sábado, 28 de junho de 2014

TRIUNFO, A CHEGADA AO IPÊ ROXO (PARTE 1)


                            EXEMPLARES DO IPÊ ROXO  (Handoantros impetiginosus)
Fonte:Wikipedia. Google-Internet
"UM AMOR IMPOSSÍVEL." (novela)
                                             (Paulo Lisker, Israel.)
 Tema: Triunfo, a chegada ao Ipê Roxo

Em principio o interior de Pernambuco era pouco desenvolvido economicamente e socialmente, este problema era comum em todo o Nordeste brasileiro (fora algumas raras exceções).
Possivelmente naquela época todo o interior do Brasil estivesse nestas condições.
Proliferava o "voto de cabresto" (eram eleitos para a política local àqueles candidatos que o "coronel" ordenava), exatamente pelo baixo nível educacional, comercial, de infra-estruturas, de saúde, dos transportes, de comunicação, produção agrícola de baixo nível (nível de subsistência), serviço telefônico precário, água potável encanada e eletricidade nas casas nem em sonho, características do conhecido subdesenvolvimento das áreas rurais.
Toda promessa de melhorar comprava votos a valer, gente humilde, acreditavam em tudo, desejavam um futuro melhor.
A natureza desta gente tão inocente chegou ao auge quando no Recife, capital do Estado, no passado não longínquo, o príncipe Maurício de Nassau (etapa da colonização holandesa que durou 24 anos), tinha a intenção de construir uma ponte.
Faltava parte do capital necessário, então aproveitando o atraso e a inocência do povo, convidou a população para um espetáculo em que ele faria um boi voar, claro que mediante um pequeno pagamento como entrada ao local no qual se realizaria o "milagre".
Parece que no fim da estória, acudiu muita gente pra ver.
Entrou bastante dinheiro, não sei se foi todo o necessário.
Quando o povo exigiu o prometido, os organizadores não titubearam e lançaram um balão em forma de boi que voara pelo céu do Recife.
Ninguém pegou as armas, ninguém se revoltou e aprenderam uma boa lição pela sua inocência. Povo pacato e crente.
Toda pessoa dono de terra era chamado "coronel" e o resto do povo, matuto.
Triunfo no Estado de Pernambuco também era assim!

A chegada do jovem casal, Abelardo e Susana, era para Triunfo uma dádiva de Deus.
Os dois escolarizados, com costumes de cidade "civilizada", não restavam duvidas que pudessem contribuir enormemente nas funções que lhes atribuiriam no futuro.
A "Sopa" (assim denominavam o ônibus no interior de Pernambuco) chegou de manhã na estação no centro do povoado e lá já estava o coronel Barbosa com sua charrete de dois cavalos e seu empregado, que tratava dos animais e das carroças da pequena fazenda de nome Ipê Roxo.
Trocaram duas três palavras, se montaram na charrete e se mandaram pra casa do coronel Barbosa.
Abelardo não perdeu tempo apresentou a "noiva", entregou um pacotinho com geléia de Araçá e bolinhos de goma, um presente de dona Marisol para a esposa do coronel, dona Genoveva.
Os Barbosa tinham duas filhas porem ambas viviam  com os avós, em Tórino na Itália.
A fazenda no passado tinha muitas glebas (muita terra), porem como viu que não tinha quem continuasse o seu trabalho, foi vendendo até que ficou com um pequeno sitio onde criava galinhas poedeiras e patos, restou  pouca terra para criar gado como no passado.
Ficou uma pequena lagoa onde os patos e gansos faziam uma boa vida.
Dinheiro ele tinha nos bancos na capital do Estado, e era proprietário  de muitas casas na cidade que estavam bem alugadas e lhe rendiam um bom dinheiro que dava para viver, num luxo bastante razoável.
Dona Genoveva era letrada ainda do tempo de menina quando vivia na Itália.
Os pais do coronel resolveram abandonar o velho mundo, vieram tentar a sorte no Brasil e no fim  da odisséia, vieram parar no interior de Pernambuco, em Triunfo. 
Na casa de campo dos Barbosa o jovem casal ficou somente quatro dias, neste ínterim o coronel foi resolver suas coisas na cidade e conversar com o prefeito Dão Sampaio Moura Santos, seu velho conhecido do tempo de farras nas noites quentes, cervejas bem frias e das andanças pelo interior do Estado.
Quando regressou da vila, tinha muitas novidades para contar.
Abelardo seria nomeado professor na Escola Municipal e iria ensinar Geografia e Historia. 
A senhorita Susana seria uma das secretarias na "Comissão de Indenização pela Seca", que funcionava junto à municipalidade e o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca).
A estiagem deste ano afetou a muitos pequenos agricultores da área, coisa muito comum na área do nordeste brasileiro.
Este fenômeno era conhecido pelas diversas gerações da população do interior, especialmente no conhecido Retângulo da Seca que englobava parte de pelo menos cinco municípios.
Dizem que a palavra "SERTÃO" deriva de deserto, (DESERTÃO), sei lá, pode ser.

Então as coisas estavam correndo mais ou menos bem para o jovem casal.
-O importante é que já temos trabalho, dizia Abelardo, alugaremos um quarto com refeições na pensão familiar de dona Raimunda, que fica bem no centro da vila e perto do futuro trabalho.
O dinheiro do seu pai seria depositado num banco no Recife e quando necessitarmos pedirei ao coronel Barbosa que nos retire a quantia necessária.
Só espero que na escola tenham material didático das matérias que vou ensinar para que possa me atualizar, pois já faz muito tempo que deixei a historia e a geografia para trás.

Na ultima noite na casa dos Barbosa, estavam todos sentados no alpendre, tomando refresco de pitanga feito por dona Genoveva.
A água usada era das quartinhas que estavam espalhadas por toda parte da casa, aparentemente para esfriar o liquido, cousa possível, pois Triunfo tem um clima agradável e faz até um friozinho ao anoitecer que vai até o fim da madrugada.
Estava sentado conosco um rapaz de 16 ou 17 anos que não tinha sido apresentado ainda.
A conversa começou com a dona Genoveva, contando do que se lembrava da infância dela na Itália, depois o episódio em Triunfo, das duas filhas que vivem na Itália e do moço que está sentado conosco hoje.
-Ele se chama Ramiro Souto Barbosa, disse!
Está estudando na escola técnica de Tapera em Pernambuco, está se preparando para administrar o nosso sitio logo que termine também o treinamento militar, este aqui no interior se chama "Tiro de Guerra" e não é muito prolongado, rapidinho termina e volta pra casa se Deus quiser.
Ele veio especialmente vos conhecer. 
Nos não ficamos cada ano mais jovens, continua dona Genoveva, desta forma será difícil para que administremos no futuro todos os trabalhos agrícolas. A compra de insumos, mercadeio dos produtos, cuidar das contas de caixa, das finanças e assim por adiante.
As filhas não têm intenção nenhuma de voltar com os respectivos maridos para tomar conta do lugar!
Esses "comedores de macarrão" não são de nada dizia ela puxando um sorriso leve nos cantos da boca, pois ela mesma é italiana da gema.

Diga-se de passagem, que dona Genoveva tinha um português muito bom com um mínimo sotaque italiano.

-Isto posto, eu e o coronel tomamos uma decisão, acho até muito correta, adotar o Ramiro que na realidade é um filho natural do coronel.
Dona Genoveva contava o fato com a maior naturalidade e sem que nenhum músculo do seu rosto denunciasse qualquer tensão.
-A  mãe dele faleceu há uns 10 anos atrás, ele ainda criança ficou órfão de mãe. O pai um tipo meio escroto, bebia, não trabalhava no final morreu tísico (tuberculoso).
Não duvidamos nem um tiquinho, fizemos toda papelada e adotamos legalmente o menino.
Hoje é nosso filho (oficializado no cartorio municipal) e  no nosso testamento, ele é o herdeiro único de nossos bens.
Para Abelardo e Susana foi à primeira surpresa da noite, eles ainda não sabiam o que os esperava.
O Ramiro muito caladão pediu licença, disse que estava cansado da viagem e iria se recolher e levou um dos candeeiros do alpendre para o seu quarto.
Ficou uma penumbra e o friozinho noturno já se fazia sentir.


Fim do trecho 1 
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quinta-feira, 5 de junho de 2014

RACISMO, AONDE? (Parte 2)


UM AMOR IMPOSSÍVEL (novela)




                                       Fotos Google Internet (ilustração unicamente)

"BORRADOR" (Quarta feira, 10-11-2010).

Autor: PAULO LISKER
 Israel
 Tema: Racismo, aonde?   (Parte 2) CONTINUAÇÃO DO TRECHO ANTERIOR.
- Como é seu nome menina, seu namorado nem lhe apresentou a família, não foi? Falou o coronel com sua voz de machão.
-Chegou o tempo de lhe conhecer.
Dona Marisol sorria de satisfação e as meninas também.
Os "marmanjos" (os jovens rapazes), já tinham se marchado com os trabalhadores para orientá-los na faina diária e se encontrariam com o irmão e sua noiva na hora do almoço.
- Meu nome é Susana e meu apelido é Xóxa, termino este ano o curso Normal, pretendo estudar Farmácia na Faculdade de Medicina do Recife.
Olhando para Abelardo, o  pai pergunta: 
- Ela é filha de estrangeiros? Donde vem este nome, são de descendencia espanhola, italiana, argentina? De onde?
-Pai, o senhor não acertou, a família dela é da Lituânia, chegaram ao Recife há anos atrás, fugido das perseguições contra os judeus naquele país.
Acrescentou Xóxa: 
-Minha família é de origem judia e claro que assim sou eu também.
Foi demais para o coronel que com toda sua experiência de militar no passado, quase cai pra trás, dona Marisol abriu uns olhões como se escutasse  a noticia da morte de um ente próximo, só as meninas continuaram a abraçar os braços de Xóxa e estavam pouco ligando.

O coronel ao se recuperar do choque de sua vida, dirigiu-se a Dadinho com os olhos fuzilantes e exclama:
-Que aconteceu com você rapaz, nós somos uma família tradicional conhecida em toda Alagoas. Somos com muita honra Cristãos, Católicos Apostólicos Romanos, amicíssimos do bispo Don Etelvino Soares, que até  participou com o Papa no ultimo Concílio em Roma. Que direi a ele, que meu filho quer casar com uma judia do Recife?
Já que estamos falando serio menino, me diz mais uma coisa, esta moça judia é virgem ou já perdeu a virgindade antes de pretender casar?
-Não pai, ela não é mais virgem! Eu fui o primeiro homem que ela namorou, mas que tem isso a ver com o caso? Fui eu quem "descabaçou", tenho intenções de casar com ela, pai.
-Meu filho, quem casará vocês? O padre dos judeus?
O meu amigo Bispo, nunca o fará! Judia e desonrada, tá vendo!
Mas que embrulhada você nos meteu menino, essa agora não é "café pequeno" (maneira de se expressar quando o caso é complicado), esta é mesmo de "rachar" (problema insolúvel).
O coronel estava com a cara vermelha como estivesse a ponto de ter um ataque cardíaco...
Dona Marisol e as meninas não sabiam onde meter a cabeça, no fim levou as meninas para a cozinha para preparar limonada e evitar ouvir esta conversa machista de merda.

O senhor coronel continua o seu inquérito.
-Desculpe-me moça, me desculpe mesmo, porem na nossa família que eu me lembre, nunca houve, nem nunca haverá mestiçagem nem com negros, índios e muito menos com judeus, ainda mais já desvirginada, isso é contra nossos princípios católicos, de vocês judeus não é assim também?
Enquanto eu viver isso não acontecerá na nossa família.
Eu sinto muito! Se vocês vieram pedir  minha bênção ou o consentimento da  sua mãe, podem "tirar o cavalinho da chuva" (coisa impossível), nunca a receberão. Aqui termina esta conversa que seria melhor nunca ter acontecido!
Dadinho estava perplexo e lágrimas rolavam dos seus olhos. 
Xóxa estava também a ponto de cair em pranto.

Moça inteligente, logo entendeu que o clima  de ódio que se formara para com a delicada situação deles, não era em nada melhor que aquela criada pelos seus pais arraigados ortodoxos judeus, no Recife.  
Tudo que é religião, é mesmo uma grande merda, dizia com seus "botões"
Nos dois dias seguintes o silencio imperava na casa grande, o coronel nos seus afazeres, os irmãos de Dadinho depois de uma curta conversa entre eles quase não trocavam nem mais  uma palavra, só as meninas continuavam agarradas com o jovem casal. 
As refeições já não eram de toda a família junta.
O jovem casal fazia no quarto que foi reservado para eles e a comida servida pelas meninas e a mãe dona Marisol que não se conformava com o acontecido, andava choramingando e se lastimando pelos cantos da casa grande.
No terceiro dia de permanência o coronel pediu uma conversa em particular com Dadinho.
Sentaram no alpendre nas clássicas redes sertanejas e o coronel sem muita cerimonia trouxe uma caixa de sapatos e disse a Dadinho:
-Olha aqui menino, aqui nesta caixa de sapatos estão 100 contos de réis contados. Ontem retirei do banco do Estado.
Este dinheiro é para você! 
Dadinho se espantou quando ouviu a noticia, ainda mais depois da rude conversa que tiveram no primeiro dia da visita a fazenda.
-Tem dois caminhos para usar este dinheiro, disse o coronel:
-O primeiro é dar-lo a moça judia e que ela hoje mesmo viaje para a sua gente, os judeus no Recife, e faça com o dinheiro o que quiser e bem entender. Estudar,  comprar uma casa, gastar no que lhe der na veneta.
Agora isso numa condição que nunca mais tenha nenhum contacto com você, fim da linha para sempre!
Se assim for teu desejo, ti mandarei para o Rio e lá terminarás os estudos e depois abrirás uma pratica de advocacia aqui em Alagoas. Nunca mais pensar em amores com essa judia ou qualquer outra dessa raça.
Se não optas por esta proposta, de qualquer maneira ficará a tua disposição os 100 contos de réis.
Leve a sua judia amanhã mesmo de ônibus para fora dos limites de Alagoas.
Se preferires a segunda opção, mando com você uma carta para o coronel Barbosa, em Triunfo. Ele é gente graúda por lá e conseguirá para ti e para tua judia algum trabalho.
Passa a viver por conta própria, esquece de mesada, ela neste momento se acabou.
Com os 100 contos de réis, poderás ti arrumar por lá, até que  tomes juízo.
Dadinho optou pela segunda opção.
Já de manhã cedo a charrete da fazenda os esperava.
Saíram munidos da carta de recomendação prometida pelo seu pai.
Dona Marisol preparou uma caixa com bolinhos de goma, potes de geleia de araçá, laranjas da "Bahia e Mimo do Céu" do quintal (estas últimas parece que em outras partes do Brasil são denominadas "Limão Doce") e um álbum de retratos para que ele não esqueça a família.
A charrete os levou para o centro da cidade e de lá de ônibus rumo a Triunfo em Pernambuco.
A despedida foi cheia de emoções, dona Marisol soluçava as meninas choravam os irmãos deram um abraço, se montaram nos cavalos e cavalgaram para a faina de campo.
O coronel, aborrecido da vida resmungava: 
-Que é que é isso, que choramingar é esse.
Vocês são todas umas "abiloladas", não vêem vocês que agora graças a Deus, Nosso Senhor, estamos livres de judeus na nossa família. Virgem Maria, Deus nos livre e guarde.
O Bispo Don Etelvino, poderá voltar e frequentar nossa casa sem nenhum constrangimento, como fazia de costume todos os domingos apôs a missa para participar conosco do café dominical, que mamãe prepara com suas mãos de anjo.
Dona Marissol abriu num choro histérico e correu com as meninas para a cozinha. 


 Fim do trecho.
Todos os direitos autorais reservados.
Cuidem os créditos

  * O nome dos pais de Dadinho são fictícios, assim como os pais de Susana, para evitar que o caso seja identificado, mesmo hoje.

** A totalidade da narrativa na fazenda "3 cipós", não foi  fruto de testemunha ocular e sim narrado por outrem que presenciou o desenrolar dos fatos in loco e nos transmitiu anos depois do acontecido.
        




domingo, 1 de junho de 2014

RACISMO AONDE??? (Parte 1)

          "UM AMOR IMPOSSÍVEL"
O Caju, fruto  nativo nordestino

Nordeste católico

Fazenda nordestina tipica

                  







                                                       



                                                  Fotos de Alagoas e Palmeira dos Índios. Internet-Google
                                             
 "BORRADOR" (Quarta feira, 10-11-2010).

Autor: PAULO LISKER
 Israel
 Tema: Racismo, aonde?   (Parte 1)

Na noite do casamento do filho de seu Lemle com a filha de seu Vassertaich, realizado no salão da sociedade iídiche (Israelita), toda a família de Xóxa estava convidada, assim como, também, quase toda a colônia judaica do Recife.
Aprontaram-se, só Xóxa com pretexto de não estar se sentindo bem, ficou de cama.
Foi à hora H do plano de fuga do jovem casal da nossa estória.
Nos dias anteriores com a ajuda da empregada fiel Maria José, os dois amantes enviaram bilhetinhos que levavam afora palavras de amor, também o tal plano de fuga, coisa muito comum que acontecia no nosso Recife matuto quando as famílias dos enamorados eram decididamente contra tal união.
Na realidade era esta a noite ideal,  com ninguém em casa, os dois jovens  com o mínimo de bagagem, tomariam o ônibus e iriam buscar guarida na fazenda "OS três CIPÓS", do coronel Monteiro*, pai de Abelardo, em Palmeira dos Índios em Alagoas que ficava bastante distante  de Maceió.
Assim foi, dito e feito.
Ao voltar do casamento lá para as tantas da noite, Susana já tinha "batido asas" e na pensão de Abelardo tinham certeza que ele tinha ido fazer uma visitinha no "randevou" de madama Boteiro, no Pina.
Quando deram conta que Dadinho não voltara na manhã seguinte, ficaram deveras preocupados, queriam até dar parte a policia, mas resolveram esperar mais um pouco. Quem sabe estava dormindo bêbado na cama de sua puta preferida. Tudo podia ser viável naquele tempo de estudante.

Na casa de Xóxa um verdadeiro reboliço, não havia naquela época telefones nas casas para se comunicar e perguntar se a menina estava por lá com as amigas ou coisa assim.
No dia seguinte de manhã bem cedinho os irmãos e irmãs de Xoxa saíram correndo para realizar esta missão. Resultado zero, como se a terra  a tivesse tragado!
A empregada fiel Maria José, vendo o vexame e desespero da família, encostada a porta da cozinha falou para a patroa:
-Patroa, eu acho que dona Xóxa foi com seu Dadinho para estação Rodoviária no cais de Santa Rita e parece que se "mandaram" (viajaram depressa, no jargão popular), para Alagoas, onde mora a família dele. 

Prá que, foi como estourasse uma bomba dentro de casa.
A pobre mãe arrancava os cabelos brancos e lamentava em iídiche: "Gotinhu vus machtmen, ver ken helfn, zi is a meshiguene oifen gantzen kop".(Meu Deus, que fazemos, quem pode ajudar, esta menina esta completamente doida).
O pai, senhor Shlomó, com os olhos apagados, se meteu num quartinho defronte de uma grande janela e continuou a consertar relógios, a sua profissão ainda na Lituânia.
Murmurando (em iídiche), mas para  que todos ouvissem:
-"Far mir iz zi shoin gueshtorben, ich vil zi shoin nisht zein in main leibn" (Eu já não quero vê-la nunca mais na minha vida, para mim ela morreu).
Uma verdadeira tragédia guardaram em segredo o fato por dois ou três dias, por que mais que isso no Recife judaico isto era impossível e o boato correu rapidamente de ponta a ponta da pequena colonia e era o tema quente do momento. Era só do que se falava nos encontros da comunidade.
Desembarcaram em Maceió e seguiram no trem das 10 para Palmeira dos Índios, muitas paradas no caminho, até boiadas atravessam com muita calma os trilhos do trem.
Finalmente chegaram, cansados, mas felizes.
De "charrete", (muito comum naquele tempo), chegou o jovem casal a porteira da fazenda.
Lá estava de guarda um vigia armado de peixeira e espingarda e perguntou o que procuravam.
Dadinho desceu da charrete e disse que ele ele é o filho do Coronel Monteiro* que veio de Recife com a sua noiva fazer uma visita.
O vigia que era novato, não conhecia o filho do patrão que vivia no Recife.
-"Me perdoe meu Sinhô, eu tô por aqui somente dois mês, não cunheço vosmicê e a orde é, de num deixá ninguém entrá"!
-Como é seu nome senhor vigia? Perguntou Dadinho.
-"Oli meu sinhosinho, eu me chamo Sandoval Boamorte de Campo, filho de seu António, da serra dos Viadu, lá pru bem em cima de Sergipe".
-Muito prazer o meu nome é Abelardo, faz favor vá e avise prô meu pai, o coronel, que o seu filho está aqui na porteira, com sua noiva e pede permissão para entrar com a charrete.
-Ta bem meu sinhôsinho, já mando o outro vigia fazê o seu pedido...
Acordou um outro vigia que cochilava debaixo de uma frondosa mangueira carregada de frutas de cor rosada e encostada a cerca do lado da porteira e ordenou:
 -"Fedegoso, levanta aí home, vai correndo pra casa grande pro mode de avisar prô coroné que ele tem visita,  é o filho com a senhora noiva dele, vai home, deixa de sonera, parece que ficô atés de madrugada no Forró de dona Amelia, ô chente, anda, vai, corre bichu do mato"!
Demorou  não mais de 3-4 minutos e Fedegoso voltou correndo e bufando:
-"O coroné mandô revistá os visitante, ele nun tem notiça que o filho tá pra chegar, pode ser genti di Lampião, vá saber, revista e depois manda entrá, mais sem a charrete". E assim foi. Todo cuidado naquela época era pouco.
Junto da casa grande, muita gente estava recebendo ordens do que fazer durante o dia de hoje e amanhã.
Ordenava o coronel: 
-Vocês aí,  pra cortar cana para o engenho de rapadura.
Para outro grupo: 
-"Vão cuidar do fogo", você do boné, "arrancar mandioca para secar e fazer raspas", "tu pra ordenha",  "tu aí Joca e Mané vão cuidar dos cavalos e do rebanho bovino".
Fazenda produtiva segundo o IBRA, não tinha duvidas.
Muitos pares de olhos voltados para a parelha de jovens que chegaram de visita.
O pessoal foi embora para trabalho, foi então que a alegria do encontro chegou ao seu apogeu.
Muitos abraços, beijos, pequenas perguntas que ficaram sem respostas. Dona Marisol* chamou todos para a mesa forrada com um lindo trabalho de Renda do Ceará.

Logo foi servido o café feito na hora, no coador, cheiroso a bessa de dar gosto, bolinhos de goma, especialidade de dona Marisol e no fim as meninas serviram limonada dos frutos que produziam no quintal os velhos limoeiros do tempo dos avós do senhor coronel.
Sentaram, saborearam o  gostoso e aromático café "da Terra" e os bolinhos de goma com aroma de rosas, verdadeira obra de arte das mãos de dona Marisol, uma receita que passava de mãe pra filha, diversas gerações.
Agora podiam começar a conversar a vontade depois de tanto tempo que não viam o filho querido que estudava no Recife.
As duas meninas sentadas nos dois lados de Xóxa seguravam cada qual um dos braços e faziam-lhe caricias.
Dona Marisol não tirava os olhos da possível "futura noiva" de Dadinho e quem sabe, já pensava em casamento, para o próximo verão.

NOTA: Uma rápida resenha sobre a moradia ( CASA GRANDE), do Coronel Monteiro e dona Marisol:

Nesta casa não era comum ter empregadas e todo o trabalho era realizado pelo ramo feminino da família".
Raramente, quando era necessária uma grande limpeza ou faziam uma festa, chamavam algumas mulheres que viviam com os trabalhadores da fazenda num vilarejo próximo. Porem de resto, todo o trabalho, era mão de obra familiar.

Fazenda bem administrada, limpa, não se via uma mosca, aqui e ali usavam "papel pega mosca" que em geral tinham pegado outros insetos e não moscas.
Não tinha agua potável encanada, utilizavam um cata vento junto a uma velha cacimba  que levantava a agua para uma caixa d'água e as sobras conduziam pelo "ladrão" para uma cisterna que também recebia agua das chuvas que escorria pelas calhas que contornavam o enorme telhado de telhas vermelhas e segundo as lembranças de Dadinho dava para o uso durante todo o ano (até piabas viviam nas suas aguas límpidas).
Na cozinha, nos 2 fogões, usavam lenha ou carvão vegetal que compravam na vizinhança.
Luz eletrica ainda não tinha chegado por aqui (esta situação era normal em quase todo interior do Brasil), usavam candeeiros a querosene e alcoviteiros para iluminar de noite.
O pior de tudo eram que as fossas, (havia 4 delas), para evitar que enchessem muito rápido, estavam afastadas da Casa Grande e com muita razão, pois se estivessem perto de casa poderiam contaminar a única cacimba que fornecia o precioso liquido para todos os usos da casa e de família". 
Esta construção tinha na época pelo menos 200 anos, segundo as escrituras no Cartório do escrivão Dr. Macedo situado em Maceió das Alagoas. 
Até aqui a rápida resenha descritiva sobre a casa grande dos Monteiro.**
 Trecho 1, deste capitulo.
Todos os direitos autorais reservados.
Cuidem com os créditos.
*  O nome dos pais de Dadinho são fictícios, assim como os pais de Susana, para evitar que o caso seja identificado, mesmo hoje.

** A totalidade da narrativa na fazenda "3 cipós", não foi  fruto de testemunha ocular e sim narrado por outrem que presenciou o desenrolar dos fatos in loco e nos transmitiu anos depois do acontecido.