sábado, 10 de agosto de 2013

O VENDEDOR DE MACAXEIRA- MEL DE ENGENHO E DE URUÇU

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O vendedor de macaxeira


Os pregões que me lembro do Recife "matuto".
Paulo Lisker, de Israel

Durante todo o dia passavam mais e mais vendedores ambulantes na nossa rua.
Já de longe se ouvia os seus pregões anunciando sua chegada e as mercadorias que trazia.
Eram eles, entre outros:

O VENEDEDOR DE MACAXEIRA

Interessante sempre andava descalço, chovia ou fazia sol e a calçada de cimento pegando fogo, ele sempre descalço.
Alguém me disse que ele estava acostumado com isso, pois nas festas juninas andava com a maior calma por cima das brasas das fogueiras nos terreiros dos festejos. Andava, pisava forte e ainda cantava: "ATIREI O PAU NO GATO TÊ O TÓ....... e o povo aplaudia e cantava o refrão.
Suas calças de cor mescla surradas pelo uso e arregaçadas até o meio da canela. Um chapéu que no passado tinha sido chapéu de vaqueiro sertanejo. Levava uma peixeira pendurada no lado da bunda. De Serra Talhada ou não?
Do pouco que me lembro quase todos os ambulantes usavam peixeiras para os seus afazeres, o Miudeiro, o Verdureiro, o do Gelo, o Amolador de facas, o do Rolete, o do Peixe.
Todos levavam as peixeiras escondidas, o único que levava a mostra pra todos, era o vendedor de macaxeira.
"Caba macho" que veio do Sertão num "pau de arara" e não tinha medo de ninguém, nem de fiscais nem do guarda civil lotado na delegacia da Rua do Aragão e que rondava pela Rua Gervásio Pires, nas áreas de domínio publico em busca de desordeiros e ébrios fazendo fuzuê.
O "Omi era o Dunga".
Os que explicam tudo diziam que as autoridades eram benevolentes com o vendedor de macaxeira, pois ele trazia as raízes novinhas em feixes e assim vendia, não se usava balança para tal. Comprava-se por feixe. Os feixes já vinham prontos para a venda.
O problema começava quando estes terminavam então tinha que cortar pedaços das raízes grandes e mais duras e para isto era necessária a peixeira que carregava a vista de todos.
Nos ombros, uma canga com dois balaios pesados um de cada lado, cheio de raízes arrancadas da terra do seu sitio em Tegipió, tudo fresquinho levemente molhadas pela umidade ou os chuviscos da madrugada.
Vinha já de longe anunciando as mercadorias e se não me falha a memória a coisa era assim:

"INHAME, OITÍ CORÓ, MACAXEIRA ROSA E BAHIA, COZINHA INTÉ EM ÁGUA FRIA, BATATA DOCE RAINHA! INTÉ RAMA DELA TENHO AQUI PRA QUEM QUIZÉ PRANTÁ NO QUINTÁ DA CASA. ACODE GENTE, CHEGÔ MACAXEIRA, MACAXEIRA ROSA, MACAXEIRA ROOOOSA, INHAMIIII, OITÍ, OOOITI CORÓ".

Quem não se lembra do gosto destas raízes e tuberosas que o vendedor de macaxeira trazia nos balaios nas quartas feira, logo de manhã?
O gosto do Oiti Coró e da Batata Doce que cresciam no mato sem agrotecnica nenhuma era delicioso, ao comer na hora do almoço o seu sabor demorava na boca até o café da noite, uma delicia!
A Macaxeira Rosa ou a Bahia na realidade não cozinhavam em água fria como dizia o pregão, porem depois de cozinhadas ainda quentes passadas na banha ou aqueles que podiam se dar ao luxo na manteiga, era uma delicia, macia ao comer, igual assim só a Fruta Pão. Vocês se lembram?
Outras macaxeiras "da terra" que vegetavam nos terreiros dos casebres nos arrabaldes eram muito diferentes. Mesmo horas no fogo, eram duras e secas e nós meninos pusemos nelas o apelido de "cabos de vassoura".
Aqueles que não se lembram do gostinho especial destas é porque em casa não tinham o costume de comer estas coisas que caracterizavam a comida do "Zé Povinho".
As casas aristocráticas ou dos novos ricos preferiam a batata inglesa nos seus pratos corriqueiros, eles não sabem o que perderam.
"INHAME, OITÍ CORÓ, MACAXEIRA ROSA E BAHIA, COZINHA INTÉ EM ÁGUA FRIA, BATATA DOCE RAINHA! GENTE, CHEGÔ MACAXEIRA, MACAXEIRA ROSA, MACAXEIRA ROOOOSA, INHAMIIII, OITÍ, OOOITI CORÓ".
QUEM NÃO COMPROU AGORA, PERDEU E QUEM PERDEU SE FUDEU.
JÁ VÔ MEMBORA....

MÉ (mel) DE ENGENHO, MÉ DE URUÇU

São dois produtos totalmente diferentes de origens distintas.
Os dois são uma delicia porem cada um com sua diferente doçura.
O primeiro, assim como diz o nome, "mel de engenho" é um liquido doce e denso, proveniente dos engenhos de rapadura.
Assim acho, como meio leigo na matéria, que este liquido é o produto da evaporação lenta do mosto (caldo de cana).
Uma etapa antes que se solidifique (cristalize) e se transforme em rapadura ou cristalize como açúcar mascavo. Assim acho! Se não é bem assim que me desculpem.
Esse outro mel com o nome "Uruçu" deriva dum gênero de abelha, dizem sem ferrão (melípona Scutellaris, l) e que se encontra no Brasil e no nordeste em especial é seu habitat natural também chamada pelo povo, de "abelha nordestina".
Estes produtos vinham em pequenos tachos de cobre ou alumínio com formato de bule, o ambulante despejava num caneco que era a medida de meio litro e colocava na vasilha do freguês que queria comprar.
Dizem os entendidos que é um mel especial, gostoso e em geral produzido do pólen coletado nas caatingas, puro sem traços de defensivos químicos. Produto orgânico, tão procurado hoje por questões ecológicas e de saúde.
De vez em quando minha mãe comprava meio litro deste "mel" e colocava numa garrafa usada de leite.
Naquele tempo o leite da Usina era fornecido em garrafas de litro que depois de utilizar o conteúdo eram devolvidas ao leiteiro, mas às vezes esqueciam.
Minha mãe era desconfiada desse mel de engenho que nunca viu abelha por perto, mas comprava meio litro para as empregadas que gostavam de fazer pirão de farinha da terra com mel de engenho. Diziam elas, que torta de confeitaria nenhuma "nem de longe" pode se comparar com as "bolotas" de farinha nova de mandioca com o mel de engenho.
Diz o refrão popular que "sabor e odor são indiscutíveis".
Nós os judeus comíamos de sobremesa "Compota" de frutas secas e as empregadas gostavam do pirão com o mel de engenho.
Foi numa dessas oportunidades no meu tempo de menino sapeca que provei do tal "pirão" e gostei demais.
Em geral eu era "arriado" (apaixonado, em nordestino) pelas "shikses" (empregadas em iídiche).
Elas me ensinavam safadezas, jogar baralho, dar uns tragos no cachimbo de pau com fumo de corda, porem suas comidas eram melhor que todas as outras juntas. Eita comidas boas da peste!
Mais que uma vez provei das safadezas que elas me ensinaram e também deste pirão com mel.
As duas coisas achei muito gostosa, mas o pirão feito com mel de engenho era ainda muito melhor que as safadezas que as empregadas me ensinavam.
Pode se entender, eu era muito menino na época e o gosto doce na boca ganhava qualquer disputa..
Meu avô quando me via lambuzar a roupa metendo o dedo na garrafa do mel de engenho ou do Uruçu, dizia:
Menino sapeca, tu não sabes o que é dor de dente né?
Isso faz "buracos" nos dentes (carie, na língua portuguesa). É isso que você quer?
Deixa logo isso, pois o dentista o doutor Love está te esperando com uma broca daquele tamanho para cuidar e endireitar teus dentes furados. Olha que dói mesmo.
Deixa já de lamber e se lambuzar com esse mel que só o diabo sabe como foi feito (em iídiche: Der drekisher honing fin shwartze rihes).
Ainda bem que ele não viu as safadezas das "shikses" com a saia arregaçada mostrando "cinema grátis". Que diria ele neste caso? Sei lá! Quem sabe ele também viria assistir a sessão do "cinema grátis" para maiores de 18 anos. Sei lá!
Eita vô "pai d`egua".
Interessante que até hoje em dia, o paladar do mel de abelha legitimo não me cai bem, não gosto!
Possivelmente no meu subconsciente ainda está gravado do tempo de menino, o gosto do mel de engenho que não aceita nem seu primo legitimo, o mel de abelhas.
Mas nem por isto irei a um psicólogo buscar a resposta para esta questão, a visita sempre é cara e nem sempre ajuda. Imagina, se ele chegar à conclusão que tudo isso é uma resultante do "cinema grátis" que fui vitima quando criança.
Esses "profissionais da alma" têm cada uma! Que se pode fazer? Isto não é uma ciência exata, ta aí.
Fim desta parte dos "PREGÕES" na minha rua.
Na próxima semana, se Deus quiser, novos "PREGÕES" que me lembro do tempo de menino.
Paulo Lisker- Israel.
15-12-2011
(Todos os direitos autorais reservados)
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