Das Conversas com meu avô
O iídiche tupi no Recife?
Alfabeto Hebraico, Google-Internet
O IÍDICHE TUPI NO RECIFE?
Paulo Lisker, de Israel
Naquele tempo o que valia era as estórias que corriam pela cidade em forma de boatos.
Por mais incrível que pareça, estes boatos carregavam em si algo dos fatos verdadeiros e eles em geral eram as informações diárias destes amigos do meu avô.
Reuniam-se no terraço do nosso casarão, sentavam junto ao secular abacateiro. Era um "pé franco" (pra quem não conhece a expressão, significa que esta arvore era um produto do "Deus dará"). Tinha seu tronco principal totalmente oco comido pelos cupins, muito comum no Recife da época.
A sorte deste exemplar foi que sobrou um ramo tenro que se tornou num galho forte apesar das condições desfavoráveis. Ele se desenvolveu e se tornou um abacateiro que produzia todos os anos uma dúzia de frutos que iguais nunca provei na minha vida.
Eram frutas redondas e de polpa macia, verde claro com sabor adocicado, não comum à fruta do abacate.
Esta arvore estava pegadinha a vitalícia trepadeira de Camélias que de noite florescia com cachos de flores brancas exalando um cheiro embriagante e logo pela manhã cedinho as flores mudavam de cor branca para vermelho intenso. Vestígios dos quintais nas primeiras décadas do século XX no Recife, cheios de fruteiras, matos cheirosos e flores, pequenos paraísos para os meninos brincar, ai que saudades.
Pronto, tentei no máximo possível dar o "pano de fundo" do meu quintal onde os velhos prestamistas judeus amigos do meu avô encontravam a paz para conversarem descansados e escutarem perplexos os boatos que cada um contava que ele mesmo viu ou ouviu. Gente inocente e, mormente analfabeta.
No passado era costume destes adultos reunirem-se na Praça Maciel Pinheiro porem depois com o avanço da idade, fizeram da minha casa um lugar mais sossegado para seus encontros e conversar entre si em iídiche* (dialeto usado pelos judeus europeus).
A conversa era sempre neste dialeto, porém fortemente influenciado pelos idiomas dos paises onde viviam antes de imigrar para o Brasil.
Neste jargão ouvia-se todos os sotaques, russo, polonês, alemão romeno, lituano, letão e outros que já não me lembro mais. Eu era bem "pixote" na época.
Depois de mais crescido, eu tinha quase certeza que também no Brasil (pelo menos no Recife) se formaria um "iídiche Tupi".
Lembro-me que o fenômeno já era mais que embrionário.
Por exemplo, minha mãe falando com a empregada:
"Maria, fechar janelas, es chuviskirt shoin"!
(Maria vai fechar as janelas já está chuviscando)!
Ou, "Severina, shnel tirar a roupa do arame, gueit a goss"!
Ou seja: (Severina tira a roupa do arame está chegando um aguaceiro).
Ou, Antonia, loif in kech, tem shmek de queimado!
Ou seja, (Antonia corre pra cozinha, tem algo cheirando a queimado)!
Ou, Carminha guei shnel na vende in koif a pack di macarroni pro vechere!
Ou seja: (Carminha corre na venda e compra um pacote de macarrão pra janta)!
Parece incrível, porem muitas empregadas captaram o iídiche muito mais rápido que as suas patroas, o português e falavam em casa fluentemente o iídiche com a família de judeus.
Eu mesmo tinha uns tios no bairro da Madalena cuja empregada Edite, falava fluentemente o iídiche que aprendeu sem nenhum estudo, só escutando (por audição) e que iídiche literário tinha esta matuta de Serra Talhada, do interior de Pernambuco. Iídiche excelente!
Muitas palavras derivadas do iídiche se enfronharam nas conversas do dia a dia, assim como: Shmok, huhem, krenk, shikse, kishke, sheiguets, goi, tshvok, mamzer, dreek, shtinker, moisser, assimilirt, imigrirt, formirt, estudirt, a kaker, a griner, a grober ing e muitas outras que estavam entremeadas no dialogo aportuguesado do cotidiano na colônia israelita (Ver glossário no final da crônica).
O povo brasileiro que na época era muito acolhedor impediu sem duvida que se criasse um "iídiche tupi", sim senhor.
Aconteceu que a segunda e terceira geração de judeus no Recife se alfabetizou e assimilou rapidamente a língua portuguesa, já não usavam o iídiche para dialogar nem com os mais velhos ou mesmo entre si, daí o "iídiche tupi" não resultou.
Com os pais e avós prezavam dialogar em português, mesmo que estes falassem um "português capenga" (aleijado, deficiente, no idioma da rua). O sotaque dos judeus no Recife perdurou por decadas (era o idioma portugues dos "galegos" ou dos "russos" muitissimo infruenciado pelo iídiche.
Vale a pena acrescentar que as primeiras levas de imigrantes judeus no principio do século passado, nunca aprenderam o idioma português de uma forma convencional ou outra qualquer, foi um aprendizado na "marra". Tentando dialogar para sobreviver.
Nestes encontros do meu avô com os velhos da colônia sempre era servido um chá.
As marcas no mercado eram Lipton, Mate Leão ou Chá Preto.
Era servido com Kichalach, Pirishkes (guloseimas judaicas) ou bolachas "Champanhe" ou "Marie", quando as primeiras estavam em falta.
Imaginem chá fervendo no Recife quente e úmido. Loucura.
Porem o que não se faz para uma boa conversa em iídiche entre amigos e recordar o costume tão comum nas aldeias do leste europeu.
Eu imagino que dialogar em "mame lushen, iídiche" (língua materna) e saborear o chá com os amigos, não importava a temperatura ambiental, talvez fosse como hoje em dia no Recife, beber um "Guaraná" ou uma "Cola" bem gelada.
Porem naquele tempo estes imigrantes não trocariam nunca uma conversa na língua materna, tomando um chazinho com cubinhos de açúcar e bolachas, por nenhum refrigerante do mundo.
Eu quando menino às vezes ficava escutando as conversas em iídiche destes velhos ex-prestamistas, até que me dava sono e ia dormir.
O que me lembro até hoje desse dialeto, acho que foi o produto dessas conversas no terraço da nossa casa na Rua Gervásio Pires no Bairro da Boa Vista.
Os germanofilos (oriundos dos paises de língua alemã) nunca se entregaram totalmente ao iídiche e guardavam dentro de si um cantinho saudoso para a língua materna, o alemão.
Assim era o meu avô, minha mãe e suas irmãs, naturais da Áustria eles sempre procuravam alguém da comunidade para "matar as saudades" dialogando na língua do Danúbio.
Estes germanofilos sempre se consideraram possuidores de um nível cultural mais elevado que os demais judeus provenientes do leste europeu.
Meu avô dizia que o iídiche era uma língua toda errada e não era nada mais que uma caricatura mal copiada do idioma alemão e que só ignorantes a adotaram no seu cotidiano.
Vô não dava conta que esta "caricatura" derivada do "fino alemão" foi muito melhor sucedida que o "Esperanto" do patrício Zamenhof (Polonês, também judeu). Meio mundo judaico se comunica através do iídiche desde que foram expulsos da península Ibérica e se estabeleceram na parte central e leste europeu e de lá o trouxeram para o "novo mundo".
Desenvolveram este "jargão" como língua viva, com gramática e uma literatura que até recebeu através do escritor Bashevis Singer, o premio Nobel de literatura, Quem diria!
Já minha mãe e as suas irmãs tinham na dona Gisela Verfel (a mãe de Jorge, o jovem judeu comunista) * *, a contrapartida para estes diálogos em alemão, isto quando se reuniam para ouvir no radio de uma delas, a novela interminável de João Loureiro, "O direito de nascer". Se não me engano era ela transmitida pela única radio no Recife, a Radio Clube de Pernambuco.
Meu avô encontrou no senhor Kurt Newman, judeu oriundo da Alemanha e conhecido como "Der Becker" (o padeiro) que falava alemão fluentemente e correto.
Ele ia até a Confeitaria Confiança na Rua da Imperatriz, comprava algo no estilo europeu, especialidades do seu Kurt, "Mil Folhas", "Keis Kuchen" (Torta de Queijo) ou "Apfel Shtrudel" (Torta de Maçã).
Pagava o "estrago gostoso" e pegava uma longa conversa em alemão com senhor Kurt até que os seus ajudantes vinham chamá-lo para o interior da confeitaria e opinar sobre o resultado dos produtos saídos agorinha do forno.
Parece que estes diálogos na língua materna "re-carregavam as baterias" do meu avô, que voltava destes encontros sorridente e satisfeito da vida, distribuindo em casa as tortas do seu Kurt. Chegavam quentinhas, exalando um cheiro incomparável só igual como no tempo em que meu avô vivia na Áustria, tomando seu café "moca" na praça central da Viena ao som das valsas do Danúbio azul.
Todos nós em casa, fora meu pai que não era muito pegado a coisas doces éramos loucos pelas "obras de arte" do senhor Kurt Neuman da confeitaria Confiança na Rua da Imperatriz.
No Recife pelo menos uma vez por semana meu avô voltava ao seu passado quando ia visitar o senhor Kurt para dialogar em alemão e comprar das suas iguarias incomparáveis na cidade toda e quem sabe em todo o nordeste.
Também as empregadas provavam estas guloseimas do Danúbio, porém era comum escutá-las dizer torcendo a boca: Eu prefiro "pé de moleque" ou uma fatia do "bolo de milho verde" ou "broa de fubá", ou "bolo de tapioca" ou mesmo uma "cocada fresca".
Estes doces que seu Zeide (avô, em iídiche) traz da Rua da Imperatriz é comida pra galego, não é pro nosso gosto!
Bom, que entendem estas matutas do interior quando se trata de iguarias finas da conditura européia?
Em hebraico tem um "dizer" para estes casos.
É assim:
"Ma mevin hamor mi marak peirot"?
Ou seja:
"Que entende um jumento de sopa de frutas"
Então que chupem cocada e pronto!
*Iídiche - Dialeto criado pelos judeus ashkenazitas, derivado do alemão. Assim se comunicavam os judeus de todo centro e leste europeu com exceção daqueles originários da península Ibérica na Itália, Grécia, denominados judeus sefaradim ou mizrahiim.
Glossário:
Shmok – abilolado.
Huhem - "sabe tudo"
Krenk - doença complicada.
Shikse (f), sheiguetz (m) - moleque.
Kishke - tripa (tripa delgada de ovinos recheada), usada como componente do tshulendt, comida do sábado.
Tshulendt - "feijoada" com feijão branco, ossos, carnes diversas e salsichas. Batatas, abóbora, cenoura, etc.
Goi (m), goia (f) - elemento de outro povo.
Tshvok - prego. (Usurário, pão duro, no sentido figurado).
Griner - novato, recém chegado, (deriva da cor verde, green).
Mamzer - bastardo, filho natural.
Dreek - merda (tipo ruim, traiçoeiro, no sentido figurado).
Shtinker - fedorento (traiçoeiro no sentido figurado)
Moisser - delator,
Assimilirt - assimilado pelo meio onde vive
Imigrirt - emigrou
Formirt - formou-se, recebeu o diploma.
Estudirt - escolarizado
Kaker - frouxo (cagão)
A grober ing – cafajeste ou canalha ou safado ou mal educado** O comunista judeu, já foi postado neste blog.
Todos os direitos autorais reservados.
Por mais incrível que pareça, estes boatos carregavam em si algo dos fatos verdadeiros e eles em geral eram as informações diárias destes amigos do meu avô.
Reuniam-se no terraço do nosso casarão, sentavam junto ao secular abacateiro. Era um "pé franco" (pra quem não conhece a expressão, significa que esta arvore era um produto do "Deus dará"). Tinha seu tronco principal totalmente oco comido pelos cupins, muito comum no Recife da época.
A sorte deste exemplar foi que sobrou um ramo tenro que se tornou num galho forte apesar das condições desfavoráveis. Ele se desenvolveu e se tornou um abacateiro que produzia todos os anos uma dúzia de frutos que iguais nunca provei na minha vida.
Eram frutas redondas e de polpa macia, verde claro com sabor adocicado, não comum à fruta do abacate.
Esta arvore estava pegadinha a vitalícia trepadeira de Camélias que de noite florescia com cachos de flores brancas exalando um cheiro embriagante e logo pela manhã cedinho as flores mudavam de cor branca para vermelho intenso. Vestígios dos quintais nas primeiras décadas do século XX no Recife, cheios de fruteiras, matos cheirosos e flores, pequenos paraísos para os meninos brincar, ai que saudades.
Pronto, tentei no máximo possível dar o "pano de fundo" do meu quintal onde os velhos prestamistas judeus amigos do meu avô encontravam a paz para conversarem descansados e escutarem perplexos os boatos que cada um contava que ele mesmo viu ou ouviu. Gente inocente e, mormente analfabeta.
No passado era costume destes adultos reunirem-se na Praça Maciel Pinheiro porem depois com o avanço da idade, fizeram da minha casa um lugar mais sossegado para seus encontros e conversar entre si em iídiche* (dialeto usado pelos judeus europeus).
A conversa era sempre neste dialeto, porém fortemente influenciado pelos idiomas dos paises onde viviam antes de imigrar para o Brasil.
Neste jargão ouvia-se todos os sotaques, russo, polonês, alemão romeno, lituano, letão e outros que já não me lembro mais. Eu era bem "pixote" na época.
Depois de mais crescido, eu tinha quase certeza que também no Brasil (pelo menos no Recife) se formaria um "iídiche Tupi".
Lembro-me que o fenômeno já era mais que embrionário.
Por exemplo, minha mãe falando com a empregada:
"Maria, fechar janelas, es chuviskirt shoin"!
(Maria vai fechar as janelas já está chuviscando)!
Ou, "Severina, shnel tirar a roupa do arame, gueit a goss"!
Ou seja: (Severina tira a roupa do arame está chegando um aguaceiro).
Ou, Antonia, loif in kech, tem shmek de queimado!
Ou seja, (Antonia corre pra cozinha, tem algo cheirando a queimado)!
Ou, Carminha guei shnel na vende in koif a pack di macarroni pro vechere!
Ou seja: (Carminha corre na venda e compra um pacote de macarrão pra janta)!
Parece incrível, porem muitas empregadas captaram o iídiche muito mais rápido que as suas patroas, o português e falavam em casa fluentemente o iídiche com a família de judeus.
Eu mesmo tinha uns tios no bairro da Madalena cuja empregada Edite, falava fluentemente o iídiche que aprendeu sem nenhum estudo, só escutando (por audição) e que iídiche literário tinha esta matuta de Serra Talhada, do interior de Pernambuco. Iídiche excelente!
Muitas palavras derivadas do iídiche se enfronharam nas conversas do dia a dia, assim como: Shmok, huhem, krenk, shikse, kishke, sheiguets, goi, tshvok, mamzer, dreek, shtinker, moisser, assimilirt, imigrirt, formirt, estudirt, a kaker, a griner, a grober ing e muitas outras que estavam entremeadas no dialogo aportuguesado do cotidiano na colônia israelita (Ver glossário no final da crônica).
O povo brasileiro que na época era muito acolhedor impediu sem duvida que se criasse um "iídiche tupi", sim senhor.
Aconteceu que a segunda e terceira geração de judeus no Recife se alfabetizou e assimilou rapidamente a língua portuguesa, já não usavam o iídiche para dialogar nem com os mais velhos ou mesmo entre si, daí o "iídiche tupi" não resultou.
Com os pais e avós prezavam dialogar em português, mesmo que estes falassem um "português capenga" (aleijado, deficiente, no idioma da rua). O sotaque dos judeus no Recife perdurou por decadas (era o idioma portugues dos "galegos" ou dos "russos" muitissimo infruenciado pelo iídiche.
Vale a pena acrescentar que as primeiras levas de imigrantes judeus no principio do século passado, nunca aprenderam o idioma português de uma forma convencional ou outra qualquer, foi um aprendizado na "marra". Tentando dialogar para sobreviver.
Nestes encontros do meu avô com os velhos da colônia sempre era servido um chá.
As marcas no mercado eram Lipton, Mate Leão ou Chá Preto.
Era servido com Kichalach, Pirishkes (guloseimas judaicas) ou bolachas "Champanhe" ou "Marie", quando as primeiras estavam em falta.
Imaginem chá fervendo no Recife quente e úmido. Loucura.
Porem o que não se faz para uma boa conversa em iídiche entre amigos e recordar o costume tão comum nas aldeias do leste europeu.
Eu imagino que dialogar em "mame lushen, iídiche" (língua materna) e saborear o chá com os amigos, não importava a temperatura ambiental, talvez fosse como hoje em dia no Recife, beber um "Guaraná" ou uma "Cola" bem gelada.
Porem naquele tempo estes imigrantes não trocariam nunca uma conversa na língua materna, tomando um chazinho com cubinhos de açúcar e bolachas, por nenhum refrigerante do mundo.
Eu quando menino às vezes ficava escutando as conversas em iídiche destes velhos ex-prestamistas, até que me dava sono e ia dormir.
O que me lembro até hoje desse dialeto, acho que foi o produto dessas conversas no terraço da nossa casa na Rua Gervásio Pires no Bairro da Boa Vista.
Os germanofilos (oriundos dos paises de língua alemã) nunca se entregaram totalmente ao iídiche e guardavam dentro de si um cantinho saudoso para a língua materna, o alemão.
Assim era o meu avô, minha mãe e suas irmãs, naturais da Áustria eles sempre procuravam alguém da comunidade para "matar as saudades" dialogando na língua do Danúbio.
Estes germanofilos sempre se consideraram possuidores de um nível cultural mais elevado que os demais judeus provenientes do leste europeu.
Meu avô dizia que o iídiche era uma língua toda errada e não era nada mais que uma caricatura mal copiada do idioma alemão e que só ignorantes a adotaram no seu cotidiano.
Vô não dava conta que esta "caricatura" derivada do "fino alemão" foi muito melhor sucedida que o "Esperanto" do patrício Zamenhof (Polonês, também judeu). Meio mundo judaico se comunica através do iídiche desde que foram expulsos da península Ibérica e se estabeleceram na parte central e leste europeu e de lá o trouxeram para o "novo mundo".
Desenvolveram este "jargão" como língua viva, com gramática e uma literatura que até recebeu através do escritor Bashevis Singer, o premio Nobel de literatura, Quem diria!
Já minha mãe e as suas irmãs tinham na dona Gisela Verfel (a mãe de Jorge, o jovem judeu comunista) * *, a contrapartida para estes diálogos em alemão, isto quando se reuniam para ouvir no radio de uma delas, a novela interminável de João Loureiro, "O direito de nascer". Se não me engano era ela transmitida pela única radio no Recife, a Radio Clube de Pernambuco.
Meu avô encontrou no senhor Kurt Newman, judeu oriundo da Alemanha e conhecido como "Der Becker" (o padeiro) que falava alemão fluentemente e correto.
Ele ia até a Confeitaria Confiança na Rua da Imperatriz, comprava algo no estilo europeu, especialidades do seu Kurt, "Mil Folhas", "Keis Kuchen" (Torta de Queijo) ou "Apfel Shtrudel" (Torta de Maçã).
Pagava o "estrago gostoso" e pegava uma longa conversa em alemão com senhor Kurt até que os seus ajudantes vinham chamá-lo para o interior da confeitaria e opinar sobre o resultado dos produtos saídos agorinha do forno.
Parece que estes diálogos na língua materna "re-carregavam as baterias" do meu avô, que voltava destes encontros sorridente e satisfeito da vida, distribuindo em casa as tortas do seu Kurt. Chegavam quentinhas, exalando um cheiro incomparável só igual como no tempo em que meu avô vivia na Áustria, tomando seu café "moca" na praça central da Viena ao som das valsas do Danúbio azul.
Todos nós em casa, fora meu pai que não era muito pegado a coisas doces éramos loucos pelas "obras de arte" do senhor Kurt Neuman da confeitaria Confiança na Rua da Imperatriz.
No Recife pelo menos uma vez por semana meu avô voltava ao seu passado quando ia visitar o senhor Kurt para dialogar em alemão e comprar das suas iguarias incomparáveis na cidade toda e quem sabe em todo o nordeste.
Também as empregadas provavam estas guloseimas do Danúbio, porém era comum escutá-las dizer torcendo a boca: Eu prefiro "pé de moleque" ou uma fatia do "bolo de milho verde" ou "broa de fubá", ou "bolo de tapioca" ou mesmo uma "cocada fresca".
Estes doces que seu Zeide (avô, em iídiche) traz da Rua da Imperatriz é comida pra galego, não é pro nosso gosto!
Bom, que entendem estas matutas do interior quando se trata de iguarias finas da conditura européia?
Em hebraico tem um "dizer" para estes casos.
É assim:
"Ma mevin hamor mi marak peirot"?
Ou seja:
"Que entende um jumento de sopa de frutas"
Então que chupem cocada e pronto!
*Iídiche - Dialeto criado pelos judeus ashkenazitas, derivado do alemão. Assim se comunicavam os judeus de todo centro e leste europeu com exceção daqueles originários da península Ibérica na Itália, Grécia, denominados judeus sefaradim ou mizrahiim.
Glossário:
Shmok – abilolado.
Huhem - "sabe tudo"
Krenk - doença complicada.
Shikse (f), sheiguetz (m) - moleque.
Kishke - tripa (tripa delgada de ovinos recheada), usada como componente do tshulendt, comida do sábado.
Tshulendt - "feijoada" com feijão branco, ossos, carnes diversas e salsichas. Batatas, abóbora, cenoura, etc.
Goi (m), goia (f) - elemento de outro povo.
Tshvok - prego. (Usurário, pão duro, no sentido figurado).
Griner - novato, recém chegado, (deriva da cor verde, green).
Mamzer - bastardo, filho natural.
Dreek - merda (tipo ruim, traiçoeiro, no sentido figurado).
Shtinker - fedorento (traiçoeiro no sentido figurado)
Moisser - delator,
Assimilirt - assimilado pelo meio onde vive
Imigrirt - emigrou
Formirt - formou-se, recebeu o diploma.
Estudirt - escolarizado
Kaker - frouxo (cagão)
A grober ing – cafajeste ou canalha ou safado ou mal educado** O comunista judeu, já foi postado neste blog.
Todos os direitos autorais reservados.
Cuidem com os creditos