domingo, 4 de agosto de 2013

SENHOR SADIGURSKY- SAUDADES (Minha última conversa con ele)


MEU ÚLTIMO ENCONTRO COM O SENHOR SADIGURSKY

                                A PRAÇA MACIEL PINHEIRO No Recife
                                                        Foto:  coleção de Clóvis Campelo, Recife


                                        Romeu e Julieta no Recife Matuto


                                                                 Foto particular da familia.
Senhor Sadigursky e sua sobrinha Sluva
-
SAUDADES



Tema:  SAUDADES

Paulo Lisker, Israel.

Passaram-se uns meses, estava eu sentado na praça com senhor Sadigursky, judeu pobretão, um protótipo muito especial que vivia num quarto no "pé de escada" na praça, encostado da farmácia "Saúde". Ele foi no passado mascate citadino, vendia bugigangas, escrevia musica de "kleizmer" (musica judaica das pequenas aldeias européias), era às vezes também maestro da Banda Acadêmica ou da orquestra da Policia do Derby quando estas eram contratadas para animar casamentos ou outras quaisquer festividades israelitas. Até o famoso Capiba o conhecia e lhe dava as honras merecidas. Ensinava as rezas aos garotos que faziam "Bar Mitzvá" (ao cumprir 13 anos) eram considerados adultos pela religião judaica, com direitos de rezar e ler a "TORÁ, o Velho Testamento". Fazia de tudo, um "pau pra toda obra". Tipo baixinho, gorducho e feio, homem das mil profissões e nem um tostão furado no bolso ou um tostão inteiro no bolso furado! Eu gostava de sentar com ele e conversar sobre qualquer tema, era um tipo versátil. Misturava o iídiche com português, narigudo e fanhoso que às vezes eu pensava que ele ia se asfixiar se continuasse falando. Eu ficava calado, só escutando as experiências da vida dele numa pequena aldeia no leste europeu, me contou que tinha um irmão gêmeo, mas depois da guerra nunca mais soube noticias nem dele, nem dos pais ou de outros membros da família. Possivelmente foram exterminados nos campos de concentração nazistas na Polônia. Num lapso da nossa conversa em que ele tomava fôlego, aproveitei e disse a ele que estava tremendamente frustrado, Pois estava escrevendo uma crônica, relatando o caso amoroso de Xóxa e Dadinho que começou na Praça Maciel Pinheiro e eu tinha toda certeza que também terminaria na praça, como tudo na nossa comunidade israelita naquela época. Até imaginava duas alternativas possíveis: A primeira, seria: UM BAITA FESTÃO DE CASAMENTO. A praça cheia de gente, convidados por parte das duas famílias, o pessoal conhecido da praça, os guardas noturnos da Delegacia do Aragão, a praça totalmente lotada e a paz reinava na terra e no céu. As famílias dos noivos apaziguados, isso era o mais importante. Um coreto todo iluminado com lâmpadas de todas as cores, a "Banda Acadêmica" tocando musicas de Capiba e suas também "maestro" Sadigursky. Baixo tua batuta a banda se transformaria nem que seja numa hora, em "Klezmerim" do leste europeu, tocando musicas judaicas. Muita comida gostosa, bebidas e alegria sem limites. A imaginação não foi tão longe, pois ainda não decidi quem os casaria, se um padre ou um rabino ou os dois juntos, se na Igreja da Matriz com o dobrar dos sinos ou debaixo de uma "Hupá" (costume judaico) junto do secular pé de Jambo do Pará na praça mesmo. Neste aspecto ainda estou em dúvida. Muitos fogos de artifício, o céu todo iluminado com foguetes do ar de todas as cores, a meninada jogando confetes e serpentinas. Um verdadeiro mini carnaval fora da época. A segunda: UMA TRAGEDIA a ESTILO ROMEU E JULIA. Que Deus me livre e guarde senhor Sadigursky, porem imaginei também uma alternativa nesse estilo. Pelos enormes problemas causados pelas famílias de credos distintos, a proibição de ambas as partes para a consumação deste casamento. Xóxa e Dadinho se suicidariam sentados abraçados junto à fonte da índia e os quatro leões, no centro da querida pracinha. Dois enterros cada um de um lado da praça, a praça totalmente cheia de gente chorando, pois os dois personagens envolvidos nesta tragédia eram conhecidíssimos pelos frequentadores e moradores desta Praça no Recife. Um mundo de coroas de flores e flores ao natural acompanhava os dois ataúdes. Um carro fúnebre e a comitiva dos carros acompanhantes partiriam para o cemitério de Santo Amaro e a outra comitiva para o cemitério de judeus no bairro do Barro. Os dois amantes (quando em vida) seguiam destinos diferentes e talvez só no paraíso se encontrassem e desta vez para eternidade. Veja o que na realidade aconteceu senhor Sadigursky. Dadinho, católico, enterrado no Campo Santo em Maceió e na laje dizia nada mais que: DEMOSTENES ABELARDO MONTEIRO (Dadinho o nosso eterno amor) Data de nascimento e falecimento. Já Suzana (Xóxa), judia, ninguém sabe nada dela, Se virou religiosa ortodoxa na Antuérpia? Tem filhos? Quantos? O de Dadinho nasceu? Hoje já deve ser homem feito, será que ele sabe quem foi seu pai? Será que Xóxa ainda vive? Será que voltou alguma vez de visita ao Brasil depois que a casaram com um jovem judeu da Bahia, contra sua vontade? Nada sabemos. Uma odisséia, insolúvel! Veja só senhor Sadigursky, tudo começou com um namoro inocente na nossa querida Praça Maciel Pinheiro e deveria terminar aqui também e a realidade é que Dadinho está enterrado em Maceió e Xóxa vive ou já não vive nas terras frias da Europa. Esta é a minha frustração senhor Sadigursky. O axioma pregava que na colônia judaica tudo que começava na pracinha também nela terminaria. Axioma, senhor sadigursky, axioma! Ele me olhou com os olhos rasos d água e me disse em iídiche: "Bist ha a nar, di Prace Macié Pinheire is di gantze velt". "TOLO, A PRAÇA MACIEL PINHEIRO É O MUNDO TODO". O axioma continua de pé meu jovem, ainda mais o "axioma judeu" que não é limitado nem no tempo nem no espaço, ele é eterno como este povo! Olhei estupefato para este homem simples e humilde e "falei com meus botões": Vejam, vejam, o "Diógenes judeu", um filosofo de pés descalços que vivia entre e nós não sabíamos! De mansinho, lagrimas deslizavam sobre as nossas faces. Bom que a meninada que corria atrás duma banda de Maracatu que ensaiava a bateria e as tubas em volta da pracinha em direção da Rua do Aragão, não deu fé nestes dois adultos sentados num banco, chorando num dia tão bonito na Veneza brasileira, não por dor de dente, mas de nostalgia e saudade! 
FIM DO CASO DE XÓXA E DADINHO NO RECIFE MATUTO.

4 comentários:

  1. Eng. I. Coslovsky São Paulo
    DISSE:
    PAULO

    NÃO HAVIA RECEBIDO AINDA ESTA CRONICA.

    COMO JÁ ESCREVÍ ANTERIORMENTE, V. ESTA CADA VEZ MELHOR, A CADA PEÇA LITERARIA QUE NOS ENVIA. A DE AGORA ESTÁ PERFEITA, EQUILIBRADA, GOSTOSA DE SE LER. O QUE MAIS ME IMPRESSIONA, É COMO AS SUAS RECORDAÇÕES DE INFANCIA SÃO PARECIDAS COM AS MINHAS, EMBORA OS CENARIOS SEJAM DIFERENTES: SANTOS, SÃO PAULO, RIO DE JANEIRO...JARDIM DA LUZ, TIA SOLTEIRONA, PEIMEIRA ESCOLA IDISH...MAS INFELIZMENTE NÃO TENHO A SUA HABILIDADE OU SEU DOM DE EXPRESSAR ESSAS RECORDAÇÕES PELAS LETRAS. O QUE É TRISTE POIS NÃO TENHO NINGUEM QUE SE INTERESSE POR OUVI-LAS, E ELAS IRÃO SE PERDER QUANDO NÃO ESTIVER MAIS POR AQUI, AO CONTRARIO DAS SUAS, QUE DE CERTA FORMA FICARÃO REGISTRADAS PARA SEMPRE.

    UM ABRAÇO

    ISRAEL ( NECO )

    ResponderExcluir

  2. Dr. Meraldo Zisman Recife
    DISSE:

    Caríssimo Paulo,
    Bela conclusão.
    Escolho... os dois.
    abraços
    Meraldo

    ResponderExcluir
  3. Eng. Israel Cosovsky São Paulo
    DISSE:
    PAULO
    MUITO BONITO... BEM ESCRITO, E REVELANDO QUE V., NO FUNDO, É UM HISTORIADOR SENTIMENTAL...
    UM ABRAÇO
    Israel.

    ResponderExcluir
  4. Sluva Waintraub Salvador Bahia
    DISSE:

    Paulo: Recebi sim, mas só li agora. Obrigada por me enviar. Gostei.
    Com certeza hoje em dia nada disso aconteceria. A maioria dos casamentos são mistos e muitos nem sabem que há alguns anos atrás isto era uma tragédia.
    Shabat Shalom,

    Complementando o comentário, atualmente muitos dos casamentos mistos são realizados apenas no Civil, mas existem os que optam por uma "hupá" (pálio) e músicas judaicas, e aqueles que fazem o que é chamado de casamento ecumênico: a presença de um padre e um judeu (mesmo não sendo rabino)que realizam as duas cerimônias.
    Quanto à foto, de 1961, em Recife, com meu tio José Sadigursky, portanto sou sobrinha dele.
    Shalom,
    Sluva Waintraub.

    ResponderExcluir