O "CHINA" DA LAVANDERIA
Paulo Lisker, de Israel
Na Praça Maciel Pinheiro todos conheciam o senhor Joseph, o meu avô, alvo, alto, cabelos brancos bem penteados, andava sempre engravatado com gravata "borboleta" e vestia o seu terno de brim de linho, super branco e engomado como se tivesse sido "passado no ferro" do "china", por nós conhecido como seu Júlio.
O nome original dele na China, era Chu Li Óh, (parecido com Júlio), assim era mais fácil para o uso das lavadeiras matutas que vinham dos bairros pobres, Beberibe, Afogados, Sucupira e outros ainda mais afastados e que "ganhavam a vida" lavando roupa de ricos na lavanderia de seu Júlio, na Rua Gervásio Pires.
A "Lavanderia Chineza" (assim estava escrito na placa já surrada pelo tempo) ficava bem defronte da minha casa.
Meu avô era um bom cliente dela, pois andava nos arrabaldes do Recife, vendendo a prestação, nos dias de maior calor, sempre com seu terno de brim de linho branco, impecável, que necessitava sempre da lavanderia depois desta faina.
Quando menino, ia buscar o terno branco do meu avô, bem passado, cheirando a limpo e pendurado num cabide de arame. (quem sabe invenção chinesa).
Foi assim que travei conhecimento com o china Júlio e as suas lavadeiras da "LAVANDERIA CHINEZA".
Eu sempre perguntava a ele:
-Seu Júlio, chegou carta com selos da China? Ele balançava com a cabeça afirmativamente, deixava o que estava fazendo ia numa gaveta emperrada dum comodo e trazia um ou dois envelopes das cartas que chegaram durante os dois últimos meses. Com cuidado rasgava os selos do envelope e me dava dizendo:
-Seu Júlio, chegou carta com selos da China? Ele balançava com a cabeça afirmativamente, deixava o que estava fazendo ia numa gaveta emperrada dum comodo e trazia um ou dois envelopes das cartas que chegaram durante os dois últimos meses. Com cuidado rasgava os selos do envelope e me dava dizendo:
-Vê qui bunitu menin os selos da minha terra, cuida quando discular pla num inutilizar!
- Isto não é da China seu Julio, cadê a foice e o martelo? E Lenin?
-Menin, isso é de Formosa, adonde mia familia fugiu prá lá e la non tem cumunitas, este aí é Xang Kay Chek, num qué num leva, dou prá Jaiminho, ele já, já vem bucá un telnu do seu Moisés. Enton quer ou no quer?
- Quero, quero seu Julio, muito brigado. Ta bom, quando chegar da China mesmo, guarda pra mim, tá?
Eu gostava de ver o "china" espirrando água da boca para umedecer a roupa na hora de passar o ferro a carvão.
Para esquentá-lo mais, abanava com um abanador de palha de bananeira, ai quantas chispas voavam pelo ar. Bonito danado!
Já viu chinês gordo? Aonde?
Pois acredite se quiser, este "china" era bem gorducho!
"China brasiliense", isto já era resultado da assimilação aos costumes locais, a saber:
Primeiro: Vivia amigado com uma jovem mulata viúva sem filhos, de Beberibe,
Segundo: A comida brasileira que sempre alguma lavadeira no trabalho, preparava para o almoço do patrão.
Colocava no quintal o feijão mulatinho num caldeirão de barro no fogo de lenha e carvão. Seguia a carne de charque, o toicinho os condimentos crioulos e sem nunca esquecer a pimenta malagueta que picava tanto na entrada como na saída.
De vez em quando davam uma mexidinha e colocavam o maxixe, o quiabo, e no fim o jerimum que é mais mole no cozinhar.
Ao meio dia a "gororoba" estava pronta e com um cheiro que toda Gervásio Pires aspirava com gosto.
Sentado num tamborete comia com as mãos num prato fundo que já viu dias melhores, fazia pirão de farinha de mandioca com o caldo do feijão e de vez em quando dava um estalado com a língua, sinal que encontrou um naco de carne ou toucinho e que estava saboreando e gostando demais.
Neste tempo sabiam todos que o "china" está almoçando, e não era hora de levar roupa suja ou ir buscar roupa lavada pronta, nem para casamento ou missa do sétimo dia!
Terceiro: Logo se acostumou a descansar e se balançar na rede com sua viúva, beber água de quartinha, comer feijão preto todo santo dia, e não terminava sua refeição sem uma fatia de goiabada Peixe (daquelas de lata redonda de Pesqueira) com uma fatia de queijo do Sertão de sobremesa. Comendo desse jeito, poderia não ser gorducho e pançudo?
Às vezes ele tomava uma "bicada de Pitú", mas era raro, só quando chovia muito. O sol não saía, e fazia um pouco de frio.
O "china" gorducho praguejava em português e também em mandarim.
Nesses dias de chuva, iria atrasar a entrega das roupas, por não estar seca e seu Júlio não gostava de atraso, nem quando foi súdito de Chang Kai Chek, na longínqua Formosa.
Quarto: Andava descalço no trabalho. Na rua de tamanco e quando ia tratar de sua naturalização, o seu calçado oficial era as sandálias com o solado de pneus usados.
Quinto: Sempre sorridente este "china", prestativo e principalmente barateiro, a metade dos preços das lavanderias dos italianos!
Na lavanderia "CHINEZA", mesmo que toda "operação", lavagem com sabão de coco, branqueadas com "Anil", batidas à pau antes de espremer, tudo isto era feito manualmente pelas lavadeiras matutas e ele só engomava passando o ferro Guza à carvão. As roupas resultavam ultra-limpas, com um lustro ímpar e um cheirinho que não tem outro igual.
Sexto: Ademais o homem era mesmo generoso e depois de seis meses distribuía toda roupa que não era reclamada. Esvaziava a sala na qual se empilhava toda esta roupa durante meses e ninguém vinha recolher.
Ele dizia na sua maneira de falar o português, sempre com um sorriso de chinês na cara:
-"Ruopa no pude ficou sin donho, si rico no quere buscar, nois dá prôs pobri".
Pobres ou não pobres, eu mesmo vi também judeus, não tão pobres, na fila para medir algo do seu tamanho e não se envergonhavam disto. Parece que no tempo do "Recife Matuto", não era vergonha, ser pobre!
Este "china" era mesmo um personagem inesquecível na Rua Gervásio Pires.
Então estava assimilado brasiliense, ou não?
Claro que sim!
Vocês precisavam o ver esculhambando com as lavanderias modernas. Não muito distante, na Rua da Conceição, quase vizinha ao Leilão Maia, estava a Lavanderia PAPALEO, (os donos e a tecnologia italiana). Esta já tinha até lavagem à seco, caixa registradora e luz florescente no estabelecimento.
Seu Júlio, sempre sorridente de bochechas rosadas dizia:
-"Itaiano é bom pa macalonada, no é pa lavá rôpa".
Cheira o loupa de lavar seco dele, tem cheilo di quelozene!
Vai pra festa chelando a candeeio, o diabu fuge, inda mais a mulhé, no é mismo?
Eta, "china" pai d'égua.
Todos os direitos autorais, reservados.
Cuidem com os créditos.
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