Os pregões que me lembro do Recife "matuto"



Assim era naquele tempo. Leite crú na porta de casa.
Fotos: Google-Internet
O "LEITEIRO"
Paulo Lisker
Israel
Logo bem cedinho, vinha ele empurrando sua carrocinha.
Trazia leite não pasteurizado em tarros de metal, direto das tetas das vacas das vacarias de Beberibe ou de Campo Grande.
Vendia de porta em porta e despejava o leite do tarro nos vasilhames das senhoras que o esperavam com um trapo de pano ou um coador para evitar as sujeiras que o leite trazia dos estábulos.
Ele ficava danado da vida com esta atitude e dizia:
- "Dona, o leite está limpinho, se encontrar nele um mosquito ou mosca eu lhe pago dez contos de réis".
As senhoras se continham para não rir, pois já tinham suficiente vivência com este produto lácteo produzido nas condições anti higiênicas das vacarias suburbanas,
Houve casos de encontrar no leite cru, "girinos" (alevinos de rãs) e mesmo de esterco fresco, nem é bom lembrar.
Era praxe na casa dos judeus ferverem o leite, na minha casa nunca se tomou leite cru, pois bacilos de tuberculose e brucelose eram muito comuns naquele produto crioulo. A proliferação destes, num leite produzido em vacarias nas condições primitivas daquela época era quase 100%. Algumas vezes estas enfermidades apareceram no Recife matuto, causadas pelo uso do leite cru não pasteurizado.
Com o passar do tempo ele passou a trazer leite de muito melhor qualidade.
Este era proveniente da Cooperativa Central de Laticínios do Recife, pasteurizado e engarrafado em unidades de litro.
Também melhorou as condições do transporte da mercadoria, no lugar dele puxar, era um jumento quem puxava a carrocinha.
Comunicava sua chegada tinindo com algo de metal numa garrafa vazia.
Anunciava sua chegada assim:
-"LEITEIRO, CHEGOU LEITE FRESCO. OOOOOH LEITEIRO. VEM BUSCAR SENÃO AZEDA E SÓ VAI SERVIR PRA FAZER COALHADA! OOH LEITEIRO, LEITE FRESCO E GELADO DA USINA, VÊM LIMPO E PASTEURIZADO, OLHA O LEITE, PATROA, OOOH LEITEIRO" "TLIN, TLIN TLIN".
Danava- se a bater numa garrafa vazia.
Em tempo, seria bom acrescentar coisa que ouvi de outrem sobre o leiteiro da nossa rua.
Diziam que ele era um "caba da peste" de sabido, fazia o "diacho pra tapear" os fregueses e ganhar mais uns "cobres".
Falavam as más línguas que no tempo que transportava nos tarros, ele botava água no leite. Então os fiscais (tinha disso no Recife) mediam a densidade do liquido se estava baixa era sinal que continha agua, então jogava tudo fora.
O leiteiro sabido começou a colocar água com amido para fazer o leite mais denso. Este tempo do leite com amido, eu me lembro muito bem, pois ao tomar café com leite, ficava no fundo da xícara um residual de cor branca.
Os fiscais não bobeavam e faziam teste de amido com iodo. Se o iodo passasse do vermelho para o azul então era sinal de falsificação e não tinha outro caminho que emborcar tudo na sarjeta da rua na presença de todo o público que se juntava para compra o leite pela manhã.
A gritaria e os protestos eram enormes, porem não adiantava nada. Ia tudo para o esgoto da rua!
Vejam tempo do Brasil sério!
Mas leiteiro não "bobeia", ao descobrir que a urina do gado tem a mesma densidade do leite, acabaram-se as multas por adulteração deste por misturar com agua do arroio. Agora o grande Recife comprava "gato por lebre" e bebiam leite com urina bovina e me acreditem, nunca fez mal a ninguém!
Até mais ver na próxima croniqueta com outros vendedores ambulantes e seus pregões.
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Cuide com os créditos
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