segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Por onde andará Dadinho (parte 2) Novela "Um amor impossivel"

          A Praça Maciel Pinheiro no Bairro da Boa Vista no coração do Recife, no passado.
                                                           Foto: Google-Internet



"UM AMOR IMPOSSÍVEL" (Novela)

TEMA: "POR ONDE ANDARÁ DADINHO".   (parte 2)
                                                           
                                                                         (BORRADOR)
                                                                
Paulo Lisker
 Israel.

Uma bela tarde Dadinho saiu da pensão cabisbaixo e ao passar pela praça se deparou com Abrãozinho sentado num banco lendo o Jornal Pequeno.
Este rapaz judeu, também era estudante de Direito e ia à pensão, "virar as noites" com os seus amigos e juntos se preparavam para os exames.
Abrãozinho era considerado naquele tempo "uma ave rara" no meio judaico, pela carreira que escolhera.
Não era comum entre os judeus no Recife esta carreira profissional, e sim a de medicina, engenharia, dentista, arquitetura.
Advocacia e agronomia eram carreiras menos atrativas e menosprezadas pelos rapazes judeus da cidade.
Mas Abrãozinho, estudar Direito já era demais.
Ele era filho único de uma viúva paupérrima que vivia num sobradinho no Pátio da Santa Cruz. Um tio dele, dono de um grande negocio de tecidos que vivia no Rio, enviava um dinheirinho todo mês e se propôs também a financiar os estudos do sobrinho. Ele resolveu advocacia e pronto. O seu tio não discutiu e aceitou a decisão do único sobrinho que tinha e até se regozijava que a família teria no futuro um "advocat" (advogado, em iídiche).
Dadinho conhecia Abrãozinho da pensão aonde ele vinha estudar com os amigos e preparar-se para as provas de fim de ano.
Escolher a carreira profissional da primeira geração de judeus, aqueles já nascidos no Recife não era uma missão fácil. Todos se metiam, davam opinião de entendidos, ("peruavam"), mesmo que ninguém tivesse formação profissional alguma, todos eram em geral vendedores ambulantes, emigrantes chegados da Europa, nem o idioma local dominavam, porém sabiam o que era bom para esta nova geração de judeus nascidos no novo continente.

Lembro meu pai quando soube que eu iria fazer concurso para agronomia, em "Dois Irmãos" (Subúrbio do Recife), me falou duro e dizendo em tom de repreensão:
-Isto não é profissão para ganhar dinheiro. No final das contas tu estarás "Mexendo com bosta de vacas e sempre atolado na lama e esterco de porcos"! Que porcaria de vida será esta?
Perguntava de uma maneira retórica e danado da vida com esta decisão do primogênito.
-Agronomia para judeu, já viu? Ta doido (louco varrido, expressão popular).
Depois de alguns anos também meu irmão seguiu este mesmo caminho então meus velhos pais quase morrem de vergonha perante a comunidade judaica do Recife. Dois filhos, dois agrônomos, (em iídiche nos taxavam de uma forma pejorativa de "POIERIM", que significa "trabalhador braçal de campo" ou agricultor), já era demais!!!
Quando depois de formados, nós dois viajamos para Israel, sentiram-se meus pais mais aliviados, pois não tinham que estar explicando aos conhecidos da colônia israelita a causa que levou aos dois filhos enveredar "nesta profissão sem futuro nenhum" para jovens judeus do Recife.
Diziam os amigos nas conversas de fins da tarde na Praça:
-Meninos com tão boa cabeça para as matemáticas, finanças, contabilidade e tudo que tinha a ver com os números vai perder tempo estudando agricultura. Só louco!
Era uma indireta a meus pais, os culpando pela maneira errada que nos educaram.
Penso que meus pais e talvez toda nossa família nunca se recuperou do tal "desvio do caminho normal" causado pela má educação que nos proporcionaram e  consentindo que os filhos abraçassem o caminho da enxada na agricultura como a futura profissão. Coitados, hoje sinto pena deles!
Abrãozinho deixou de ler o jornal e chamou a Dadinho para sentar com ele. Ofereceu-lhe um cigarro "Caporal Lavado" (tinha essa marca naqueles bons tempos), os dois fumavam e tinham o olhar parado no infinito.
O primeiro a romper o silencio naquela tarde quente e sem vento de Dezembro foi Abrãozinho (apelidado pela molecada de "Branquinha").
-Dadinho que melancolia é esta homem?
-Se eu encontrar a minha namorada, tu a conheces, a Xóxa, tudo passará. Desde que voltei do interior não a vejo, nem ela nem a família, a quem eu pergunto pelo paradeiro deles, ninguém sabe dizer nada. Tu por acaso ouviste algo, para onde esta gente desapareceu, assim de repente e ninguém sabe de nada, não é mesmo para sofrer? Isso está me roendo por dentro!
--Dadinho, deixa de besteira, é só mulher, assim como ela têm muitas outras e ainda mais uma judia, pra que tu procuras "sarna para te coçar"! Tu não sabias que esse namoro só iria criar problemas e confusão?
Ficar assim "murcho" sem gosto pela vida por causa de mulher...tas doido bicho!
Dadinho se zangou, ficou puto com essa conversa e exclamou com raiva:
-Abrãozinho, tu es veado,  fresco safado de merda, tu não gosta de mulher? Só não te dou umas bofetadas na cara por que es amigo de estudos, mas senão tu ias ver...
-Não te afobes Dadinho, eu não sou veado, eu sou teu amigo e quero te ajudar.
Te conto Dadinho, mais tu me vais jurar por tudo que é santo para ti que nunca dirás a ninguém que escutaste isso de mim, estamos de acordo?
-Desembucha Abrãozinho, vai, nem mesmo a Santa Sé me queimando vivo, escutará de mim sequer uma palavra, vai homem conta logo!
Abrãozinho e Dadinho saíram da praça e foram se sentar no jardim do cinema Parque na Rua do Hospício. Por lá teria menos curiosos e "abelhudos" (com as orelhas direcionadas a conversa alheia).
Abrãozinho nesta oportunidade contou tudo que sabia e tinha escutado do dia que Xòxá voltou do interior até que viajaram para Bahia e todos os demais fatos que ocorreram neste ínterim.
Dadinho suava frio, só não desmaiou por que queria estar a par de todos os detalhes.
Abrãozinho continuou contando ao amigo:
-Te digo mais, Xóxa estava grávida quando casou na Bahia e se mandou para o Rio de Janeiro com o seu maridinho judeu.
Esta foi demais para Dadinho, agora ele tremia que nem "vara verde de marmeleiro" (um raminho tenro de um arbusto), a boca acompanhava a tremedeira, assim também o corpo todo, como se no Recife estivesse nevando.
De repente como tivesse sido picado por um maribondo, ficou de pé e exclamou:
-De aonde você sabe tudo isso? Como vou acreditar nessa estória louca?
Serenamente Abrãozinho pegou na mão de Dadinho, puxou ele de volta para o banco e disse sussurrando:
-Tu não sabias que eu "trepo" (tenho relações sexuais), com a empregada novinha deles? A empregada velha viajou com a família e quando voltou da Bahia contou tudinho a Silvinha "mon amour"! Daí eu sei a estória toda, tudo "tin tin por tin"( com todos os pormenores) do que ocorreu. 
Daí pra frente não sei mais nada, pois a família depois de curto tempo foi embora para o sul e as empregadas foram com eles, pois lá é difícil encontrar gente fiel para este trabalho. O casarão está agora ocupado pelos irmãos da Xóxa.
-Então Xóxa está casada e de bucho meu, ai Deus me acuda, Nossa Senhora... Exclamou Dadinho entre um soluço e outro. Despediu-se de Abrãozinho com um forte abraço e desapareceu lá para o lado do Beco do Camarão e nunca mais foi visto.
Os colegas da pensão depois de alguns dias deram parte a policia e comunicaram o misterioso desaparecimento de Dadinho.

Abrãozinho contou o que sabia ao delegado Mota que investigava o caso, acrescentou ademais que viu ele tomar o bonde para Olinda.
A mesma coisa relatou o bilheteiro do Cine Parque cujo poste de parada do bonde era defronte da entrada do cinema.
Os amigos foram para Olinda, procuraram nos bares onde ele costumava tomar seu "traguinho" com os artistas e músicos que ali se reuniam, mas ninguém sabia ou viu coisa nenhuma com respeito à Dadinho.
O único que deu uma pista certa foi seu Silvino da barraquinha (quiosco) do Varadouro que vendia refresco gelado das frutas da época. A clássica gelada de Mangaba, a melhor do mundo era uma delas, inesquecível.
Ele relatou que ontem ou ante ontem viu Dadinho sentado num banco com o Frei Bororó e depois de um tempo saíram juntos de ladeira acima e sumiram na penumbra do anoitecer.
Correu o pessoal para o seminário para falar com o tal Frei Bororó.
Pediram desculpa pela hora, mais era um problema urgente que queriam pedir a sua ajuda.
O Frei relatou que este amigo deles veio pedir um conselho espiritual e no fim se confessou, não com ele, porem com o padre Justino que é autorizado a tratar dessas coisas.
Foram procurar o tal padre, mas o tema da confessão é segredo que nem a policia tem direito de saber. Ele só pôde acrescentar que Dadinho ao se despedir beijou-lhe a mão e disse que iria ver seus pais em Alagoas e pedir perdão.
O grupo de colegas voltou para o Recife e no dia seguinte foram ter com o delegado da Delegacia da Rua do Aragão e relataram as novidades que conseguiram coletar em Olinda.
O delegado Senhor Celestino Mota logo se pronunciou que ele se encarregaria de telefonar para as autoridades em Maceió. Eles lá já entrarão em contato com o delegado de Palmeira dos Índios e com o coronel Monteiro o pai de Dadinho na fazenda "Os Três Cipós".       
 - Agora as coisas estão nas minhas mãos, não se preocupem mais até que receba a resposta de Alagoas.  Nós aqui continuaremos de alerta realizando buscas e investigações! Vão descansar meninada! Ordenou com um sorriso que revelava 4 dentes de ouro na dentadura do maxilar superior.
A resposta ao telegrama do delegado Mota chegou rápido:
Dadinho não chegou na fazenda dos seus pais e possivelmente nem viajara para Maceió.
Agora as coisas se complicavam, até o Secretario de Segurança do Estado se meteu, exigindo maior perseverança nas buscas e investigações e que guardassem sigilo conquanto aos resultados intermediários.
Os colegas não esperaram muito, juntaram um dinheirinho e publicaram nos 3 jornais da cidade um aviso que pedia que Dadinho desse um sinal de vida, pois eles estavam deveras preocupados. E não era para menos, pois isso não era comum nesse grupo de estudantes em que um vivia "agarrado" com o outro, era como diziam de brincadeira: "Vivem feito cachorros, um cheirando o cu do outro", maneira de se expressar entre amigos íntimos.
Fim da parte 2 do capitulo "POR ONDE ANDARÁ DADINHO" (novela) Um amor impossível.
Paulo Lisker
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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

POR ONDE ANDARÁ DADINHO (parte 1) Novela

                                                    A praça Maciel Pinheiro, no Recife.
                                                                Foto: Internet-Google


"UM AMOR IMPOSSÍVEL" (Novela)

TEMA: "POR ONDE ANDARÁ DADINHO".
(Parte 1)
                                                           
                                                                         (BORRADOR)
                                                                 
Paulo Lisker
 Israel.

Dadinho terminou o ano letivo em Triunfo e foi homenageado com o título do melhor professor do ano.
Nesta oportunidade lhe presentearam com uma condecoração em prata de "Benemérito Honorius Causa" da cidade de Triunfo.
Desistiu de uma vez de ser nomeado diretor do instituto escolar Getúlio Vargas em Piaçabuçu nas Alagoas e voltou na primeira sopa (ônibus no jargão nordestino) para o Recife.
Xóxa não lhe saia do pensamento, ele não via à hora desse reencontro mesmo contra a vontade da família dela, depois de tantos meses de afastamento.
O que não fizeram os fazendeiros do município para aproximá-lo das filhas, com muito bom dote e até terra propunham, mas Dadinho preferia não se comprometer com esta gente interiorana.
Ele "tirava a diferença" com as putinhas da cidade depois das noites de sinuca e cerveja com os amigos professores solteiros e até alguns casados cujas esposas sabiam que na sexta feira o marido "tirava férias" para "jogar cartas" com os amigos, pois a vida no interior era muito monótona, para não dizer "chata pra caralho".
Dizem que as esposas sabiam na realidade o que acontecia nesses encontros chamado "jogar cartas" e se despediam do marido dizendo com sarcasmo: "dá lembranças a Maria..."
A "sopa"(ônibus) chegou "capengando" (nos seus últimos suspiros), na estação Rodoviária do Recife. Digo capengando, pois no caminho dois pneus estouraram e só tinham um de reserva em condições de uso, os outros dois estavam com as câmaras de ar furadas. Que azar danado, coisa muito comum naquele tempo com as vias de barro mal cuidadas, as "sopas" já há muito tempo passaram os 10 anos de uso, quase sem manutenção e os pneumáticos na "lona" (totalmente gastas, na língua do povo).  Não seria surpresa nenhuma quando isso acontecia no meio do caminho das estradas interioranas, especialmente no nordeste brasileiro.
O atraso foi de quase 3 horas até que numa camionete da empresa rodoviária trouxera as peças de reposição necessárias para poder continuar a viagem.
A entrada do transporte para o Recife (a capital do Estado de Pernambuco), passava quase que obrigatoriamente pelo "Gasômetro" (empresa industrial de elaboração e fornecedora do gás de cozinha aos clientes da cidade), localizada no bairro do Brum.
O processo industrial da elaboração do gás exalava um cheiro sufocante característico que enchia o ar da cidade durante horas (quem no passado viveu no Recife conhece este fenômeno negativo muito bem).
Quando começava a brisa ela carreava este mau cheiro para fora da órbita da cidade.
Dadinho foi recebido nesta atmosfera fedorenta, ele que tanto esperava por este reencontro com a sua amada na cidade dos rios e pontes, a Veneza brasileira.
Ao sair da estação a primeira coisa que fez foi tomar um caldo de cana duplo com muito gelo, pois estava morto de sede das horas de viagem na "sopa" que vinha cheia de gente, ademais "capengando" e com um atraso danado.
Foi caminhando a pés ao lado do carregador da mala até a Praça Maciel Pinheiro. Lá se encontrou com seus colegas e amigos de faculdade e os da pensão que servia de "republica de estudantes" num dos casarões ali localizada.
Subiram a escada de madeira do prédio que chiava com a pisada em cada degrau resultado do produto da secular engenharia portuguesa.
É bom em tempo frisar que os "pés de escadas" desses sobrados tinham uma função sumamente importante, serviam de mitorio para centenas de transeuntes que de passagem pela praça não encontravam outro lugar para urinar.
Parece que na herança da arquitetura portuguesa à engenharia brasileira esta não legou a necessidade de lugares públicos para esta função tão importante.
Num perímetro enorme da praça não existia um lugar para estes fins e talvez em todo Recife.
Naquele tempo parece que isso não era importante, então restava os "pés de escada" para "quebrar o galho"(solucionar o problema urinário), e como fediam as escadas nas entradas dos prédios, nem imaginem!

Abraçaram-se depois que abriram a porta, os amigos inseparáveis quase choravam. Ofereceram ao carregador um copo de água da quartinha que sempre estava na janela da sala. Dadinho pagou o biscate como combinado e o carregador foi  descendo às pressas fazendo a escada de madeira chiar como num concerto de sapos em noite de luar em volta de uma poça de água de chuva.
Passaram a noite "chupando" (bebendo, na língua da rua), cerveja daquela boa, bem gelada e de casco verde comendo castanhas de caju ou  amendoim (mendubim, como anunciava na rua o vendedor do produto), torrado ou cozinhado no sal, como "tira gosto". Quem viveu no Recife naquele tempo se lembra muito bem  deste costume bem brasileiro.
Dadinho contava aos amigos sobre esta etapa de sua vida como professor em Triunfo, do encontro frustrado com seu pai em Alagoas. Sobre a visita e estórias que lhe contara um compadre de seu pai, o coronel Barbosa na fazenda "Ipê Roxo", onde passava os fins de semana com Xóxa.
Agora no Recife, durante os dias ele passava as horas dormindo enquanto os amigos frequentavam a faculdade.
Dadinho requisitou a sua volta aos estudos, porem a Faculdade não podia dar uma resposta imediata e definitiva de uma hora para outra, pois ele ao abandonar os estudos não "trancou a matricula" coisa que dificultava esta possibilidade de voltar aos estudos depois de quase um ano de ausência.
Ele alegou que a ausência fora causada por problemas de saúde e que logo apresentaria um "atestado medico" como comprovante.
Isto ele conseguiu facilmente com o Doutor Julinho de Morais que era amicíssimo deste grupo de estudantes, participava com eles nas farras de fim de semana nos puteiros da praia do Pina e os tratava grátis das gonorréias muito comuns na época estudantil em que a penicilina era rara ou mesmo não existia nas farmácias locais. As drogas para tal, trazia do Hospital  Dão Pedro Segundo, que ficava lá pro lado do bairro dos Coelhos onde ele trabalhava. O tratamento de algumas doenças venéreas naquele tempo eram meio "chatas"  e exigia do paciente permitir ao medico meter o dedo com pomadas no cu do enfermo. Tinha também o lado "machista" pois quem "pegava" uma doença venérea era como se fosse um título de "prova de ser machão", pois dizia o "voz do povo" que quem não pegou uma "blenorragia " ou outra qualquer desta qualidade, ainda não era suficientemente macho de verdade. 
O tempo foi passando e quando Dadinho já não aguentava mais os dissabores da solidão, aí começou a perguntar aos amigos por andava  Xóxa.
Desde que chegou, ele não vê nem ela, nem membros da família na praça ou na padaria.
- Que aconteceu? Vivia perguntando aos seus conhecidos!
- Será que foi mesmo estudar Farmácia noutro Estado? Pois este era o seu desejo do tempo que a conhecera.
- E a família dela por aonde andaria? Por todos os santos, onde se meteram? Não se vê mais ninguém deles na praça.
Que sumiço é esse minha gente. Indagava aos conhecidos e aos colegas da pensão!
Estava desesperado e ninguém tinha respostas para ele.
Na realidade se alguém da colônia israelita soubesse de pormenores do acontecido "fecharam o bico" e não davam a "pala" (informação, no jargão da rua) sobre o assunto para ninguém.
Dadinho rodava na praça, perguntava aos donos de lojas judeus sobre o paradeiro da família de Xóxa, respostas nunca recebeu, como era costume dizer na época, "se faziam de môco" (surdez, no jargão nordestino).
Parece que havia uma espécie de conspiração e ninguém queria estar envolvido nesta "massa que o diabo amassou" (coisa complicada onde estão envolvidos um goi e uma judia, na língua do povo).
Os próprios amigos de Dadinho nada sabiam. Um dia deram fé que a família de Xóxa saiu de viagem, mas isto era comum entre os judeus de melhor situação econômica, férias de fim de ano em Garanhuns, Fazenda Nova, Salgadinho, ou Floresta dos Leões (hoje Carpina) etc.
Dadinho quase "endoida" (enlouquece), pois não conseguia respostas concretas para aonde desaparecera a família de sua querida Xóxa.
 Não estudava, não frequentava as aulas na faculdade, aí começou a tomar grandes doses da "branquinha" (cachaça - aguardente brasileiro), frequentava a zona do baixo meretrício no bairro de São José e vivia mais bêbado do que lúcido.
Os amigos tentavam estimulá-lo, convidavam raparigas e as empregada dos sobradões da Praça para festinhas na pensão, faziam bacanal, muita musica e cerveja. Seus colegas queriam de alguma maneira vigiar seus passos e traze-lo de volta a realidade de estudante serio como no passado, mas Dadinho estava impregnado de uma tristeza crônica, uma espécie de desespero emocional, vivia dizendo para todos que ainda tinham paciência para ouvir seus lamentos, que sem Xóxa ele não era ninguém, nada mais que um "molambo de chão, fodido" (Um João ninguém).
Um dos estudantes, Aparício, "amigo do peito" (muito bom amigo) de Dadinho, também alagoano, foi conversar com frei Novais, igualmente alagoano, para pedir "socorro" espiritual para o amigo.
Frei Novais estava de momento servindo no Seminário Maior em Jaboatão.
Pediu a ele que pegasse uma conversinha com Dadinho e que tentasse reanimá-lo para que voltasse aos estudo  depois que o reitor tivesse a permissão do Diretório consentindo o seu retorno sem mais problemas
Assim foi, Frei Novais se armou de toda verborréia que conhecia e passou uma noite toda conversando com Dadinho que não dava nem "um piu" (total calado), nem olhava em direção dos enormes e lindos olhos de um azul profundo do frei.
Separaram-se lá para as tantas da noite como bons amigos, mas nada foi conseguido para melhorar a situação espiritual de Dadinho.

Fim da parte 1 de "POR ONDE ANDARÁ DADINHO" da novela "um amor impossível"
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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

As bodas de Xoxa com o "prego" (parte 2) - Um amor impóssivel (novela)

    Fotos ilustrativos Google-Internet

"UM AMOR IMPOSSÍVEL"   (Novela)
Paulo Lisker
Israel.
Tema: As bodas de Xóxa com o "Prego" (parte 2)


O rapaz cotado de 27 anos, apelidado pelos seus "amigos vagabundos" de "Prego", por ser magrinho e cabeçudo.
Seu nome de batismo era Itiel em homenagem ao seu falecido avô materno.
Para aquela época ele era um completo "play boy", passava o tempo com os seus amigos jogando sinuca e visitando os puteiros da vila.
De trabalhar com o pai, nem pensar, tinha alergia crônica.
Claro que os pais ficaram satisfeitíssimos com a proposta que chegara do Recife. Quem sabe, assim ele entraria no bom caminho, casa, família, e deixaria a vadiagem inútil.
Os casamenteiros marcaram o encontro das famílias em Salvador já na semana entrante para celebrar os "tnoim" (noivado).
Compraram passagens e embarcaram num "Ita" (navio costeiro da frota brasileira), que vinha do norte e parava no Recife (alguns dizem que foi no navio costeiro Pedro II) discutível, porem não importante.
Toda família de Xóxa subiu a bordo incluso a empregada, ademais acompanharam os 2 casamenteiros, e a entidade máxima religiosa no Recife na época, o "shohet e moel, o venerável Her Rahat" (aquele que segundo as leis judaicas executa o abate de animais e circuncisão dos meninos na sua primeira semana de vida), não havia na cidade rabino, ele era de momento a entidade máxima em temas religiosos.
No "Ita" a viagem do Recife para Salvador durava um dia inteiro.
Logo depois do desembarque no porto de Salvador foi marcado o encontro das famílias de ambas as partes na casa dos Fucs (gente graúda na sociedade israelita da Bahia).
Chegaram a um acordo no que diz respeito às condições da ajuda de cada família para com o jovem casal.
Na situação caótica formada, "quanto mais o bezerro quer mamar a vaca quer amamentar" (provérbio hebreu). Quando os dois lados querem resolver o problema, as decisões destes encontros são tomadas rapidamente. Comparando com casos normais em que a coisa se arrasta por semanas onde se discute este "compromisso" toda vírgula e cada ponto!
Quando se chega a um acordo mutuo é assinado este compromisso ("tnoim"-as condições), levanta-se um brinde de vinho doce da terra santa, com a celebre saudação "lê haim", lê haim (pela vida, pela vida), apertos de mão, abraços e os clássicos desejos (mazal tov) de muita sorte e felicidades para o jovem casal de noivos recém formado.
O documento com as condições concordadas por ambas as partes fica aos cuidados do casamenteiro que se compromete a fazer copias reconhecidas por tabelião e enviar a ambos os lados participantes.
Interessante neste processo é que o jovem casal não é consultado. O que os pais resolvem é como os mandamentos que desceram com o Patriarca Moisés do Monte Sinai. Ninguém se mete ou dá voto! Os anciãos sabem o que fazem e pronto!
 A brisa que soprava do mar entrava pelas enormes janelas do casarão dos Fucs mesmo sem ser convidada e balançava as cortinas de linho francês, assim como a enorme folhagem das lindíssimas plantas tropicais plantadas nos enormes jarros de porcelana chinesa distribuídos nos cantos da enorme sala de visitas,
Do lado de fora desfilava um bloco carnavalesco ensaiando uma batucada com trombones, tubas, reco - reco, de primeira.
Algum sarcástico diria que o som da banda carregado pela brisa, misturado com o que acontecia dentro da casa do graúdo Senhor Fucs era algo fora do comum numa realidade anormal.
Três dias depois foi realizada a "Chassene com a Hupá", (o casamento religioso), foi o tempo necessário para que o rabino escrevesse a "ktuba" (documento obrigatório no casamento religioso judaico), e que contem todos os temas acordados e as obrigações em caso de discórdia e qual a quantia em bens ou dinheiro que deveria ser pago por indenização em caso de divorcio.
Um grupo de famílias judias baianas da sociedade israelita organizou a comida e os apetrechos religiosos necessários para o evento
A cerimônia foi realizada na casa do Comendador Montenegro, (Shwarzberg, no passado europeu), filantropo e uma figura importante nos meios governamentais brasileiros e na colônia judaica de Salvador.
Esta família vivia num enorme casarão na ladeira do Pelourinho.
Todos os apetrechos religiosos da comunidade foram postos a disposição da comemoração, só faltou a musica, mas não era obrigatório.
O rabino Ben Atar (veio num voo direto do Rio) para dirigir o ato e trouxe vinho doce Kasher da Palestina. A comida foi preparada de "hoje para hoje": Varenikes (massa recheada com carne), cocletim (cocretes) de frango e cochinhas assadas, compota de maçã), tudo doado pelas senhoras prestativas da comunidade judaica de Salvador (a maioria eram todas de origem ashkenazitas, daí o sortido cardápio quase todo de origem leste europeu). Para elas este ato de ajuda era considerado uma "mitzvá" (dádiva enaltecedora e gratuita). 
Nunca poderia faltar também o tradicional "Fluden" preparado pelas famílias Rostolder (confeiteira caseira) e eximias no preparo dessa fantástica e gostosa guloseima que consiste numa massa enrolada com recheio com todo tipo de frutas secas, sésamo, nozes, castanhas, amêndoas, frutas cristalizadas, cravo, canela, essência de rosas e de raízes de orquídeas. Uma delicia do paraíso.
O "fluden dos Rostolder" (produto da confeitaria judaica originaria das aldeias interioranas da Romênia) era conhecido não só no Brasil, mas também fora dele, não só por ser uma delicia culinária, como pela sua durabilidade quase ilimitada (meses pelo menos), sem conservantes ou refrigeração, um verdadeiro milagre. A pequena comunidade sefaradí de Salvador ( Pariente, Asulin, Saade, Abitibul e outros) colaboraram com vestimentas típicas para serem usadas pelos noivos no ato do casamento e claro como não podia deixar de ser, a comida da cozinha oriental judaica, assim como, "kuskus", "postas de peixe" (khraime), em molho extremamente apimentado (possivelmente derivado do uso da "pimenta malagueta"), que é de tirar lagrimas dos que se aventuravam experimentá-lo, diversos tira-gostos e guloseimas típicas dos países da Magrebe (norte da África).
Na cerimônia religiosa judaica, o casal de noivos, os seus pais, familiares próximos, os casamenteiros e claro que também o rabino se põe de pé debaixo de uma cobertura de seda ("há Hupá") e quatro testemunhas seguram cada qual uma das pontas desta cobertura que estão prezas cada qual a uma vara de 2 metros aproximadamente.
Ali, depois das rezas proferidas pelo rabino Ben Atar, vem o celebre "quebra copo" que o noivo executa pisando (de sapato é claro) com a planta do pé, isto como uma eterna lembrança (para nunca esquecer), a destruição do templo sagrado de Jerusalém há 2000 anos atrás. (Eta povo de memória ilimitada, não é mesmo)?
Terminada as bodas o jovem casal foi levado para o aeroporto de Salvador no carro do Comendador Montenegro, não antes dele presentear ao jovem casal com dois relógios de ouro 24 quilate e 18 rubis de marca Patheque Philippe. (maquinas de medir o tempo de tão perfeito que eram), uma verdadeira obra de arte da relojoaria suíça. 
Com um vôo da Cia. Varig seguiram em transito para o Rio de Janeiro, troca de avião para um vôo transatlântico D10 da TAP (Transportes Aéreos Portugueses), para Lisboa e no dia seguinte embarcaram para Antuérpia na Bélgica, destino final.
Os familiares e acompanhantes voltaram para o Recife, por sorte estava entrando no porto de Salvador o barco costeiro o Pedro I, rumo a Belém do Pará e fazia escala no Recife com uma carga de carne de Charque e arroz gaúcho.
A família de Xóxa não ficou por muito tempo no Recife, se mudaram para São Paulo e foram morar no bairro  do Bom Retiro que praticamente era um bairro de judeus de origem ashkenazí (leste europeu) no coração da cidade.

PAULO LISKER, Israel.
Fim do trecho 2.      
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