimentos com enfermos com infecções altamente virulentas e sem cura possível!
O êxito de momento, já alcança uns 80%, salvando vidas que sem ela, estariam condenados à morte. 
Os outros médicos da junta receberam surpresos a novidade medica, sem acrescentar uma palavra adicional. 
 
Problema de dinheiro não existia, a família era rica e seu Dario Aldo era dono em sociedade com seus três irmãos, da maior loja de eletrodomésticos da cidade. 
Agora só restava um "pequeno" problema como trazer a droga para o Brasil, e que chegasse o mais rápido possível à maternidade do Derby no Recife. 
 
Como deveriam agir para conseguir o consentimento dos ianques para trazer esta "droga milagrosa", custe o que custar!
Então as carreiras prepararam na maternidade um minucioso laudo medico, ademais acoplaram um pedido muito especial no qual solicitavam receber para um caso de extrema urgência, "salva vida", de uma jovem senhora que o parto se complicou, as unidades necessárias da nova droga e as recomendações técnicas de como usar o tal remédio milagroso, a Penicilina. 
 Ademais prometiam enviar todo e qualquer relatório de acompanhamento medico da paciente, que exigissem as entidades americanas. 
 
Toda esta papelada estava em português, aí chamaram um jovem medico o doutor Jorge Zucherman do berçário no terceiro andar da maternidade. 
Este moço tinha chegado ultimamente de um estagio de dois anos  em Boston e tinha um inglês de primeira. 
Depois de meia hora já estava  tudo traduzido para o inglês. Fizeram as ultimas correções e datilografaram em papel oficial com o emblema da maternidade, as assinaturas dos médicos reconhecidas pelo tabelião, o Licenciado senhor  Melânio Tiburcio, que foi trazido às pressas para a maternidade, especialmente para tal missão. 
 
Tudo estava pronto, agora chegou à hora da "onça beber água" (agir com rapidez). 
Como fazer que a "montanha venha a Alá", ou em idioma de gente, como levar a papelada para América, imediatamente adquirir "a droga" e trazer-la de volta ao Brasil e sem perder tempo algum, começar a injeta-la na dona Blima, para salva-la de morte certa.
(não esqueçam que naquele tempo a penicilina era liquida, conservada em frio e injetada no paciente, cada 4 horas).

Meu Deus, como se faz isto!
 
Como sempre, nas situações mais complicadas que ocorriam na colônia israelita do Recife, o primeiro endereço para se pedir socorro era o senhor Moisés Schwartz. Um verdadeiro "manda-chuvas", estava metido em tudo, conhecia a todos, não existia uma entidade ou instituição israelita que esta personalidade não tivesse metida e sempre tinha o que dizer. 
Ele era dono da "Malharia Imperatriz", situada na rua do mesmo nome e a maior do Recife.
Homem de posse, filantropo, sem muita escolaridade e chegou ao Recife como diziam os que tinham inveja dele e os gozadores da época: "veio com uma mão na frente e a outra atrás"!
Outros sarcásticos acrescentavam: "veio puxando uma cachorrinha", para fazer saber que ele chegara ao Recife na "estaca zero", ele e os molambos de inverno que levava sobre o corpo. 
 Começou do nada, ficou rico, chegou a ser o dirigente incontestável da colônia israelita por muitos anos.
Depois que tragicamente faleceu na mesa de cirurgia ao submeter-se a uma simples operação de "catarata", o Colégio Hebreu Israelita teve a honra de acrescentar seu nome e assim é o colégio conhecido até hoje em dia.  
Nada melhor que o apoio de um homem deste quilate para tal façanha tão complicada. 
O grupo saiu na máxima velocidade da maternidade, pegaram o primeiro carro de aluguel (assim chamavam o Táxi, no Recife). 
Chegaram na malharia, a secretaria dona Amélia até ficou espantada com tanta gente com a cara, de quem viu fantasmas!
Perguntou se vieram para alguma reunião com o senhor Schwartz sem marcar data nem hora? Ela achava que não seria fácil, pois hoje ele está muito ocupado (como sempre os donos estão eternamente ocupados) 
Senhor Aldo pediu, por favor, para  que ela  entrasse no  escritório do chefe e lhe dissesse só duas palavra:
 -"BRIDER, GUIVALD", (IRMÃO, SOCORRO, em Iídiche), nada mais!
Assim fez dona Amélia e em um minuto depois estava de volta, branca "que nem cal" segurava a maçaneta da porta entreaberta e quase sem voz sussurrou: 
-Entrem, entrem ele os receberá imediatamente.
Contaram o acontecido ao senhor Schwartz, da situação caótica e do perigo de vida que está atravessando a esposa do senhor Aldo, com certeza resultado de "um mau olhado" (fin a shlechter oig em Iídiche).
Na comunidade judaica no mundo todo, não só no Recife, muitos problemas de saúde relacionavam com "um mau olhado". 
Agora, seja a causa que fosse necessitavam urgentemente de senhor Moisés Schwartz, "eine eitze"! (uma solução ou sugestão). 
-Desembuche logo seu Aldo. Diz o senhor Schwartz!
E como a situação não fosse desesperadora comentou com o resto do grupo presente: 
-Este senhor eu conheço desde menino, filho dos falecidos Raitfeld, era traquino danado!
Ele e outros moleques da rua viviam atirando pedras nas vidraças da igreja no Largo da Santa Cruz. Mais de uma vez eu tive que falar com o delegado João Coutinho da delegacia do Aragão pra não castiga-los quando a guarda civil os pegava com os bodoques nos bolsos e "a mão na moita" (fazendo traquinagem em lugar publico). 
Bem, mas isto hoje é coisa fútil, diga logo em que posso ajudar! 
Estou a vossa inteira disposição... 
 
Com a voz embargada falou o senhor Aldo Dario:
- Precisamos trazer um remédio da América, mas esta encomenda tem que sair ainda hoje de lá e já amanhã deverá estar na maternidade para começar a ser injetado na minha esposa, que como lhe relatamos , está à beira da morte.

 
Senhor Schwartz limpou as lentes grossas dos óculos, perguntou pelo recém-nascido, se está sendo cuidado por alguém da família, perguntou se tem os dólares necessários (Calculavam em cinco mil dólares, era mais ou menos quanto isso poderia custar, uma  fortuna nos valores daquela época).
Caso não tenham os dólares, continua ele, vão ao "Banco Cooperativo" da comunidade, pois  para isso exatamente ele existe, dar soluções nas "horas de aperto" na comunidade. 
Falem com senhor Averbuch do banco ele receberá os contos de réis de vocês, fará o trâmite com os cambistas honestos da cidade, lembre a ele do senhor Berglass que é um cambista mais honesto que o Grão Rabino da "Terra Santa" (isto para evitar notas falsas) e em meia hora estará os dólares oficiais com nota de compra e tudo mais, em vossas mãos. 
 Levem este "tsetele" (bilhetinho ou notinha) e o demais deixem comigo, eu tenho gente que me deve favores na Panair e na Varig e eles me farão este "favorzinho" de comprar e trazer o tal remédio na América e amanhã mesmo no primeiro vôo, estará aqui, se Deus quiser.
O pagamento do transporte e a gorjeta ao comandante de bordo, ficarão por minha conta, estão ouvindo?
Já agora mesmo pedirei a minha secretaria que ligue para Beje que agora é figurão na Varig e falarei com ele sobre esta "tzure" (complicação, em iídiche), que temos que resolver com urgência. 
Contem comigo, vai firme Sr. Aldo!
E como sempre ele terminava os encontros com amigos, com a frase que já tinha ficado celebre em todo o Recife social e comercial:
-Quem mande aqui soi yoo e quero ver quem reclames!Dever-se-á em tempo relatar que estes aeroplanos transatlânticos, saiam do sul do país ou de Buenos Aires, faziam escala no Recife, abasteciam e trocava toda equipe de bordo. Aí entrava Beje em ação ou outros da equipe de bordo que deviam favores ao excelentíssimo senhor Moisés.  
Assim que o grupo saiu, ele mesmo discou para alguém de uma dessas companhias aéreas*, (me contou dona Amélia), a conversa foi demorada, pois nunca ninguém fez algo assim, ainda mais trazer um remédio que ainda está em fase experimental. 
Mas no final, quem pode com o senhor Moisés, ficou tudo combinado. 
Assim funcionou esta missão impossível.
Acertaram que o comandante a bordo, ou co-piloto, que eram "amigos de casa" do senhor Moisés nas festas judaicas, seriam os encarregados desta missão. Beje receberia o dinheiro e toda papelada medica daqui, números de telefones dos lideres da comunidade e até de congressistas judeus, caso a missão se complicasse.
 
Não vou entrar em detalhes como a coisa foi  "enrolada"(mais que complicada), nos Estados Unidos, isto são outros "quinhentos mil réis".
Foi necessário "mexer os pauzinhos" (fazer o impossível), com dirigentes das comunidades judaicas em Miami e Nova Iorque, senadores judeus, gente graúda mesmo, telefonemas de dia e de madrugada, para pressionar e conseguir o "diabo dessa droga milagrosa" no mesmo dia, para o vôo de amanhã para o Brasil.
Outro problema foi que os cinco mil dólares não foram o suficiente para um "negocio da China" dessa envergadura.
Telegramas pra cá e pra lá, no fim das contas, mais dois mil dólares emprestou um "gvir" (ricaço) religioso ortodoxo de Manhattam, sem data para devolução, pois no judaísmo se diz: "Quem salva uma alma é como se salvasse todo o universo".
Graças a Deus (e outros envolvidos), no fim deu tudo certo e as milhares de unidades de Penicilina em embalagens refrigeradas foram "adquiridas legalmente" e chegaram no Recife no dia seguinte. Missão cumprida!!!
 
No "campo de aviação do Ibura" (assim era naquele tempo denominado o aeroporto Guararapes do Recife), estavam, o senhor Schwartz com seu carro preto (parecia aqueles carros do Al Capone da máfia italiana na América), o Secretario da Saúde Dr.Olavo Cavalheira, e outras figuras do governo local, atendendo ao pedido de ajuda. 
Tudo isso para livrar a "mercadoria" da burocracia alfandegária e não perder tempo!
Os trâmites burocráticos na alfândega no "campo de aterrizagem" do Recife eram mesmo uma coisa seria.
Porem tudo correu as mil maravilhas (com a presença do secretário da saúde),  livraram a "caixa refrigerada", meteram no carro do secretario, dois motociclistas da policia do transito na frente e a toda velocidade para a maternidade, que não ficava muito longe de lá.
Fim da primeira parte da croniqueta "A DROGA MILAGROSA".
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A DROGA MILAGROSA Parte 2 de 3


                                  Arrecifes no litoral da cidade do Recife   Foto Google, Internet

No Tempo dos Boatos que corriam no Recife "Matuto".
(Parte 2 de 3)

Tema: "A DROGA MILAGROSA" 
         Crônica de PAULO LISKER
                Israel


Ao chegar o medicamento na maternidade foi uma verdadeira festa e muita alegria por parte do corpo médico. 
O Diretor pediu que guardassem sigilo, pois toda esta "odisséia" não foi muito "católica" (feita por "caminhos tortuosos" e não muito legais).
Mas nesse jogo para salvar a nossa paciente, vale tudo!
O pessoal médico concordou e nada foi parar nos jornais da cidade ou na Radio Clube de Pernambuco. 
 
Começou o tratamento e para encurtar a historia (fato que aconteceu e não invenção), dona Blima recebeu uma quantidade galopante da tal penicilina. Depois de uma semana, já se via sensível melhora e depois de duas semanas comia comida sólida, daí  para adiante entrou num período de convalescença e após 20 dias, deixou o hospital, "novinha em folha" porém infelizmente sem a possibilidade de uma nova gestação e o seu filho considerado "excepcional" sem esperanças de voltar a normalidade e deveria estar baixo cuidados de outrem para o resto da vida.

Um êxito espetacular, o corpo médico feliz da vida, todo a maternidade vibrava! Vamos pressionar para trazer esta Penicilina agora e já!
O Brasil está carente em medicina e remédios deste quilate, não é mesmo? Dizia um medico para os outros, todos concordavam balançando a cabeça em sinal de acordo. 
Enviaram por carta oficial registrada e expressa todo o laudo médico, exames efetuados etc., para o famoso hospital A. Einstein na América, que colaborou discretamente para o desfecho exitoso desta missão. 
 
Dona Blima saiu com o seu bebé satisfeita com a nova vida que recebera com a ajuda de Deus, da droga milagrosa (a Penicilina) e dos ótimos médicos da maternidade.
Saiu acompanhada por dona Hanie, sua prima, e o medico particular o doutor Estevão, para uma casa de repouso, o Sanatório Tavares Correia, em Garanhuns. 
 
Verdade seja dita, nada foi publicado nos jornais da cidade, dizem que viram uma pequena nota sem especificar nada, num jornal do Rio e depois de  dois meses, apareceu a mesma nota no Diário de Pernambuco, aqui também passou quase que despercebida.
 
Mas assim não foi na colônia israelita, os boateiros e fuxiqueiros, logo após terem conhecimento do "milagre", não precisaram mais de 48 horas e toda a colônia comentava sobre a "droga milagrosa" a Penicilina.
É uma coisa estupenda, milagre como este, trazer de volta uma pessoa "quase morta"  ou em coma profunda, sem esperança qualquer de se recuperar, isso só no tempo do Patriarca Moisés, que tirou água dos rochedos no deserto e abriu o mar Vermelho para deixar passar o povo hebreu fugindo do cativeiro no Egito.

Não sabia esta gente que o descobridor da penicilina, também era patrício!
 
Não demorou muito tempo e a colônia só falava na tal droga que seria sem duvida nenhuma a "vacina" imbatível para todas as doenças da humanidade. 
Com o passar do tempo, a pressão das camadas intelectuais e médicos brasileiros de renome, iniciou-se uma campanha muito bem divulgada nos meios de comunicação solicitando para que a "droga" fosse oficializada no Brasil e importada de imediato!
A coisa resultou exitosa  e a Penicilina apareceu nas farmácias, pelo menos nas grandes cidades e custava "os olhos da cara". 
 
Foi "tiro e queda", os judeus do Recife ao saber da novidade correram para as farmácias para tomar a "vacina". Era um patrício emprestando dinheiro ao outro e no fim das contas até o "Banco Cooperativo Israelita" colocou nas suas transações normais o empréstimo para a "vacina milagrosa", sem juros ou correção monetária, pois se tratava de um investimento "salva vida".  Em tempo explicaram aos interessados que para ser "vacinado com este novo remédio" era necessário apresentar uma receita médica. 
Sem problemas, logo conseguiram dos médicos recém formados e sem clientela, mediante o pago de cinco contos de réis, forneciam a sonhada receita, alegando uma infecção qualquer. 
Assim toda colônia tomou penicilina, velhos e crianças, homens e mulheres!
Agora mais que nunca estavam convencidos que de aqui para adiante ninguém mais da colônia teria mais problemas de saúde e de morrer por qualquer besteira (coisa fútil), nem se fala!
Fim de matinhos, chazinhos de folhas, bruxarias, benzas, sopros, lavagens no cu com sabão amarelo, sangria, ventosa, leite de magnésia, óleo de rícino ou óleo de fígado de bacalhau, pílulas de vida do Dr. Ross e outra centena de medicinas da época!
Boa época esta que se "amarrava cachorro com linguiça" e depois comiam o "cachorro quente" no Parque 13 de Maio e agora vacinado ninguém tinha medo de infecções intestinais ou outra qualquer "holiéra" (Cólera e seus semelhantes, em iídiche).
Comparavam este milagre com aquele que fez Moisés no Egito, quando ordenou salpicar sangue de uma tenra ovelha nas portas das casas dos judeus, para evitar mortes dos primogênitos quando pela noite adentro o Satanás viria foiçar nas casas de todas as famílias egípcias, que não conheciam este "castigo" que Moisés declarou com a ajuda de seu Deus e assim, conseguir convencer ao Faraó libertar os judeus do Cativeiro de quase 400 anos. 
Vendo os pingos de sangue nas portas dos judeus, o satanás ou qualquer outro em seu nome, saltava aquelas onde estava salpicado. 
Daí o nome do feriado "Peissach" (Páscoa) que deriva  da palavra hebraica "posseiach" (saltar). 
 O salpicado de sangue estava pelo menos no mesmo nível de importância, assim como, a Penicilina  milagrosa de hoje. 

Fim da segunda parte da croniqueta "A DROGA MILAGROSA".
Todos os direitos autorais reservados.
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A DROGA MILAGROSA PARTE 3 DE 3


                                                       
                                             O povo nas ruas do Recife  Fotos Google
No Tempo dos Boatos que corriam no Recife "Matuto".
(Parte 3 de 3)

Tema: "A DROGA MILAGROSA"
         Crônica de PAULO LISKER
                Israel

 Isto posto, dever-se-á acrescentar umas palavras sobre a estratégia adotada para injetar em tantos pacientes,  cada 4 horas, durante 24 horas do dia, durante uma semana pelo menos. 
O herói desta proeza foi seu Odon (na nossa casa todos o chamavam com muito respeito, senhor Adão), balconista e vendedor  na "Farmácia Salutar" na Praça Maciel Pinheiro.
Ele era quem aplicava injeções na farmácia, caso alguém necessitava.
Naquele tempo uma infecção ou furúnculo era tratado com injeções de "Anti-Piogênica", meio século antes da Penicilina.
Então durante o dia ele aplicava as injeções na própria farmácia, mas na "etapa penicilinica" era necessário ir a casa do paciente fosse de noite ou de madrugada com chuva ou calor.
 
Este trabalho era bem pago pelos pacientes judeus, ademais de uma boa gorjeta, porem não lhe dava tréguas! A noite toda, 24 horas de correria.

Vendo o peso da tarefa, deixou a farmácia e se tornou  autônomo, trabalhando por conta própria.
Mesmo assim era humanamente impossível dar conta do "recado".
Foi aí que lhe veio a idéia de contratar empregados de outras farmácias, aqueles que tinham experiência suficiente para tal função.
Contratou mais oito "enfermeiros" para a labuta noturna, e assim de alguma forma cobriram toda colônia judaica do Recife, ansiosa de se "vacinar" com a droga milagrosa.
 
Seu Odon e seus colaboradores "corriam" pelo bairro da Boa Vista, Coelhos, chegava até a Madalena, Torre, Espinheiro e quem sabe onde mais.
 
Mesmo nossa família, toda ela, e mais as nossas empregadas, tomamos durante uma semana inteira, as injeções de Penicilina.
Exigimos que fosse seu "Adão" que o fizesse, pois o conhecíamos da Farmácia na Maciel Pinheiro, quando comprávamos remédios, em geral para algum "desarranjo intestinal", muito comum naquelas épocas sem geladeira e comprando carnes do "miudeiro", aquele que andava com um cachorro feio e cheio de pulgas, então não era para menos.
 
Diga-se de passagem que quase ninguém tinha geladeira elétrica.  Nós quando passamos para a "etapa burguesa" da nossa vida, meu pai comprou no leilão da Rua da Conceição, uma "geleira" que funcionava com um quarto de barra de gelo.
Este comprávamos todas manhãs na carroça puxada a cavalo de seu Arlindo, que parava nas portas dos casarões da rua Gervásio Pires.
O gelo vinha "bem conservado" coberto de pó de serra, para não derreter  no caminho.
Na "geleira" de nossa casa ao chegar as 22 horas, não restava dele nem mais o cheiro!
Recordem que as "garrafinhas" que continham o liquido da droga deveriam estar todo o tempo em condições refrigeradas.
 
Assim era minha gente, algumas vezes tomávamos as injeções da droga na temperatura natural que conseguia manter o interior de lata da pobre  "geleira" e seja como Deus quiser!
Eu acho que da nossa família, só quem escapou a esta aventura, foi meu primo caçula Nussi da Barão de São Borja.
Ao ouvir  que o "enfermeiro" chegou, saltava o parapeito do terraço de sua casa no segundo andar, se agarrava num enorme mamoeiro (naquele tempo tinha deste porte também)  e escorregava abraçado no seu tronco. Ao chegar a terra "são e salvo", corria e se escondia na casa de Lea e Perinha Berenson até que o "perigo" passava!
 
 
Para facilitar o trabalho logo no inicio da "campanha de vacinação", seu Odon comprou uma bicicleta Raleigh, isto para facilitar sua locomoção e respeitar os horários loucos que exigia nesta missão quase que impossível.
 
Será de bom proveito, em tempo, explicar com que instrumentos realizavam esta incumbência.
Levavam um estojo de metal, e dentro dele uma ou duas seringas, quatro ou cinco agulhas de diâmetros diferentes.
Numa sacola a parte, uma mecha de algodão uma garrafa de álcool etílico e uma caixa de fósforos.
As mesmas seringas e agulhas eram usadas continuamente e para pacientes distintos, depois de fervidas no estojo de metal, para tal função usavam o álcool.
 
 De tanto uso as agulhas já estavam com a ponta meio "cega" e causavam certo desconforto na aplicação quando aplicadas no braço, então em lugar de trocar as agulhas, passaram a ser injetadas em geral na bunda. Ninguém reclamava, pois a "vacina" valia qualquer sofrimento.
 
Contam, não sei se é verdade, que numa ocasião a agulha de tanto uso, se quebrou dentro da bunda de um paciente (parece, se não me engano, foi na bunda do senhor Bogater, o padrasto do nosso amigo Vivi). 
Nunca conseguiram detectar onde ela andava dentro do seu corpo, mais o apelido pegou "Yankel fin di nudel" (Jacó da agulha).
Seu Odon, com a ajuda dos outros "enfermeiros" por ele contratados, conseguiu de uma maneira exitosa respeitar o horário das aplicações e no final da campanha, esta boa alma, estava "podre de rico", relativamente a aquela época das primeiras décadas do século XX.
 Ele nunca mais voltou a ser assalariado, foi-se embora para Piracicaba e lá com uma prima abriu sua própria farmácia e a chamou "Adão e Eva". Bonito, não é?
 
Vale a pena salientar, que no Recife naquela época, ninguém nunca fez uma pesquisa acurada  do porque do nível de sanidade mais elevada da população judaica, em comparação com as demais.

Isto estava na cara, era raríssimo a paralisia infantil, tuberculose, sífilis, gonorréia, lepra ou outras enfermidades da pele muito comuns que se via em todo lado pelas ruas do Recife (mendigos a pedir esmolas nas pontes da Boa Vista, expondo as feridas abertas em geral nas pernas).
 
Quem sabe, eu meditando como matuto e meio primitivo, seria isto uma decorrência direta da famosa  "campanha penicilinica" que este grupo humano judaico recebeu?
Penso que no mundo de hoje, sem a inocência, escolarizado, cheio de médicos e especialistas em todos os ramos, Ongs de defesa ao indefeso e mais o "diabo a quatro", isto  seria terminantemente proibido.
Mas naquele tempo a "campanha judaica de vacinação" em massa foi de um êxito sem precedentes. Levou muitos anos para se descobrir que esta "droga" não era vacina cosa nenhuma, mas vá convencer uma comunidade de judeus imbuídos de que sim era uma droga que salvou a parturiente da morte certa, então não importa se hoje todo mundo sabe que penicilina é um antibiótico e não é vacina, mas naquele tempo era e pronto!
No fim desta estória, a penicilina venceu e o ishuv** judeu "ganhou saúde". Será?
 
 
* O nome da empresa aérea  não tenho certeza, desculpem, pois já se passou muito tempo e muita água salobra correu por baixo das pontes do velho rio morto Capibaribe.
** Ishuv= comunidade em hebraico. 
 
N.B. Alguns nomes dos envolvidos nesta crônica são fictícios, assim como as entidades citadas.
 Isto por ser um tema médico que exige total sigilo destes. Será?
 
Fim da cronica "A DROGA MILAGROSA"
Todos os direitos autorais registrados.
Cuidem com os créditos
 



                                             O povo do Recife nas ruas. Foto Google Internet

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

O MEU AMIGO DUDA (Parte 1 de 3)


O MEU AMIGO DUDA  (Parte um de três)
Paulo Lisker
Israel
                                                 Foto Google, Internet



Apesar da gente "bater uma zorrinha" lá no terraço do casarão da família de Duda, na Avenida Conde da Boa Vista, ele não era exatamente meu amigo, era o irmão do meu bom amigo da infância, Senha (José Alexandre Ribemboim).
Parado diante do portão de ferro, ele dava bons passes para outros dois ou três "futebolistas de zorra", e chutava com classe para que o goleiro pudesse fazer boas exibições, agarrando a bola de borracha no peito evitando que ela fosse de encontro ao portão de ferro, fazendo um barulho danado. Quando isso acontecia, despertava de supetão dona Clara (a senhora mãe de Duda e Senha), da "shlaf shtunde" (soneca de depois do almoço)! 
Muito irritada, abria a janela e dava uma bronca "danada", pedindo silencio.
A gente parava por uns minutos, ia beber água filtrada de quartinha, de um filtro com "velas" de barro, por sinal gostosíssima.
Descansávamos e logo recomeçávamos a "bater a zorra" de novo (treino de futebol num patio qualquer), até o próximo carão (reclamação) de dona Clara. 
Aí, parávamos de vez e íamos conversar num canto do quintal, debaixo de uma enorme mangueira de "pé franco", que nunca dava frutas. E ficávamos brincando quietos, com os peixinhos, no aquário de Senha.

Eu sempre perguntava: Duda, tu "pegas" (escalado) a seleção da escola?
Ele respondia: Não, eu me dedico aos estudos, pois, se não tiver boa base, como passarei no futuro no concurso de Engenharia, não é mesmo?
- Mas ainda tens tanto tempo até o concurso, por que não te esforças para "pegar" a seleção da escola? Tu jogas muito bem, é uma pena Duda!
Eu pensava que com aquele jeitão de "futebolista de zorra", ele poderia ser um segundo Ademir, que começou no juvenil do Sport Club do Recife e foi parar no Vasco da Gama, do Rio, depois, no selecionado nacional. Era um artilheiro para "mais de contrato" (excepcional, na língua da rua).
Eu guri inocente, sem nunca ter visto um estádio ou um jogo da liga pernambucana, pensava que Duda poderia ser no futuro o que Ademir foi para o futebol brasileiro. Inocência de pixote.
Duda era um menino judeu, meio gordinho e desengonçado, na verdade muito inteligente (Como era toda essa família Ribemboim), porém de atleta não tinha nada.
Acreditava que ele era um exímio "jogador de zorra", e isto para mim, já bastava para credenciá-lo como futebolista que deixaria estádios inteiros, de pé, ovacionando.
Seria o primeiro futebolista judeu, de fama internacional (o sonho inocente de uma criança tola).
Todos os meus amigos eram alunos da escola judaica, situada na Rua da Gloria.
Assim também foi Duda, que era mais velho, e frequentava o quarto ano primário, o ultimo na escola iídiche naquele tempo.
Lembro-me quando a escola ainda não era o Colégio Hebreu Brasileiro.
O seu quadro profissional era um dos melhores: dona Rinelia, Eulina, mais tarde, dona Lenira, Odete, Ivanise, Coralia, dona Mancovetsky (jardim da infância, diplomada na Polônia), ela substituiu a mestra extraordinária do jardim da infância, dona Lazar (foi quem me recebeu dando os primeiros passos na escola iídiche). Infelizmente esta última veio a falecer muito jovem, de câncer no seio. E havia o "moré" (educador) senhor Burshtein, professor do estilo antigo que dava castigo por qualquer travessura ou falta de cumprir com os deveres do dia. O castigo era meter a criança no "quarto escuro", a gente morria de medo e depois mandava chamar o pai para dar-lhe um "esculacho" daqueles (reclamação contra o pixote), e em casa o pai ou a mãe dava mais um castigo. O povo judeu dá muito valor a educação escolar, dizem que por isso tem tanto judeu com premio Nobel.
A meninada tremia só em escutar o nome deste senhor educador, o senhor Burshtein.
Depois que toda a sua família imigrou para a Palestina, ele foi substituído por um professor estrangeiro, o senhor Halperin, que, com o passar do tempo, soubemos que era comunista.
Depois de uns anos na escola iídiche, ele foi ensinar nos Estados Unidos ou no Canadá. Já faz muito tempo, não lembro mais.
Dizem as línguas ferinas que ele não queria que a sua lindíssima filha, Dvoirele, encontrasse no futuro um noivo recifense filho de um "proste" (sem cultura) prestamista analfabeto. Não fica bem para uma família de cultura européia. (es past zich nisht - em iídiche)!
Um belo dia, com toda essa bagagem didática e professores de primeira linha, foi à Escola Iídiche, intimada pela Secretaria Estadual de Educação, porque o seu certificado de aprovação, bem como as notas, não seriam validas e reconhecidas para entrar no ginásio de outras instituições escolares no Brasil.
A notícia causou um grande reboliço na comunidade.
Logo a escola iídiche, imagine!
Não podia ser! Tem safadeza nisso!
Os responsáveis do "comitê pedagógico" da escola apressaram-se para averiguar a causa daquele problema, agora criado.
Na comunidade, já havia aqueles que diziam: é coisa de anti-semitas, esses sempre estão dando voltas, fuçando e procurando problemas que, em muitos casos, não existem.  Era só para criar confusão e multas em dinheiro.
Plínio Salgado e sua "gentalha" eram uns verdadeiros espantalhos, para a colônia judaica do Recife. Tal gente, possivelmente, não queria uma escola judaica exitosa, naquela atmosfera católica e racista, que reinava no ensino recifense.
A prova disso era que, mesmo nas escolas laicas, existia aulas de religião católica, não como estudo da literatura dos magníficos textos das escrituras, mas, simplesmente, o catequismo.
A comunidade judaica do Recife solicitou, aos diretores dessas escolas, a dispensa da presença obrigatória de alunos judeus naquelas aulas. No principio, eles relutaram, porém, depois de novas "investidas", aceitaram conceder a "regalia" aos alunos judeus.
Quando eu já estava no Ginásio do Colégio Osvaldo Cruz, as aulas de religião, ministradas pelo Padre Anchieta, um tipo simpaticíssimo, que foi no passado Capelão da F.E.B. quando o Brasil enviou "a cobrinha fumando" para lutar contra as forças fascistas na Itália e, por incrível que pareça, com uniforme verde, nos campos de neve europeus (informação do padre Anchieta numa das aulas em que fui assistir, mesmo estando dispensado).
O nível de ensino na escola iídiche, nas quatro classes primárias, era excelente: as professoras eram todas formadas e com diploma reconhecido em todo o território nacional e o professor de hebraico e iídiche, importado do Canadá.
Os alunos que terminavam o primário passavam nos exames de admissão dos colégios do Recife, com as maiores médias.
No ginásio do Colégio Osvaldo Cruz, ou outros da cidade, chegavam muito bem preparados, e eram, quase sempre, os melhores alunos de todas as turmas.
Então, por que a Secretaria da Educação vinha com essa alerta oficial sobre a validade dos certificados?
Logo agora, quando a escola chegara a um número tal de alunos, que a soma das mensalidades dava para cobrir todos os gastos diretos e, ainda, deixava algum lucro para investimentos. 
Só faltava isso, agora!
Sem demora, foi marcado um encontro dos Delegados da escola, com o Secretário Estadual de Educação.
No dia do encontro, ele não estava presente, conforme o protocolado.
Era sempre assim: coisas mais importantes, em Vitória de Santo Antão, acompanhando o governador do Estado.
O funcionário que recebeu os dois Delegados deu-lhes o melhor tratamento. Desculpou-se pelo fato de o Secretario estar ausente, afirmando que, ele mesmo, responderia pelas inquietudes da escola judaica.
- Conheço o vosso sistema de ensino, ele é deveras muito bom, as notas das provas são excelentes, o número de horas de aulas, as professoras diplomadas, as tarefas de casa mormente cumpridas, o coro orfeônico com o maestro Sadigursky, a visita do medico Dr. Radunsky, duas vezes ao ano, os uniformes respeitados, uma escola de muito bom nível.
Tomou fôlego e continuou:
-Sabemos até da cantina de dona Rosa Litvin, que vende lanches baratos e gostosos, para aqueles meninos que não o trouxeram de casa, é uma conquista social, pois crianças com fome não estudam, só fazem anarquia, não é mesmo?
Nós até expomos o vosso modelo, nas reuniões com os diretores de outras entidades de escolas primarias. Uma pena que vocês não nos dão a honra de comparecer àqueles encontros. Mas, isso não é problema, vocês são uma escola particular e não têm a obrigação de participar.
Mas, meus senhores, existem uns probleminhas que, se não forem resolvidos de imediato, os vossos certificados escolares não poderão ser aprovados, pela Secretaria da Educação e, quem sabe, o Ministério no Rio poderá até criar ainda mais problemas...
Os Delegados judeus se surpreenderam com o conhecimento do funcionário Dr. Celestino, no que diz respeito ao desempenho da escola, e perguntaram, então, quais eram os problemas tão graves. Seria pelo ensino das línguas hebraica e iídiche, não vigentes nas demais entidades de ensino primário?
 - Para permitir o ensino das línguas de nossos antepassados, colocamos no currículo mais seis horas mensais, para não prejudicar as outras matérias. Contratamos um professor para isso e os meninos o respeitam. Estão aprendendo e entendendo seus pais e avós, até, quando eles conversam em casa.
Onde reside, então, o problema para tão séria advertência?

- Senhores, vocês tomarão um cafezinho comigo? Perguntou o funcionário e acendeu um cigarro Astoria ou Asas (cigarros daquele tempo da Cia. Souza Cruz), dando uma enorme baforada em direção ao teto.
-Sim, como não, com muito prazer, responderam os dois senhores, Benjamim Berenstein e Moisés Schwartz, com a boca seca, de tensos que estavam.
O funcionário tocou numa sineta que estava em cima da mesa, logo entrou o bedel, que já sabia do que se tratava, e foi logo perguntando: - Com leite? Com açúcar,  forte, aguado? 
O funcionário tirou uma lista da gaveta e disse:
- Olhem, na ultima inspeção que fizemos na escola, encontramos os seguintes problemas:
a -    Os sanitários sujos, fétidos e sem luz;
b -    Não há uma bandeira brasileira, nem na sala da Diretoria. Vi uma bandeira azul com uma estrela, deve ser da escola, eu entendo;
c -     O professor estrangeiro não fez, até o momento, o devido reconhecimento do seu certificado pedagógico;
d -    A pior de todas as faltas é que, não consta Educação Física, no currículo escolar, sequer uma hora por mês, quando o Ministério exige meia hora, duas ou três vezes por semana, e com um instrutor credenciado.

Os Delegados judeus empalideceram. O funcionário tinha toda a razão. Ainda bem que não examinaram as condições de higiene da cantina de dona Rosa (que, pouco tempo depois, fechou de vez).
Não sei dizer se, por questões econômicas, ou outras ainda piores, a meninada aprendeu a trazer lanches de casa e não comprava mais os apetitosos sanduíches de pão francês com manteiga e queijo do Reino, ou de Mortadela com mostarda, sempre acompanhados com um pepino ou pimentão em conserva, também produtos caseiros de dona Rosa (eu nunca os comi, mas me lembro deles nos potes de vidro tomando sol no balcão de cantina, então a do pimentão vermelho tenho gravado até hoje no meu velho cerebelo).
Talvez a cantina tenha fechado, mesmo, por questão de higiene, pois, à noite, se transformava em um "clube noturno" de baratas e ratazanas, que só não comiam as paredes porque eram de metal. 
Não adiantaram todos os intentos do senhor Salomão, o marido de Dona Rosa, com dezenas de ratoeiras, venenos por todas as partes, e papel "pega - pega" para baratas e moscas. Acabavam com uns, vinham outros ainda mais famintos.
O Recife estava impregnado desses males que, viviam em harmonia perfeita com o ser humano, ainda dos tempos coloniais portugueses, jamais exímios zeladores de higiene pessoal ou geral.
Ademais, em toda a escola, não tinha sequer um filtro de água potável para os alunos. Ninguém pensou nisso antes, parecia não ter importância, e os banheiros estavam em condições horríveis, para o uso diário.
- Ai, meu Deus, ainda "saímos bem barato" dessa inspeção, se fosse mais profunda, estaríamos "lascados", cochicharam os dois Delegados judeus.
     - Poderemos, rapidamente, resolver tudo isso da melhor maneira e o mais rápido possível. Na próxima inspeção, o doutor Celestino não encontrará coisa alguma para se queixarPode acreditar Doutor, tem a nossa palavra!
     Não sei se é verdade, porem dizem que ouviram o gentil funcionário sibilar entre uma baforada e outra:

      - Era só o que me faltava, acreditar, agora, na palavra de judeus, mais esta.

Fim da parte um de três.
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Cuidem com os créditos.