quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O iídiche tupi no Recife?


Das Conversas com meu avô

O iídiche tupi no Recife?

                                           Alfabeto Hebraico, Google-Internet



O IÍDICHE TUPI NO RECIFE?

Paulo Lisker, de Israel

Naquele tempo o que valia era as estórias que corriam pela cidade em forma de boatos.
Por mais incrível que pareça, estes boatos carregavam em si algo dos fatos verdadeiros e eles em geral eram as informações diárias destes amigos do meu avô.
Reuniam-se no terraço do nosso casarão, sentavam junto ao secular abacateiro. Era um "pé franco" (pra quem não conhece a expressão, significa que esta arvore era um produto do "Deus dará"). Tinha seu tronco principal totalmente oco comido pelos cupins, muito comum no Recife da época.
A sorte deste exemplar foi que sobrou um ramo tenro que se tornou num galho forte apesar das condições desfavoráveis. Ele se desenvolveu e se tornou um abacateiro que produzia todos os anos uma dúzia de frutos que iguais nunca provei na minha vida.
Eram frutas redondas e de polpa macia, verde claro com sabor adocicado, não comum à fruta do abacate.
Esta arvore estava pegadinha a vitalícia trepadeira de Camélias que de noite florescia com cachos de flores brancas exalando um cheiro embriagante e logo pela manhã cedinho as flores mudavam de cor branca para vermelho intenso. Vestígios dos quintais nas primeiras décadas do século XX no Recife, cheios de fruteiras, matos cheirosos e flores, pequenos paraísos para os meninos brincar, ai que saudades.
Pronto, tentei no máximo possível dar o "pano de fundo" do meu quintal onde os velhos prestamistas judeus amigos do meu avô encontravam a paz para conversarem descansados e escutarem perplexos os boatos que cada um contava que ele mesmo viu ou ouviu. Gente inocente e, mormente analfabeta.
No passado era costume destes adultos reunirem-se na Praça Maciel Pinheiro porem depois com o avanço da idade, fizeram da minha casa um lugar mais sossegado para seus encontros e conversar entre si em iídiche* (dialeto usado pelos judeus europeus).
A conversa era sempre neste dialeto, porém fortemente influenciado pelos idiomas dos paises onde viviam antes de imigrar para o Brasil.
Neste jargão ouvia-se todos os sotaques, russo, polonês, alemão romeno, lituano, letão e outros que já não me lembro mais. Eu era bem "pixote" na época.
Depois de mais crescido, eu tinha quase certeza que também no Brasil (pelo menos no Recife) se formaria um "iídiche Tupi".
Lembro-me que o fenômeno já era mais que embrionário.
Por exemplo, minha mãe falando com a empregada:
"Maria, fechar janelas, es chuviskirt shoin"!
(Maria vai fechar as janelas já está chuviscando)!
Ou, "Severina, shnel tirar a roupa do arame, gueit a goss"!
Ou seja: (Severina tira a roupa do arame está chegando um aguaceiro).
Ou, Antonia, loif in kech, tem shmek de queimado!
Ou seja, (Antonia corre pra cozinha, tem algo cheirando a queimado)!
Ou, Carminha guei shnel na vende in koif a pack di macarroni pro vechere!
Ou seja: (Carminha corre na venda e compra um pacote de macarrão pra janta)!

Parece incrível, porem muitas empregadas captaram o iídiche muito mais rápido que as suas patroas, o português e falavam em casa fluentemente o iídiche com a família de judeus.
Eu mesmo tinha uns tios no bairro da Madalena cuja empregada Edite, falava fluentemente o iídiche que aprendeu sem nenhum estudo, só escutando (por audição) e que iídiche literário tinha esta matuta de Serra Talhada, do interior de Pernambuco. Iídiche excelente!
Muitas palavras derivadas do iídiche se enfronharam nas conversas do dia a dia, assim como: Shmok, huhem, krenk, shikse, kishke, sheiguets, goi, tshvok, mamzer, dreek, shtinker, moisser, assimilirt, imigrirt, formirt, estudirt, a kaker, a griner, a grober ing e muitas outras que estavam entremeadas no dialogo aportuguesado do cotidiano na colônia israelita (Ver glossário no final da crônica).
O povo brasileiro que na época era muito acolhedor impediu sem duvida que se criasse um "iídiche tupi", sim senhor.
Aconteceu que a segunda e terceira geração de judeus no Recife se alfabetizou e assimilou rapidamente a língua portuguesa, já não usavam o iídiche para dialogar nem com os mais velhos ou mesmo entre si, daí o "iídiche tupi" não resultou.
Com os pais e avós prezavam dialogar em português, mesmo que estes falassem um "português capenga" (aleijado, deficiente, no idioma da rua). O sotaque dos judeus no Recife perdurou por decadas (era o idioma portugues dos "galegos" ou dos "russos" muitissimo infruenciado pelo iídiche.
Vale a pena acrescentar que as primeiras levas de imigrantes judeus no principio do século passado, nunca aprenderam o idioma português de uma forma convencional ou outra qualquer, foi um aprendizado na "marra". Tentando dialogar para sobreviver.
Nestes encontros do meu avô com os velhos da colônia sempre era servido um chá.
As marcas no mercado eram Lipton, Mate Leão ou Chá Preto.
Era servido com Kichalach, Pirishkes (guloseimas judaicas) ou bolachas "Champanhe" ou "Marie", quando as primeiras estavam em falta.
Imaginem chá fervendo no Recife quente e úmido. Loucura.
Porem o que não se faz para uma boa conversa em iídiche entre amigos e recordar o costume tão comum nas aldeias do leste europeu.
Eu imagino que dialogar em "mame lushen, iídiche" (língua materna) e saborear o chá com os amigos, não importava a temperatura ambiental, talvez fosse como hoje em dia no Recife, beber um "Guaraná" ou uma "Cola" bem gelada.
Porem naquele tempo estes imigrantes não trocariam nunca uma conversa na língua materna, tomando um chazinho com cubinhos de açúcar e bolachas, por nenhum refrigerante do mundo.
Eu quando menino às vezes ficava escutando as conversas em iídiche destes velhos ex-prestamistas, até que me dava sono e ia dormir.
O que me lembro até hoje desse dialeto, acho que foi o produto dessas conversas no terraço da nossa casa na Rua Gervásio Pires no Bairro da Boa Vista.
Os germanofilos (oriundos dos paises de língua alemã) nunca se entregaram totalmente ao iídiche e guardavam dentro de si um cantinho saudoso para a língua materna, o alemão.
Assim era o meu avô, minha mãe e suas irmãs, naturais da Áustria eles sempre procuravam alguém da comunidade para "matar as saudades" dialogando na língua do Danúbio.
Estes germanofilos sempre se consideraram possuidores de um nível cultural mais elevado que os demais judeus provenientes do leste europeu.
Meu avô dizia que o iídiche era uma língua toda errada e não era nada mais que uma caricatura mal copiada do idioma alemão e que só ignorantes a adotaram no seu cotidiano.
Vô não dava conta que esta "caricatura" derivada do "fino alemão" foi muito melhor sucedida que o "Esperanto" do patrício Zamenhof (Polonês, também judeu). Meio mundo judaico se comunica através do iídiche desde que foram expulsos da península Ibérica e se estabeleceram na parte central e leste europeu e de lá o trouxeram para o "novo mundo".
Desenvolveram este "jargão" como língua viva, com gramática e uma literatura que até recebeu através do escritor Bashevis Singer, o premio Nobel de literatura, Quem diria! 
Já minha mãe e as suas irmãs tinham na dona Gisela Verfel (a mãe de Jorge, o jovem judeu comunista) * *, a contrapartida para estes diálogos em alemão, isto quando se reuniam para ouvir no radio de uma delas, a novela interminável de João Loureiro, "O direito de nascer". Se não me engano era ela transmitida pela única radio no Recife, a Radio Clube de Pernambuco.
Meu avô encontrou no senhor Kurt Newman, judeu oriundo da Alemanha e conhecido como "Der Becker" (o padeiro) que falava alemão fluentemente e correto.
Ele ia até a Confeitaria Confiança na Rua da Imperatriz, comprava algo no estilo europeu, especialidades do seu Kurt, "Mil Folhas", "Keis Kuchen" (Torta de Queijo) ou "Apfel Shtrudel" (Torta de Maçã).
Pagava o "estrago gostoso" e pegava uma longa conversa em alemão com senhor Kurt até que os seus ajudantes vinham chamá-lo para o interior da confeitaria e opinar sobre o resultado dos produtos saídos agorinha do forno.
Parece que estes diálogos na língua materna "re-carregavam as baterias" do meu avô, que voltava destes encontros sorridente e satisfeito da vida, distribuindo em casa as tortas do seu Kurt. Chegavam quentinhas, exalando um cheiro incomparável só igual como no tempo em que meu avô vivia na Áustria, tomando seu café "moca" na praça central da Viena ao som das valsas do Danúbio azul.
Todos nós em casa, fora meu pai que não era muito pegado a coisas doces éramos loucos pelas "obras de arte" do senhor Kurt Neuman da confeitaria Confiança na Rua da Imperatriz. 
No Recife pelo menos uma vez por semana meu avô voltava ao seu passado quando ia visitar o senhor Kurt para dialogar em alemão e comprar das suas iguarias incomparáveis na cidade toda e quem sabe em todo o nordeste.
Também as empregadas provavam estas guloseimas do Danúbio, porém era comum escutá-las dizer torcendo a boca: Eu prefiro "pé de moleque" ou uma fatia do "bolo de milho verde" ou "broa de fubá", ou "bolo de tapioca" ou mesmo uma "cocada fresca".
Estes doces que seu Zeide (avô, em iídiche) traz da Rua da Imperatriz é comida pra galego, não é pro nosso gosto!

Bom, que entendem estas matutas do interior quando se trata de iguarias finas da conditura européia?
Em hebraico tem um "dizer" para estes casos.
É assim:
"Ma mevin hamor mi marak peirot"?
Ou seja:
"Que entende um jumento de sopa de frutas"
Então que chupem cocada e pronto!

*Iídiche - Dialeto criado pelos judeus ashkenazitas, derivado do alemão. Assim se comunicavam os judeus de todo centro e leste europeu com exceção daqueles originários da península Ibérica na Itália, Grécia, denominados judeus sefaradim ou mizrahiim.

Glossário:
Shmok – abilolado.
Huhem - "sabe tudo"
Krenk - doença complicada.
Shikse (f), sheiguetz (m) - moleque.
Kishke - tripa (tripa delgada de ovinos recheada), usada como componente do tshulendt, comida do sábado.
Tshulendt - "feijoada" com feijão branco, ossos, carnes diversas e salsichas. Batatas, abóbora, cenoura, etc.
Goi (m), goia (f) - elemento de outro povo.
Tshvok - prego. (Usurário, pão duro, no sentido figurado).
Griner - novato, recém chegado, (deriva da cor verde, green).
Mamzer - bastardo, filho natural.
Dreek - merda (tipo ruim, traiçoeiro, no sentido figurado).
Shtinker - fedorento (traiçoeiro no sentido figurado)
Moisser - delator,
Assimilirt - assimilado pelo meio onde vive
Imigrirt - emigrou
Formirt - formou-se, recebeu o diploma.
Estudirt - escolarizado
Kaker - frouxo (cagão)
A grober ing – cafajeste ou canalha ou safado ou mal educado
** O comunista judeu, já foi postado neste blog.

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domingo, 25 de agosto de 2013

A floração do maracujá em Jerusalem

Ano Novo Judeu 5774


A flor do maracujá em Jerusalém
Foto de Omer Lisker

ANO NOVO JUDEU 5774

Paulo Lisker, de Israel

Comemoramos ao anoitecer do dia de quarta feira, 04-09-2013 e mais dois dias consecutivos (05 quinta feira e 06 sexta feira de setembro), o inicio de mais um ano novo judaico, 5774.
A todos os nossos amigos e familiares em Israel, no Brasil e no mundo, desejamos um feliz ano novo judaico, 5774.
Que este ano traga muita alegria, felicidades com saúde, paz e prosperidade. 
“Shaná tova´ umetuká” (em hebreu: um delicioso ano novo).
Deseja-lhes Paulo Liske
r e família e o blog com as minhas croniquetas sobre a nossa comunidade no Recife no principio do século passado, recentemente lançado ao ar:
Abraços e espero a vossa visita.
SHANA TOVA.

sábado, 24 de agosto de 2013

O COMPRADOR DE OBJETOS DE OURO E PRATA QUEBRADA.

JANEIRO DE 2012


O comprador de objetos de ouro e prata quebrada.


                  Rabisco do autor do texto

Os pregões que me lembro do Recife "matuto"
Paulo Lisker, de Israel
Janeiro, 03-01-2012

Nas primeiras décadas do século XX as coisas no Recife, eram um bocado diferente e mais inocente na maneira de ser.
Quando menino, no meu pequeno mundo, o Recife naquela época me parecia ser uma sociedade mais solidária, educada ao se expressar e de se relacionar com os demais. Quem sabe era mesmo!
Toda e qualquer profissão era valorizada por todos, respeitada e não importava quem a professava.
Fosse o varredor da rua, o carvoeiro, o verdureiro, o "pastor" de peruas, o da igreja Evangélica, ou o funcionário do cartório púbico.
Digo por que tinha um desses cartórios (Cartório da Boa Vista) na Rua Gervásio Pires.
Estava instalado num casarão no lado da calçada onde estacionavam os carros de aluguel (assim chamavam os táxis naquela época), bem perto do Hotel Central na Manuel Borba com a Rua Gervásio Pires.
Acho que o meu atestado de nascimento foi registrado lá.
Havia respeito mútuo entre todos.
Naquele tempo, eu não me lembro desse negócio de lutas de classes e segregação de grupos humanos.
Isso apareceu muito mais tarde quando alguns "intelectuais de salão" e a classe operária acordaram do sonho "deitado eternamente em berço esplendido", como diz o nosso Hino Nacional e despertaram de supetão.
Quando muito, a plebe ia escutar o discurso de Prestes ou de Juarez Távora e depois tomavam uma "caninha" e iam dormir, conquanto os "intelectuais de salão" continuavam a discutir política entre um e outro cálice de conhaque francês.
Sem dúvidas existiam ricos e pobres (nem os ricos eram magnatas nem os pobres viviam na miséria). Conviviam, com a "ajuda de Deus" e a vida caminhava de alguma forma para o bem geral da nação.
Talvez fosse a maneira inocente de um menino ver as coisas.
Sem querer ser romântico, parece-me que a qualidade de vida naquela época era melhor que hoje. Sei lá!
O respeito mútuo estava patente em cada passo do cotidiano e era praxe ouvir as expressões: "Bom dia meu senhor, com muito gosto, está às ordens, seu criado, como vai vosmecê, sua senhoria, sinhazinha, recomendações a senhora, cuidado com a chuva pra não se molhar e pegar um constipado", e daí pra frente. Toda gente falava assim, pobres e ricos de todas as raças e todas as cores. Bonito pra chuchu.
O espetáculo de gente vendendo, gente comprando, barganhando o preço da mercadoria, meninada correndo nas calçadas atrás do vendedor de picolé, do amendoim ou do cavaquinho era tão comum na Rua Gervásio Pires no Bairro da Boa Vista, que a gente nem dava mais fé, era coisa corriqueira.
Os moleques corriam só por correr atrás dos vendedores ambulantes, muitas vezes nem era pra comprar nada, era mais para ver e ouvir os instrumentos rústicos que estes ambulantes usavam para anunciar a sua chegada.
A coisa mudou quando meteram na nossa rua os trilhos de bondes, aí sim que a preocupação com os moleques foi ao ápice.
Eles aprenderam a correr e "amorcegar" estas "maquinas elétricas", se agarravam onde podiam, nas paredes, nos estribos, feito morcegos. Daí provê o verbo "amorcegar". Desencilhavam-se do condutor que quando os pegava dava-lhes "cascudos" fortes na cabeça e por final saltavam do bonde em movimento, sem cair e se ferir. Eram verdadeiros acrobatas nesta molecagem (mau costume).
Isto sim preocupava aos mais velhos que viviam reclamando deste novo perigo e xingando o que nos brindou o "progresso com esse transporte elétrico".
Ai meu Deus, como era bom o tempo que os burros puxavam o bonde. Diziam os mais velhos e suspiravam.
Felizmente essa "brincadeira" passou com a idade.
Com o tempo acabaram também com os bondes nesta rua.
Imaginem quanto tempo e trabalho não deu para colocar os trilhos e depois de uns anos também para retirá-los.
Foi um legado dos métodos de trabalho dos colonialistas portugueses. Todo plano era de curta duração. Hoje bota, amanhã tira e o céu não vem abaixo.
O céu não, porem a rua ficou meses toda esburacada, no escuro e de difícil acesso.
Mas tudo passa na vida e ninguém saiu a fazer passeata de protesto, gente pacata e natureza de portuga no Recife daquele tempo.
Agora voltemos a "vaca fria".
Em volta da carrocinha do amolador de facas e tesouras ou do funileiro que mais parecia um mágico usando seu acetileno, as fagulhas de todas as cores voavam ao remendar os furos nos fundos das panelas e chaleiras de alumínio.
Em volta deles estava sempre um grupo de empregadas domesticas cada qual com sua panela, reclamando que tinha chegado primeiro e exigia o atendimento já.
Tudo isso fazia parte do grande espetáculo deste mercado ambulante na nossa rua, no nosso bairro e quem sabe em todo grande Recife nas primeiras décadas do século passado.
Em tempo seria de bom proveito esclarecer que nem todos os ambulantes faziam parada na nossa rua.
Tinha uns que passavam de vez em quando e outros a caminho para outros lugares mais atrativos para suas vendas ou compras.
Compras?
Quem comprava? Tinha ambulante que também comprava?
Sim, tinha!
Até carroça puxada a cavalo era comum ver na rua e quem não tinha para sustentar um burro ou cavalo, puxava ele mesmo a carroça.
E que compravam?
Compravam garrafas vazias, lataria, papel e papelão, ferro velho e até moveis usados, verdade seja dita, alguns deles "catavam" ou recebiam este material de graça e ainda faziam o favor de desocupar os oitões e lugares cheios de entulhos das residências coloniais e ainda recebiam uns trocados pelo serviço. Para isto, estavam as carroças com ou sem tração animal.
Então compradores em serio havia mesmo?
Claro que havia. Um deles que me lembro e até muito conhecido na colônia judaica e nas ruas da cidade, era o senhor Marcus Roizman que comprava antiguidades e objetos de valor.

O COMPRADOR DE OBJETOS DE OURO E PRATA

O seu pregão era:

-"PRATA, PRATA E OURO! COMPRO OURO QUEBRADO. PRATA E OURO.... ANTIGUIDADES.... PAGO NA VISTA, DINHEIRINHO NA MÃO. PRATA, OURO QUEBRADO, OURO, PRATA QUEBRADO, COMPRO E DOU PREÇO BOM".
Assim ia caminhando com saco nas costas às vezes cheio de taças prateadas, crucifixos doirados, candelabros de prata, estatuetas de marfim, enfim tudo que tivesse algum valor comercial e deixava de ter valor para o dono de tais peças. Jóias, relógios, correntes partidas de ouro, candelabros de prata da judaica israelita, etc.
Levava numa sacola pendurada no ombro e a cuidava como seus próprios olhos, ali estava o dinheiro para pagar e as peças finas quebradas de metal precioso.
Sempre caminhava na calçada que fazia sombra só atravessava a rua quando alguém chamava para lhe vender algo de valor.
No Recife sempre existiu a calçada do sol e a da sombra, nesta ultima a gente caminhava, claro também os ambulantes com seus balaios cheios e pesados de mercadorias.
A calçada que fazia sol estava vazia?
Absolutamente não.
Nela caminhavam uns poucos estrangeiros ou turistas que se arriscavam para conhecer uma cidade num país subdesenvolvido na America Latina. Eles ainda não conheciam o que significava uma insolação nos trópicos e seus efeitos nefastos que poderia até acabar com o seu programa turístico.
Os prestamistas judeus uma das primeiras coisas que aprenderam ainda antes de saber falar duas ou três palavras em português foi caminhar sempre na calçada da sombra como lhes ensinaram seus fregueses nos subúrbios.
Aquele que teimou e andava na calçada do sol mesmo depois da alerta que a coisa era perigosa, queimou o pescoço de tal forma que nunca mais deixou de ser tremendamente vermelho e seu apelido "Galo de Raça" pegou dentro da comunidade israelita e fora dela. Galo de Raça era mais conhecido pelo apelido que o seu próprio nome.
Aqui e ali abriam o postigo das pesadas portas de madeira de lei maciça dos casarões e chamavam o ambulante comprador de coisas valiosas quebradas ou inteiras, dependendo do caso.
Se o morador necessitava de dinheiro logo, logo, para alguma compra inesperada ou pagar o aluguel atrasado da casa, tinha no senhor Roizman um comprador decente para este fim, sem se deslocar de sua moradia.
Muitos se lembram do Senhor Roizman, judeu franzino, comprador honesto de peças quebradas de ouro, prata e outros objetos de valor que durante anos caminhava anunciando a sua presença com o pregão por demais já conhecido no Bairro da Boa Vista, no Recife.
Eu pessoalmente estudei com seu filho Moisés no colégio Osvaldo Cruz e jogávamos "peladas" ("futibol de quintal") no palacete da família de Zezo Schor na Avenida Manoel Borba.
Moisés sempre foi um estudante de primeira e inteligente "futebolista de peladas", que "caceteava" o adversário com arte que nem o melhor dos juízes percebia. Não herdou a profissão do pai, ele se formou em engenharia e era especialista em Pontes e Estradas no Recife e depois em São Paulo.
Um gênio nos estudos. Faleceu ainda jovem, uma pena!
Então tinha ambulante que comprava, porem a maioria deles vendia, ambos satisfaziam todo o necessário das donas de casa, creiam-me sem cair em nada ao se comparar com os poderosos supermercados de hoje.
A época era outra e as necessidades de acordo.
Ai Recife, Recife, só te vendo!
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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O senhor Severino de São Lourenço e a Entrega do pão em casa.

DEZEMBRO DE 2011

O senhor Severino de São Lourenço




Rabisco  do autor do texto

Os pregões que me lembro do Recife "matuto"
Paulo Lisker, de Israel

Minha rua era um mercado ambulante dos mais variados do mundo, com serviço na porta de casa.
Eu como menino imaginava que a nossa rua e seus vendedores ambulantes "ganhavam" até do famoso Mercado Persa.
Eu satisfeito, as amas de casa satisfeitas, os vendedores ambulantes satisfeitos, a rua toda satisfeita e o Recife também.
Que se pode exigir mais que isso?
Pensei relatar numas poucas linhas do que recordo porem os anos não perdoam e possivelmente me esqueci de um ou outro vendedor ambulante com seus balaios ou tabuleiros cheios de coisas gostosas que nunca deveria esquecer, mas acontece.
Estas imagens parecem que ficaram grudadas nos nossos genes e acompanham a gente até o fim e pronto!
Era uma verdadeira festa de cheiros, cores, gostos e ambulantes compadres simpáticos.
Assim era o passado da nossa rua e talvez de todo o Recife "matuto".
Um palco gigante, atores, protagonistas com tez de todas as cores, cada qual vestido a sua maneira, eles mesmo escreviam o enredo, a letra, a musica, o ritmo e o tempo de duração do espetáculo diário.
Nós os moradores desta rua éramos os espectadores na platéia destes "atores saltimbancos".
Platéia que nunca ficava "enjoada" (insatisfeitos, em nordestino) com o "espetáculo", pois todo dia era diferente, cheio de mudanças, imprevistos, discussões sobre a qualidade do produto, o preço deles, a carestia em geral e até se falava sobre a política local.
Depois do meio dia lá pro lado da Rua do Sossego, ainda se ouvia os últimos pregões e sabíamos que mais um pouquinho chegariam à Rua Gervásio Pires, a minha rua.
Entre outros, aparecia como de costume nas quintas feira o "provedor de carne de carneiro" na sua fubica buzinando com aquele som do passado AUA- AUA- AUAUAAÁ.
Desta forma ele avisava que chegara trazendo o que tantos esperavam.
A carne fresca de carneiro novinho, criados em pastos de brêdo, capim e azevém (Será que tem disso em Pernambuco)?

O SENHOR SEVERINO DE SÃO LOURENÇO
(O homem da carne de carneiro)
Recordo-me muito bem do senhor Severino de São Lourenço.
Ele entrava em ação quando havia falta de carne fresca (racionamento em determinadas épocas).
Havia disso no Recife e talvez em todo território nacional, obedecendo às promulgações de proibição de abate de ventres bovinos, ou de gado para o mercado interno no intuito de cobrir as cotas de exportação ou qualquer outra razão.
Senhor Severino era amigo de casa do coronel Chico de Limoeiro. Ele tinha uma pequena estância de engorde em São Lourenço e criava para levante (engorde, nas épocas de fartura de pastos), algumas cabeças de gado bovino e especialmente ovino e caprino.
Ele era que quase sempre resolvia o problema da falta de carne no mercado do bairro da Boa Vista onde a comunidade judaica fazia as compras deste produto para o "shabes" (sábado).
Sempre dava um "jeitinho" ou "quebrava o galho" (expressões que significava na boca do povo, contornar o que está difícil ou proibido de momento), trazendo carne, de preferência ovina em certos dias da semana, houvesse racionamento ou não. O tal "jeitinho"!
Carne fresca tão procurada nos açougues da cidade não estava sempre à disposição do publico nestas etapas do ano. Sim existia carne congelada proveniente da Argentina ou do Uruguai e que os judeus naquela epoca evitavam o seu consumo.
Para a comunidade judaica que a buscava carne fresca para as comidas do sábado, esta falta era vital e os entristecia por não poder "Lekabel hashabat ki halahá" (festejar o sábado como deveriam de acordo com a tradição religiosa).
Para que não faltasse alguma carne na mesa das casas judaicas, nos fins de semana para a ceia da sexta feira, entrava em ação o senhor Severino de São Lourenço.
Pelo horário dos judeus na tardinha da sexta feira já inicia o sábado.
Ao despontar a primeira estrela ao escurecer na sexta feira, inicia o dia de sábado. O dia muda com o aparecimento das estrelas e não quando vira os ponteiros do relógio à meia noite.
O sábado é considerado a "rainha dos dias" ("Shabes Malque", em iídiche), mesmo nas casas mais pobres se dava alguma relevância a este dia e na mesa da ceia do sábado estava presente o melhor dos alimentos que a família podia dentro de suas possibilidades conseguir.
A carne era uma delas e sempre causava alegria dos presentes na hora do jantar do sábado, dia do Senhor e do descanso.
Lembro que para nossa casa o senhor Severino sempre trazia um quarto de carneiro na quinta feira e minha mãe lhe pagava o dobro do preço tabelado no açougue. No açougue estava o preço tabelado, porem carne não existia, só ganchos vazios e as portas da geladeira abertas para ventilação, mas carne mesmo, nem pra remédio, nem hoje nem amanhã. Assim era nas etapas de racionamento da carne.
Como era o costume nestas ocasiões os açougueiros diziam: 
-"Está em falta hoje minha senhora! Quem sabe amanhã chegará, venha amanhã, guardo para a senhora sem falta"!
Neste período de falta, senhor Severino "quebrava o galho" e a carne verde para o fim da semana chegava a nossa mesa e de muitas outras famílias judias da comunidade.
Os mais entendidos na problemática do comportamento da vida judaica na diáspora, perguntariam e com toda razão sobre o abate destes animais. Era ele feito segundo os princípios religiosos da "Cashrut"? Pois era para estar na mesa no sábado santo, a "rainha dos dias", assim deveria ser não é mesmo?
Infelizmente a resposta é negativa.
Durante um tempo um dos açougueiros judeus do Recife, o senhor Abel que tinha um açougue na Rua do Hospício viajava para o interior e lá dava as instruções como fazer o abate "casher" destes animais.
Porém depois de uns tempos com a intensificação da fiscalização nas estradas a coisa deixou de funcionar, apesar de quase nunca ter havido racionamento para o abate de ovinos e caprinos no nordeste. Culpavam estes animais como sendo os verdadeiros causadores pela desertificação de areas sertanejas (Deserto, desertão, sertão), então quanto deles abatidos para carne, melhor.
Logo depois do abate, o senhor Severino voltava para o Recife trazendo e distribuindo a carne na sua camionete Fiat (caindo aos pedaços). Ela vinha cheia de barras de gelo envoltos em sacos de juta para conservar o frescor da "carne verde" até sua entrega na porta de nossas casas.
A vida dos judeus na diáspora obrigou a esta comunidade viver num compromisso entre a sua religião e a realidade do cotidiano.
Assim este povo apesar de todas as dificuldades do cotidiano nas novas terras, conseguiu atravessar de uma maneira sutil as diversas etapas históricas conservando suas bases religiosas e costumes de seus ancestrais convivendo em harmonia com a sociedade local.
Como diziam todos, vivacidade judaica, "acredite em Deus, mas desconfie".

- ENTREGA DO PÃO
Às 10 horas vinha correndo Zezinho da padaria da praça e fazia a entrega ainda quentinho de pão francês, pão doce e o bolachão famoso desta padaria. O pagamento era feito uma vez por semana na padaria pra evitar o contacto de dinheiro com as mãos de quem levava e distribuía a mercadoria. Muito bonito e higiênico para aquela época.
Zezinho ganhava uns cruzados quando levava e trazia de volta as tortas que as senhoras donas de casa preparavam, mas não tinham a possibilidade de assar.
Então veio a genial idéia de pagar algo para que na padaria da praça aproveitassem o calor dos fornos para o pão e também colocassem as tortas.
Desta forma, todos, especialmente Zezinho, saiam satisfeitos e bem pagos.

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quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O GRANDE LARANJAL ESTÁ LONGE DEMAIS. (parte 1)

O GRANDE LARANJAL ESTÁ LONGE DEMAIS. (parte 1)


                                                Foto: Google Internet

O GRANDE LARANJAL ESTÁ LONGE DEMAIS.
Parte um
De Paulo Lisker
Israel

Na minha cidade morei no primeiro edifício de apartamentos populares construído na área campal.
Beirava com um enorme laranjal plantado ainda nos anos trinta do século passado ou até antes.
A sua produção, assim como, de todos os laranjais do país (frutas uniformes em coloração e qualidade), estavam quase toda destinada à exportação e o resto era absorvido pelo mercado local de frutas e para a indústria de sucos e geléias.
A colheita anual era realizada manualmente durante o inverno (época fria do ano e com chuvas abundantes).
Aqui diziam (coisa que não estudei na Escola de Agronomia do Recife) que o frio do inverno "tinge" (colora) a fruta com a cor alaranjada* uniforme e a chuva em tempo na época da maturação faz a fruta desenvolver os líquidos, caso contrario ela fica seca por dentro e não serve para nada.
Naquele tempo a exportação de frutas cítricas era a única fonte de divisas (moeda estrangeira), que tinham aqui.
País pobre em tudo, terras estéreis, "curto" em fontes hídricas (rios e riachos temporários, secos durante quase todo o ano), sem riquezas de origem mineral, mal cuidado durante dois milênios pelos impérios conquistadores e povos andarilhos (beduínos), que aqui viviam sem fazer nada, sobrevivendo de esmolas dos poucos turistas e judeus velhos que voltavam da diáspora dos mais variados rincões do universo com a finalidade de aqui morrer, ser enterrado na "Terra Santa", com a cabeça voltada para Jerusalém, esperando a volta do Messias para se reencarnar. 
Claro, tudo isso para quem tem fé e crente na religião de Moisés.
Já os "gozadores"(cínicos) laicos diziam que quem tem sol quase o ano todo é um país felizardo.
Quando outros retrucavam: Para que serve o sol?
Os "gozadores" respondiam: "PARA SECAR ROUPA" e caiam na gargalhada, o que não deixa de ser uma grande verdade.
Ainda bem que este povo sabia rir de sua própria sorte, uma qualidade que persiste até hoje em dia.
Durante um tempo, a cidade em apreço era chamada pelo povo, "A cidade das laranjas ou dos laranjais".
Eu tinha um amor especial pelos nomes de bairros ou de cidades, assim como, "As Laranjeiras", no Rio ou "Limeira", em São Paulo ou o bairro dos Citrinos (cítricos) no português de Moçambique.
Desta vez estou relatando a minha experiência num lugar muito longe do Brasil.
A cidade dos laranjais que agora relato está no Oriente Médio, para ser mais exato, na "Terra Santa", em Israel.
Diziam os entendidos na matéria que foi neste semi-árido da Palestina (antes da fundação do Estado de Israel, reconhecida pela ONU), o "berço" da variedade da laranja "JAFFA", no passado, famosíssima na Europa e até nos Estados Unidos, para lá eram exportadas.
Outra variedade de laranjas, também famosa nestes mercados era a laranja "Sangue" ("Tapuz Dam", em hebraico), sua polpa de cor vermelha intensa, como diz o seu nome.
Estas últimas eram muito sensíveis às intempéries e de pouca resistência às pragas e enfermidade vegetais, assim sendo, aos poucos, desapareceram , restou somente a variedade JAFFA, que persiste até hoje em dia, exportada com êxito para os mercados da Europa, apesar da forte concorrência com aquelas provenientes da Magreb (Norte da África).
O destino me reservou a sorte de ir morar numa cidade pequena e antiga que começava a se expandir.
O primeiro terreno que os governantes da cidade tinham ambição de urbanizar, construindo moradias era exatamente em cima deste enorme pomar de frutas cítricas (laranja, limão, pomelo, lima, tangerina, etc.).
Na realidade era mudar a natureza da área, de agrícola para urbana.
Isto por si só é bastante complicado e envolve muitas comissões de estudos de viabilidade, discussões sem fim entre os que defendem a mudança de status da área e outros, os conservadores da natureza e preservadores da fauna e flora natural, que de certo modo seriam atingidos ou até aniquilados.
Discutiam o desemprego da mão de obra, a rescisão de contratos com os exportadores de frutas, os custos da indenização a estes e aos donos das parcelas, enfim, uma complicação dos diabos.
Esta discussão entre os prós e os contra levou um bom par de meses, entretanto o projeto ficou estagnado.
No final da contenda a pressão por moradias era muito forte, as leis do mercado como em toda economia começaram a funcionar, apareceram os economistas que provavam por a+b que a indenização que os donos dos lotes receberiam seria muito maior que o lucro que estas laranjeiras produziriam durante os anos futuros, ademais sem os problemas agrícolas de toda natureza que afetam este setor de produção.
Diziam os economistas: Será um ótimo negocio! Esta gente (donos de lotes de laranjeiras), vai virar nababo de palacete e carro último modelo, vocês vão ver!  
Conseguiram contornar os problemas técnicos e burocráticos, ademais das grandes discussões com as autoridades religiosas, que sustentavam o predicado:
"Uma espécie vegetal, que com sua existência vêem beneficiar aos seres humanos, está terminante proibido arrancar" (eliminar). Esta lei consta nas Escrituras Sagradas, diziam!
Depois das inúmeras reuniões e discussões de cunho religioso, lógico, dialético, filosófico e por que não dizer também econômico (que chegavam aos mais altos decibéis), conseguiram provar que o beneficio da construção de casas para os "sem teto" (novos emigrantes), recém chegados de volta a "terra prometida", depois de 2000 anos de estarem dispersos pelo mundo afora (diáspora), dava a permissão "legal" de derrubar uma parte do laranjal, que Deus nos perdoe e também as Santas Escrituras.
Depois desta grande agonia e planos prontos, a primeira parcela foi comprada dos legítimos donos pelo Fundo Nacional de Terras.
Mãos a obra, derrubaram as árvores e começaram a construir.
Até que removeram as arvores atiradas no solo, estas exalavam o "cheiro da morte", parecia que ainda queriam viver, depois que foram arrancadas e tombadas tão bruscamente no meio de sua vida, produzindo frutas gostosas e dando lucros aos donos das parcelas. Talvez essa fosse à maneira de um vegetal perguntar sem gritar: Por quê?
Depois colocaram água encanada, corrente elétrica, um caminho de terra batida no meio da areia que restou depois da derrubada das arvores.
O primeiro edifício de quatro andares ficou pronto e foi entregue aos moradores felizardos.
Bom, para encurtar a estória, fui viver num apartamento de três peças no segundo andar, sem elevador, porem na beira de um grandíssimo laranjal produtivo e economicamente viável, pelo menos assim me parecia. Éramos uma ilha no meio deste grande laranjal.
Nada de poluição, ar puro, passarinhos cantando todas as manhãs (me lembrava a canção do "Sabiá laranjeira"). Ouvíamos de noite quando o vento não soprava forte, o "tack-tack" dos aspersores de irrigação, molhando a terra arenosa do pomar e assegurando desta forma floração abundante e muitas frutas cheias de suco gostoso.
Lugar para a meninada brincar de se esconder e às vezes roubar umas frutas para saciar a sede do verão que aqui é brabo.
E o melhor de tudo deixei para o fim.
O cheiro da floração destes laranjais que se estendiam até onde a vista alcançava no longínquo horizonte, lá pro lado do mar Mediterrâneo.
Este aroma é indescritível, não existem palavras para poder explicar a fragrância das flores dum laranjal (De toda a família botânica dos cítricos), é preciso sentir para nunca mais esquecer.
Na minha cidade ela se espalhava de ponta a ponta e certamente chegava com as lufadas de vento da madrugada e da noitinha, a outros rincões da região e desta forma perfumava um país semi-árido, sem flora natural cujas flores pudessem encher a atmosfera com perfumes penetrantes, algo divino como o perfume da floração destes laranjais.
Este aroma se estendia por um bom tempo, pois era o resultado da floração de variedades em épocas distintas, que diferiam uma da outra.
Assim sendo, tínhamos uma atmosfera cheirosa durante algumas semanas (primavera, até meados do verão), produto desta floração anual dos laranjais. 
Começava a floração das laranjas de umbigo (a nossa conhecida "baianinha"), depois a variedade Jaffa, logo começavam a dos limões, depois as tangerinas, e assim, sucessivamente, as limas, os pomelos e no fim as laranjeiras da terra (de frutas amargas), que serviam de quebra ventos e anunciavam o fim da floração desta família botânica e se iniciava a formação dos frutos.
Aí as abelhas se retiravam em busca de florações de outros vegetais e dedicar-se a produção de mel nas colméias espalhadas ao redor. Dizem que o mel produzido das flores de "Hadarim" (cítricos, em hebraico) possui propriedades medicinais e tem aroma e gosto dos melhores do mundo. 
Era sobre este aroma que queria relatar nesta croniqueta. Exatamente para aqueles que não o conhecem, saibam que ele antecede a formação das frutas gostosas desta família botânica. Tem que se sentir este aroma para crer e se apaixonar por ela de uma vez por todas.
Assim como o excelente gosto destas frutas cítricas, saibam que também o cheiro desta floração é uma verdadeira festa para o olfato humano.
Trouxe uma rede do mercado São José no Recife, coloquei dois ganchos também comprados lá, instalei no meu pequeno terraço e ao votar do trabalho nela me deitava e pegava uma soneca  aspirando o aroma celestial deste laranjal em volta do meu apartamento. 

*No nosso nordeste, onde nasci e me criei a cor alaranjada não significava nada para mim. A laranja nordestina naquele tempo tinha todas as cores, verde, amarela, as duas junto, manchada de cinzenta ou marrom, mas nunca alaranjadas, de modos que não sabia que cor era essa. Foi só em Israel que encontrei o significado da cor de laranja, "alaranjado" e isto segundo os entendidos, derivado do frio na época da formação e amadurecimento da fruta.

Fim da primeira parte do "O GRANDE LARANJAL ESTÁ LONGE DEMAIS".
Continua na próxima croniqueta a segunda parte deste tema.
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O GRANDE LARANJAL ESTÁ LONGE DEMAIS. Parte 2 (final)



(O grande laranjal está longe demais. (parte 2, final




                                               Frutas e flores citricas- Fotos Google-Internet
Paulo Lisker
Israel
O GRANDE LARANJAL ESTÁ LONGE DEMAIS. Parte 2 (final)

Num país dinâmico como Israel o desenvolvimento não pode parar, ademais quando estava recebendo levas e levas de novos imigrantes sobreviventes dos campos de concentração nazistas na Europa e de outras partes do mundo em que tribos diversas encontraram raízes judaicas e começaram aos poucos a realizar a volta (até á pé), ao pedaço de chão como dizia a Bíblia, a tal "terra prometida para o povo preferido".
A pressão era enorme para construir moradias para esta gente.
Assim foi que o "grande laranjal" foi perdendo mais e mais arvores para permitir a construção de bairros residenciais na maior velocidade possível a tal ponto que se via a "olhos-nus" como o laranjal se distanciava do meu edifício de apartamentos. Outros novos edifícios recém construídos, e eram agora os meus visinhos. Aos poucos se formava um verdadeiro mega-bairro, com toda a infra-estrutura necessária para poder viver como área urbana.
A cor verde das arvores ficava cada vez mais embaçada pela distancia até se perder no horizonte e do cheiro da floração ninguém mais se lembrava.
Não restam duvidas que todos os amantes da natureza estivéssemos deveras muito frustrados.
A vida era cada vez mais urbana, as estradas não mais de terra, tudo pavimentado assim também as calçadas, ônibus durante todas as horas do dia, vendas, padarias, bancos, posto de saúde, um verdadeiro "formigueiro" humano caminhando pelas ruas, um verdadeiro inferno para aqueles que imaginavam habitar uma área campestre e agora tudo se transformou em concreto urbano.  
Os cantos de passarinhos nem nos sonhos, desapareceram todos, devem ter voado para outras bandas, eu só faltava chorar quando em vez da cantarolada de passarinhos, me desperto com as buzinas de carros e ônibus, logo pela manhã.
Na realidade a maior perda mesmo foi o cheiro da floração das plantas cítricas que sem nosso consentimento foi substituída pelo cheiro dos rebocos de cal dos novos edifícios. Que frustração!
Alguns sustentavam a tese que este é o preço do desenvolvimento e do progresso que atravessava o país depois de fundado para os judeus da diáspora, passados 2000 anos.
A verdade, com toda simpatia pelo desenvolvimento fiquei meio triste e abatido, especialmente quando sentado na minha rede no pequeno terraço do meu novo apartamento, o vento da primavera já não trazia consigo o aroma da floração dos laranjais, estes que um dia beiravam o meu edifício.
Aquele vento que trazia consigo no passado uma espécie de alegria para a alma (pulmões), depois de um dia de trabalho árduo, assessorando nos campos dos "moshavim e kibutzim" (modelos israelis, sui-generis de assentamentos agrícolas cooperativos).
Este foi meu primeiro trabalho como assalariado na Agencia Judaica de Colonização Agrícola (antes disso fui membro de um kibutz, na entrada do deserto do Neguev, no sul do país).
Quanto aprendi nesta etapa de trabalhador braçal, muitas vezes mais que nos quatro anos na Escola de Agronomia de Dois Irmãos, no Recife. Quanto conhecimento agrícola está involucrado nestes assentamentos e que universidade nenhuma (naquele tempo, anos 50), podia ou tinha para transmitir.
Desculpem-me os professores que não possuíam estes conhecimentos ou não sabiam transmiti-los. Soltam o aluno no fim dos "estudos" com diploma, porém vazio de conhecimento prático, como dialogar e orientar o agricultor de como agir no campo agrícola para produzir mais e melhor.
Quanta vergonha passei no inicio da minha vida profissional.
Os agricultores israelis, possuíam mais conhecimentos de como fazer agricultura que o agrônomo formado em Dois Irmãos, no Recife e agora nomeado (pelo diploma que possuía), como extensionista dessa gente.
Os agricultores nestes assentamentos sabiam como "produzir pão", ou morreriam de fome, e minha função era orientá-los para produzir mais e melhor. Ta vendo né!
O conhecimento por eles acumulados durante anos, levaram a agricultura de Israel aos pontos auges a nível mundial e acima dela. Muito aprendi com eles e depois transmiti estes conhecimentos práticos nas minhas missões de Cooperação Técnica, na África e na América Latina.
Em tempo útil dever-se-á lembrar que Israel é um país semi-árido e grandemente desértico. Quando os investimentos eram aplicados com honestidade e sapiência, o deserto se transformou em verdadeiros jardins e hortos produtivos (às vezes eu imagino o nosso sertão, de clima tão parecido).
Ai da vergonha (um dia escreverei sobre o assunto).
Bem voltemos a "vaca fria".
Não era somente eu que estava insatisfeito por não mais sentir os efeitos do laranjal que desaparecia o olhos vistos.
Dona Zohara Pinto, minha vizinha do terceiro andar, não teve mais paciência e um belo dia foi a um viveiro de plantas fruticolas e comprou três mudinhas (plantinhas jovens) de limão.
Uma de limão Galego, outra de limão Rugoso e uma de limão Siciliano. Sei por que assim estava escrito numa etiqueta pegada em cada muda e não por ser grande entendido ou conhecedor, formado em Dois Irmãos.
De noite foi ela com seu marido, cavaram três covas no meio do gramado que circundava o nosso edifício e lá plantaram as mudas de limão que compraram com seu próprio dinheiro no viveiro do senhor Crispim, que ficava num bairro afastado e lá só se chegava de ônibus, a pés não dava.
Com o amanhecer do dia, o sindico ao ver os limoeiros plantados no meio do gramado, "abriu a boca no mundo" (gritava) como se o maior desastre houvesse desabado no nosso jardim.
Os moradores do prédio e dos prédios vizinhos se juntaram para ver a reação do sindico que de tanto se "enfezar" (alterar demais), parecia que teria já, já um enfarte fulminante.
Ele berrava: Quem fez isso? Quem teve a coragem de plantar essa porcaria no nosso jardim? Que apareça para eu torcer seus ouvidos de burro, ignorante, quem lhe permitiu fazer esta safadeza, que venha já pra cá e arranque estas porcarias senão eu mesmo vou fazê-lo! E já.
Eu me aproximei e lhe disse: Se o senhor fizer isso estará cometendo um crime, sabe? Está terminantemente proibido arrancar uma arvore frutífera que trará bem ao ser humano, isso lhe dará três anos de cadeia.
O sindico empalideceu, ainda balbuciou algumas palavras sem nexo e se foi para seu trabalho, cobrar as mensalidades dos moradores e abrir o registro de água para regar o jardim, consequentemente também os três limoeiros recém plantados e que ele tanto odiava.
Não se passaram três anos e os limoeiros do nosso jardim (todos enxertados), bem enraizados começaram a florescer e a frutificar, mas que beleza!
Segundo os conselhos da bíblia (ela tem muitos conselhos agronômicos, por demais úteis), não se deve colher os frutos produzidos antes do quarto ano, no intuito de permitir as jovens arvores, durante três anos se fortalecerem, enrijecer seus ramos para que possam sustentar a futura carga de frutos, sem que estes se rebentem.
Derrubamos a floração prematura do terceiro ano, "as arvores respiraram com alivio" e robusteceram-se para enfrentar a próxima carga que estava por chegar.
Quase ninguém tinha interesse nos lindos frutos dos nossos pés de limão, pois frutas comprariam em qualquer mercado ou quitanda, eles não estavam ali pelas frutas e sim pelo aroma de suas flores que enchiam os nossos pulmões e nos acompanhavam ao dormir nas noites da primavera, isto não existe em canto nenhum para comprar.
Agora como o grande laranjal já está longe demais, restaram os três limoeiros, o Galego, o Rugoso e o Siciliano no nosso gramado, florescendo todo ano, cada um por sua vez, milhares de flores e produzindo o perfume divino desta família de cítricos.
Mil vezes agradeço à senhora Pinto, a minha vizinha, pela brilhante idéia e coragem de realizar esta "proeza" de aproximar, nem que seja com três arvores cítricas, aquilo que produzia o grande laranjal que com o passar dos anos, já estava longe demais ou quem sabe, já nem existia.

Fim da croniqueta: "O GRANDE LARANJAL ESTÁ LONGE DEMAIS".
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Fotos Internet
  

      




terça-feira, 20 de agosto de 2013

O FISCAL DA HIGIENE

 2011

 O FISCAL DA HIGIENE


O conhecido inseto (vulgarmente chamado "barbeiro"), causador da enfermidade da "Chagas". (foto Google, Internet)


OS PREGÕES QUE ME LEMBRO DO RECIFE "MATUTO" 
Paulo Lisker (Israel)

O FISCAL DA HIGIENE


Este personagem saudoso, funcionário da prefeitura (creio) encarregado de cuidar dos nossos quintais e lugares ermos contra a proliferação das larvas de mosquitos e outros insetos que encontravam nestes sítios condições favoráveis para proliferar e depois transmitir a população um "monte" de febres tropicais.
Eu era menino e só me lembro dele e suas andanças na nossa rua (Gervásio Pires), nos anos 40 e 50, porém ficaram gravadas para sempre.
Daí para adiante ele desapareceu, não o vi mais na nossa rua, ademais nos meados de 1955, vim embora para a "Terra Santa", Israel.
Possivelmente este serviço funcionou até a metade do século XX e se acabou, talvez por ser caro demais para uma cidade como o Recife ou para o Estado de Pernambuco.
Nesta época o Recife era mesmo a capital dum Estado subdesenvolvido com todas as características para tal.
Não sei bem dizer se era um serviço da prefeitura ou algo de âmbito nacional, mas na nossa cidade naqueles saudosos anos o serviço funcionava, e como!
O homem vinha vestido com uma farda amarela com boné, lanterna de pilhas, martelo e uma bandeirola amarela.
Anunciava a sua chegada com a maior seriedade como se fosse um comunicado oficial do governo.
Era um homem franzino, com um salário de miséria, porém alfabetizado que fazia anotações do seu trabalho e deixava até uma copia na casa que visitou.
Comunicava a vizinhança a sua chegada para inspeção da seguinte maneira:

"HOJE É DIA DA HIGIENE, A HIGIENE CHEGOU PRA FAZER INSPEÇÃO E MATAR MOSQUITOS! VAMOS DONA MARIA PREPARE A CREOLINA E UMA VARA COM ESPANADOR PRA ACABAR COM AS TEIAS DE ARANHA. A HIGIENE É PRA HOJE PRA QUEM NÃO QUER AMARELÃO!
É DIA DA HIGIENE, VAMOS GENTE ACORDA"!.....

Alguém se lembra? Pois tinha disso também no nosso Recife matuto.
Eu ainda era muito menino quando ele vinha fiscalizar as condições da nossa casa, o quintal e nele os quartos usados como depósito de ferramentas e até de carvão vegetal para casos de emergência quando faltasse o gás de cozinha.
Às vezes por desleixo poderiam muito facilmente transformar-se num antro de produtores de um sem fim de enfermidades transmissíveis pelos mosquitos.
O Brasil e certamente também o Nordeste todo figuravam nas listas dos Organismos Internacionais da Saúde como possuidores de enfermidades que exigiam dos turistas, vacinação obrigatória.
Epidemias e doenças endêmicas transmitidas por insetos, assim como, malária, febre amarela, doença de chagas (barbeiro)* e muitas outras derivadas de água de chuva empoçada ou causadas pelas cheias frequentes que assolavam o Recife e produziam os famigerados mosquitos de todo tamanho e virulência.
As conhecidas "muriçocas e maruins" (em nordestino) se reproduziam em verdadeiras nuvens de "bichos brabos voadores" tinham vida efêmera porém molestavam que nem a peste da bexiga lixa! Era um inferno.
Nas águas empoçadas estavam presentes também as amebas, schistosomas, verminoses diversas, cólera transmitida por morcegos e cachorros doidos e mais o "diabo a quatro".
Típico de país subdesenvolvido era o nosso Recife naquela época. Os brincalhões costumavam dizer: "No tempo que se amarrava cachorro com linguiça", mas não era brincadeira!
Para isso foi criado este serviço de combate a uma parte destas infestações que derrubava amiúde muita gente e até causavam mortes nas áreas mais infestadas.
Dizia que era só para combater a febre amarela (yellow fever), porém na realidade era um serviço para muito mais coisas.
O povo conhecia este serviço e seus funcionários como, "A HIGIENE" ou "O HOMI DA MURIÇOCA".
Imaginem como um menino vê este personagem, responsável pela nossa saúde.
Antes de tudo ele me causava um pouco de medo. Fardado de pano de cor caqui e quepes de capitão, todo de amarelo. Numa mão uma bandeirola da mesma cor que pendurava na janela da casa que entrava para inspecionar e todo mundo sabia onde ele estava.
Quando se demorava no tal casarão poderia ser por dois motivos:
Um, que estaria "trepando" com a empregada jovem e enxuta (nós meninos sempre as idealizávamos assim).
A segunda hipótese era que na tal casa tinha mesmo muito canto para sanear, muita lata por furar e muita parede para pulverizar.
Sendo uma ou outra hipótese, os vizinhos desta rua tinham muito "pano de manga" para fuxicar e imaginar sobre a situação higiênica do casarão ou da "trepada apressadinha" com a empregada na casa de dona Berta ou de dona Sara.
Vige, dizia a gente toda. Tomou muito tempo do "homi da higiene" pra fazer o trabalho dele hoje e se satisfazer de todo!!!! Era a boca do povo!
Em geral ele carregava como ferramenta de trabalho uma grande "bomba de Flit", (maior que as do tamanho domestico) caso necessitasse pulverizar os cantos escuros dos quartos mal cuidados, paredes de taipa e galinheiros onde o "barbeiro" gostava de instalar-se. O seu hospedeiro predileto eram as galinhas, perus, marrecos e também pequenos animais, ratos, gatos, cachorros, etc.
Este "besouro" (vejam foto acima) atuava durante as noites, atacava as suas vítimas adormecidas e causavam com o tempo o que chamava de "coração de boi" (inchavam os órgãos internos especialmente o coração que no final estourava e causava morte instantânea). Naquele tempo não tinha remédio.
O "barbeiro" causador da doença de Chagas era uma coisa séria. Nas suas fezes, expelia as micro larvas sobre a pele da vítima, este ao se coçar as introduzia na camada subcutânea e daí sua proliferação na corrente sanguínea até chegar ao coração da vitima até fazê-lo inchar até estourar.
Depois de adulto, já estudante de Agronomia, contaram-me os extensionistas agrícolas quando trabalhavam no campo, nunca pernoitavam ou dormiam nos hotéis do interior do Estado. As redes nos quartos de todos os hotéis estavam infestadas de "barbeiro".
Dormiam dentro da camionete de serviço e com a luz interna acesa. Este inseto daninho só ataca de noite no escuro, durante o dia se esconde nas frestas das paredes, entre as telhas ou mesmo nas redes dos hotéis. Onde tem luz, não se move de seu esconderijo.
Outra ferramenta de trabalho do homem da higiene era um martelo com as duas pontas bem afiladas para furar toda lata, bacia, ou qualquer outra coisa abandonada nos lugares ermos que possibilitavam a acumulação de águas das chuvas e a proliferação de mosquitos transmissores de uma enorme gama de enfermidades tropicais.
Levava uma enorme lanterna de pilhas que lugar escuro nenhum o fazia retroceder sem antes realizar suas "pesquisas mosquiteiras" e sanear o local.
Pendurado no ombro levava uma sacola e dentro entre outras um caderno para anotações, uma espécie de diário onde registrava o dia da visita, o que encontrou, que tratamento foi dado por ele, se foi devidamente saneado ou deveria alertar a dona da casa para o problema. Uma cópia ficava com alguém da casa, em geral a empregada.
Minha mãe sempre aflita por causa dos mosquitos, perguntava sobre a situação do nosso casarão e seu enorme quintal (medo que tem todo europeu nas novas terras sul americanas). Nesta oportunidade ela servia um café com biscoitos ao pobre fiscal da higiene. Ele muito gentil agradecia. Sempre se interessava sobre a presença de ratos na casa. Caso recebesse resposta positiva ele prometia na próxima vez (daqui a três meses) trazer meia dúzia de ratoeiras.
Entretanto como a demora seria longa demais ele tirava da sacola que levava com os "instrumentos" uma dezena de "mata rato". Era um tipo de veneno que tinha o aspecto de um bombom embrulhado em papel celofane. Dizia ele que são tão efetivos estes "bombons" que era só cheirar e fim do rato.
Minha mãe recebia os "bombons veneno pra rato" e depois de mil agradecimentos ia esconder-los numa lata bem fechada de Aveia Quaker (White Oats) e a dita cuja escondia no terraço, atrás do registro do gás, pois se os meninos achassem pensariam que são "confeitos" (bombons) e poderiam cair na besteira de chupá-los.
"Got zol mir hup hiten", (em iídiche: Que Deus me livre que isto aconteça).
Ela dizia em iídiche para o meu avô sentado no terraço olhando a atuação do homem da higiene: "A guiter mentsh der higieniker" (boa gente este higienista).
Meu avô concordava balançando com a cabeça e murmurava com um cubinho de açúcar na boca: "ió, ió haguiter mentsh" (em iídiche: sim, sim boa gente).
Ao terminar a visita profissional na nossa casa se despedia como uma pessoa educada.
Ao sair ele levava a bandeirola amarela que deixou na janela e começava tudo novamente na casa vizinha.
Este senhor da higiene era a meu ver de menino, um exercito de um homem só, até me dava medo.
Só faltava acontecer o que eu imaginava sempre quando ele vinha, era carregar nas costas um saco grande pra levar meninos traquinos e malcriados. Dava um medo danado e fazia tremer que nem vara verde!
Todo tempo que ele atuava dentro de nossa casa e no quintal eu vivia agarrado na saia da empregada.
"Que isso menino, larga a minha saia, vai para teu quarto", reclamava a babá Maria do Carmo.
Assim foi minha gente, tempo do Brasil sério, mesmo que subdesenvolvido.

* Tripanosoma Cruzi que causa a doença tripanossomíases americana, estudados pelos médicos brasileiro, Dr. Carlos Chagas e Dr. Salvador Mazza. (Dados Google - internet)


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