sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O SANTO DE BEBERIBE (Parte 4, final)

O SANTO DE BEBERIBE  


O que me lembro do Recife "matuto".
Paulo Lisker
Israel

A terceira aquarela do Recife judaico
O SANTO DE BEBERIBE-(Hamalach - O Santo)
Parte 4-Final
Outros tempos, Bondes para Beberibe e outras áreas suburbanas do Recife no principio do seculo XX
                                                       Foto: Google, Internet

Agora voltamos aos tempos do "santo" Meierle em Beberibe.
Naqueles anos sem bondes e pouquíssimas linhas de ônibus que chegavam a este subúrbio era este sitio um lugar muito afastado mesmo. 
Como diziam no falar do povo: "Um lugar onde Judas perdeu as botas". Sabem o significado disso? Pois bem, ai vai a explicação:
Judas recebeu como pagamento pela traição do seu mestre Jesus, 30 moedas e as escondeu dentro das botas. Fugindo de seus perseguidores e para correr mais rápido as descalçou e as escondeu entre as pedras do caminho. Como nunca mais voltou ao local, então todos os povos daquela área viviam procurando as botas de Judas para levar o dinheiro, nelas escondido.
Até aí lendas, agora voltaremos a realidade.
O "santo" era um senhor franzino baixinho de cabelos brancos e bem lisos, olhos da cor das esmeraldas, sempre vestido com roupas de tecido de fustão natural ou de "brim" de linho branco, calçava alpercatas das mais simples que sempre comprava nas feiras livres do arraial ou nas vizinhanças por onde peregrinava nas suas andanças.
Na realidade se parecia a um frade de algum convento austero ou um anjo que baixara a terra por uns tempos, daí pegou o apelido "o Santo", ou der Mulech (o santo, em iídiche derivado do hebraico).
Se não me engano ele era "meio vegetariano"por convicção própria (se existe tal definição). Só comia as suas próprias hortaliças e frutas as quais eram produzidas no seu sitio.
Agora no Brasil, no seu Beberibe de "verão eterno", podia produzir agricultura durante todo o ano. Que beleza.
Sem neve durante os meses de inverno, como acontecia na Europa e que impossibilitava fazer qualquer atividade agrícola. Isso se acabou, graças ao bom Deus.
Seu comportamento era meio estranho, parecia ser "vegetariano" ou coisa parecida, porém ás vezes comia peixe que abundava nos rios e riachos da vizinhança.
Em tempo é bom frisar que só se alimentava daqueles peixes que tinham escamas, pois estes eram considerados Cusher (permitidos para aqueles que guardam algo dos costumes religiosos judaicos).
A saber, os peixes sem escamas, são terminantemente proibidos para a alimentação dos crentes judeus por serem considerados "Treifá", proibido para consumo humano.
Sem duvida nenhuma podemos dizer que no seu sitio nunca foi usado nenhum produto químico para adubar a horta ou para a sanidade vegetal ou animal.
Até o combate aos carrapatos das três vacas e uma bezerrinha que possuía, era uma praga de difícil controle, especialmente num clima tropical e de alta umidade relativa do ar.
Ele os combatia com a ajuda das valentes galinhas "carijó" (aquelas do pescoço vermelho e em geral pelado), que as criava soltas no terreiro. 
Estas galinhas, caçavam e devoravam os carrapatos quando estes caiam do corpo das vacas no solo para procriar e assim evitavam a infestação sucessiva. As vacas ficavam livres dos carrapatos e estes serviam como proteína de primeira qualidade para as galinhas. Desta forma se rompia o ciclo reprodutivo deste perigoso parasita sem utilizar os tradicionais "banhos" adicionando a água um material químico altamente venenoso ao solo e fontes hídricas.
Os ovos destas galinhas, livres de alimento concentrado (ração) ou hormônios (coisas da tecnologia moderna), tinham gemas vermelhas feito às telhas de antigamente. Vinha gente de longe comprar ovos das poedeiras do "santo Meierle" que ele mesmo nunca os provou.
Este homem foi o precursor da agricultura sustentável e orgânica no Brasil.
Os imigrantes japoneses que foram assentados em São Paulo adotaram este sistema de produção agrícola muito depois dele em Beberibe.
Agora vá e procure nos anais da historia da agricultura brasileira ou pernambucana, alguma referencia sobre este fato, "necas" (nada, na língua do povo), nem só uma única palavra. 
Só agora estamos dando publico a este acontecimento e as honras merecidas ao "Santo" Meierle,  este veterano precursor do sistema agrícola "orgânico" e sustentável no Brasil. 
Em tempo vale a pena acrescentar que outros judeus que possuíam parcelas de terras (sítios), também optaram por este mesmo sistema de agricultura caseira sem nenhum conhecimento anterior e assim procediam por achar que a agricultura tem que ser a mais natural possível e com a minima  intervenção humana para não ferir a natureza que produz os nossos alimentos.
Hoje este tipo de produção é um surto do "chique", quase incontrolável no mundo rico, de "barriga cheia". Só eles podem-se dar ao luxo de consumir produtos comestíveis produzidos segundo a agricultura orgânica e sustentável, pois ela é cara "pra cacete" (por demais).
Naqueles bons tempos era a única maneira de produzir comida barata sem insumos artificiais quaisquer que só hoje sabemos quanto prejudiciais  são ao ser humano e a natureza, quando mal utilizados.
Com a chegada do bondes a este arrabalde, o "santo" que cultivava a sua horta, um pomarzinho com alguns "pés de pau" (de fruta local), tudo era "pé franco", nada de enxerto e ademais na sua pequena vacaria produzia uma excelente coalhada. 
Não me perguntem em que condições de higiene, isso só Deus sabe. Mas que ele era pedante, isso não tenham duvidas.
De passagem pode-se dizer que seus ajudantes na faina agrícola eram por demais cuidadosos nos seus afazeres, aprenderam a se conduzir assim com o "santo" e seu "maneirismo". 
E mais, tem trabalhos agrícolas que estão inseridos na bíblia e que exigem o máximo cuidado e tratamento na sua execução. Vai até mais longe e exige que somente judeus sejam aqueles que o elaborem. 
A saber: Todo o processo do vinho, dos produtos lácteos, abate de aves e animais quadrúpedes, tem que ser realizado unicamente por judeus.
Está escrito e o crente seguirá os mandamentos ao pé da letra, pois só assim os produtos elaborados serão considerados "casher le mehadrim", permitidos para alimentação de acordo com os princípios ditados pela religião judaica.
Os judeus sempre deram um valor medicinal à coalhada, especialmente para o bom funcionamento e problemas no aparelho digestivo. Costumes importados das pequenas aldeias européias (shteitlach), onde viviam no passado.
Mesmo quando o leite coalhava (azedava na língua do povo), que muito acontecia nas condições domesticas e o processo artesanal de produção, nada se perdia.
Nas aldeias pobres do leste europeu, com este leite produziam queijo branco caseiro que se conservava durante muito tempo em relação à matéria prima, o leite, que logo se deteriorava.

Com a chegada dos bondes a este subúrbio, o "santo" Meierle se mandava (viajava) para o Recife duas vezes por semana.
Levava a sua produção de coalhada num grande "sloi" (Um garrafão de vidro de boca bem larga) "tapado" (coberto, na língua do povo) com um trapo de pano branco como neve para evitar poeira, moscas e outras impurezas que eventualmente poderiam cair no seu interior. 
Poeira, não, porem qualquer inseto que caísse no produto já elaborado, o contaminava e o transformava em "não casher" e absolutamente inutilizado para alimento de judeu crente ortodoxo. O santo cuidava demais por servir um alimento produzido no seu sitio segundo as regras mais severas da "cashrut".
Levava ademais uma lata com manteiga de cor amarela. Tudo de fabricação caseira artesanal.
Um meninote que vivia no sitio acompanhava o senhor Meierel e ajudava com os vasilhames para subir e descer dos bondes e perambular pelas ruas do bairro da Boa Vista no Recife.
A venda da coalhada era feita na porta das casas.
Usava uma grande concha de sopa para despejar o produto direto nas panelas das freguesas. Quatro conchas bem cheiinhas eram consideradas um litro e o pagamento de acordo.
Naquele tempo não era muito normal ver o "santo" ser chamado aos postigos das casas de não judeus quando ele passava no Bairro da Boa Vista vendendo os produtos do seu sitio (Bairro mormente de população judaica). 
Para mim quando menino me parecia estranho. Com o tempo os veteranos da nossa colonia me deram a explicação. Diziam eles que parte da população local por mais que cuidasse, sofria de problemas gástricos (diarreias ou prisão de ventre) e a solução era em geral uma dieta de alguns dias com a coalhada do santo de Beberibe.
Já com a manteiga, que eu saiba, ela não tinha grande aceitação entre os judeus, pelo menos na minha casa ou das nossas vizinhas.
Talvez pela cor amarelada ou pelo seu gosto meio rançoso e preço caro.
Diziam que para não levar de volta o produto sobrante para o sitio, ele vendia pela metade do preço ao senhor Lopes, um portuga, dono de uma venda de secos e molhados na esquina da Rua Gervásio Pires com a Rua do Jiriquiti. Em casos raros deixava também na venda de senhor Ambrósio (também de origem portuguesa) no Pátio da Santa Cruz. Nestas quitandas (em geral todos os donos de quitandas eram de origem portuguesa), este produto tinha boa saída, pois vendiam aos goim (não judeus) que apreciavam esta manteiga e até elogiavam o "judeuzinho franzino" (o Santo) por fazer uma coisa saudável e tão apetitosa. Era meio fedorenta e rançosa, porém quanto ao gosto e cheiro, quando se trata dos oriundos de Portugal, então cheirinho e sabor esquisito não se discute.
Ele também deixava a manteiga na venda dos judeus do senhor Salomão e dona Rosa Litvin na Rua da Matriz, mas não resultou. Os fregueses eram em geral judeus e a manteiga amarelada e rançosa, não era do paladar do judeu de origem européia. No fim o que sobrava davam aos gatos caçadores de ratos na venda de dona Rosa e aos demais da Rua da Matriz.
As poucas vezes que compramos esta manteiga dele foi quando a oficial sumia do mercado (já escrevemos noutra crônica sobre este fenômeno muito comum no Recife matuto). Lembro que a medida era a nossa mantegueira, aquele objeto de vidro que se punha sobre a mesa com manteiga. O santo enchia a mantegueira com uma espátula de pedreiro e cobrava o preço que cobria pelo seu trabalho e transporte. Era uma manteiga cara, mas para que não faltasse em casa, comprávamos mesmo contra gosto.
Cabe salientar que as condições e o processo da produção eram as mais primitivos, como na idade medieval, sem botar nem tirar.

A família Meierel apesar do passado sofrido pelo trabalho da terra, tanto na Europa com no sitio em Beberibe, a pobreza em que vivia, vendendo algo da produção, mormente perecível, de porta em porta no bairro da Boa Vista quase uma hora e meia de viagem de bonde de Beberibe, nunca deu o braço a torcer. Verão e inverno estava ele e o menino ajudante, caminhando de porta a porta oferecendo os seus produtos alimentares (lácteos e hortigranjeiros) oriundos da seu sitio em Beberibe.  
Aí vem a grande vitória de vencer mesmo contra tudo e todos, a terceira geração desta família tem estudos universitários e todos depois de alguns anos estavam bem de vida.
É como diz o Psico terapeuta e escritor recifense o Dr. Meraldo Zisman:
"OS FILHOS DOUTORES DOS IMIGRANTES JUDEUS PRESTAMISTAS" 
Compreensivo esta rejeição de relembrar um passado doloroso, porém nem por isso menos glorioso, heróico e o mais curioso desses judeus:
"Analfabetos formadores de doutores”.


Fim da terceira "Aquarela judaica do Recife", O SANTO MEIERLE DE BEBERIBE. Possivelmente existiram mais algumas e nós não os detectamos por falta de nossa capacidade no assunto. Que me perdoem os que ficaram incógnitos. Sinto muito.
Paulo Lisker


domingo, 11 de janeiro de 2015

O SANTO DE BEBERIBE (Parte 3)



O SANTO DE BEBERIBE  (parte 3)





Vendendo algum produto lácteo nas ruas da vila (o jumento, a carroça e o tonel com o produto).
Foto: Google - Internet 
Os pregões que me lembro do Recife "matuto".
Paulo Lisker
Israel

A terceira aquarela do Recife judaico
O SANTO DE BEBERIBE-(Hamalach - O Santo)
Parte 3



Em Beberibe ele tinha um sitio e lá vivia. 
Era um dos poucos judeus que eu lembre que eram "donos de terras" (um sitiozinho). Certeza se ele mesmo era o proprietário não tenho. Uma possibilidade seria que o tal sitio era arrendado de outrem.
Os outros eram:
Os Choze, que tinham um sitio plantado com coqueiros anão, lá para os lados de Paulista e ademais na época de safra em Pernambuco fazia doce artesanal de "jaca dura". Certamente não vivia disso, pois tinha uma joalharia enorme na Rua do Rangel.
Outro era o senhor Faingold que tinha umas terras lá para o lado das Mercês e plantava laranjas de boa qualidade e até utilizava plantio em "curvas de nível", pois tinha o terreno por demais ondulado e assim evitava a erosão do solo. 
Os Mesel que tinham umas terras lá para aquelas bandas de Beberibe.  (se alugadas ou não, desconheço), sei que as cuidava e administrava com muito carinho e produzia agro pecuária em pequena escala como um bom profissional na matéria.
O casal Marcos e Sure (Sarah) Sterenstein também tinham um sitio nas cercanias e parece que se contentavam com o que produziam e até punham a disposição dos veranistas judeus do Recife, os seus alojamentos. Nos tempos das ferias colegiais cedia parte do seu sitio para montar o acampamento de movimento juvenil de grupos sionistas que se preparavam para ascender um dia a "Terra Santa", Israel.
Até meu tio Jorge (Naftali) Weinberg, se meteu no agreste nordestino e produzia algodão "Mocó" e mandioca. Contam que já naquele tempo ele exportava "raspas de mandioca" para os países nórdicos.
Possivelmente mais algum outro judeu vivia metido no mato produzindo alguma agricultura, mas era raro demais, não era nada comum que judeus sem mais nem menos se metessem no mato logo ao chegar ao novo continente.
Em geral eles se estabeleciam junto a seus patrícios num núcleo urbano por menor que fosse, e lá se fixavam.
Buscavam a possibilidade de alugar um lugar para morar, queriam a existência de uma escola primaria (iídiche) para os meninos, receber conselhos dos veteranos no que diz respeito no que trabalhar para poder sobreviver. Em geral o primeiro trabalho (às vezes era para toda a vida), eram as vendas de porta em porta nos subúrbios, a conhecida profissão de "ambulante prestamista" (em iídiche, "klientelchick), vendendo a credito (prestação) a população menos favorecida. 
Outros serviços importantes para o emigrante era a existência de serviços religiosos, açougue que vendesse carne casher (abate segundo as o ritual judaico).
Que o idioma "iídiche" fosse conhecido e praticado pela maioria da comunidade para uma fácil e pronta comunicabilidade. A existência de um lugar para rezar  (a sinagoga) e para festejar os dias comemorativos do calendário judaico. Um cemitério em que o defunto recebesse um tratamento regido pelas normas religiosas judaicas, pois até para ser enterrado necessita seguir as normas ditadas pela bíblia. "Difícil de ser judeu" (Shveir tzi zain a iíd, em iídiche). Assim dizem os patrícios entre si;
Logo se organizavam e formavam uma comunidade, procurando criar os serviços mais necessários para manter os seus costumes tradicionais trazidos de Europa como parte de sua bagagem cultural e religiosa. 
Por isso mesmo se meter no mato sem todas essas "mordomias" que todo judeu recém chegado necessita (até exige), fica meio difícil de acreditar que por sua livre e própria vontade deixe o "calor" da sua comunidade e se vá meter a trabalhar a terra nos arrabaldes ou mesmo no interior do Estado. É difícil, mas acontece, pois a vida também tem dessas coisas. 

O que se sabia do passado da enorme família Meierel na Europa era que vivia numa "nesga de terra" (diminuta parcela) como "vassalo" (arrendatário) de um "puretz" (goi, rico e dono de terras).
Estava longe de qualquer cidade ou da "civilização" em geral.
Agarrava-se a ela com unhas e dentes e trabalhava arduamente no verão quente e nos invernos dum frio danado, lutava para sobreviver, pois a neve cobria toda a região com pelo menos um metro de espessura de gelo.
Trabalhar a terra no inverno, nem se fala, pois o frio intenso a tornava dura feito concreto armado, nem picareta ajudava.
Assim sendo, tinha que conseguir bastante produção no verão para sobreviver o inverno, ele, a família e seus animais domésticos.
Mesmo nestas austeras condições, cumpriam com todos os mandamentos religiosos judaicos no que diz respeito à exploração da terra e cuidados com os animais.
Saibam que a religião judaica é uma filosofia de vida, tem mandamentos e regras de como interpretar tudo que acontece no universo e as soluções são como dita a Bíblia.
O descanso no sábado é sagrado e era uma praxe mais do que normal. Paralisavam todas as atividades agrícolas na granja para descansar, rezar, ler e reler a Bíblia sagrada e nada mais alem disso.
O judeu "crente" não estava envolvido em nenhuma atividade física. Não havia exceções nem para as atividades agrícolas.  Quando fosse necessário executar alguma atividade no Sábado (shabat), assim como, a ordenha (atividade imprescindível neste ramo pecuário), ou servir alimentos aos animais, então pagavam a um goi (não judeu), para realizar esta missão, pois o sábado é sagrado, nem acender fogo nem trabalho de espécie algum.
Era "pausa pra meditação", tanto no sábado, assim como nas datas religiosas do calendário judaico e no ano "sabático".
No ano "sabático" (o sétimo ano de uso continuo do solo com as atividades agrícolas), deixavam a terra descansar. Esta ficava ao ermo recuperando-se durante o ano todo. 
Esta regra incluía também os animais de serviço, eles passavam o ano todo pastando, ruminando e vagabundando.
Era norma obrigatória a pratica da rotação de cultivos (Machzor Zraím, em hebraico).
Explico-me: Um determinado cultivo só era permitido voltar e ser semeado na mesma terra quatro anos depois de colhido, isto para não possibilitar as enfermidades e insetos predadores do solo se arraigar (ficassem bem instalados) e atacar o mesmo cultivo caso voltassem a semear no ano seguinte.
Nunca praticavam o "kilaim*" (cultivo consorciado, dois gêneros de vegetais distintos no mesmo campo ao mesmo tempo, ex. milho e feijão semeado juntos). Esta pratica estava condenada como impropria pela Bíblia.
Nos tempos bíblicos, livravam também os escravos (naquele tempo era permitido), para que pudessem se recuperar. Queiram ou não, essa Bíblia dos judeus era um compendio de leis sociais e normas de trabalho que antecedeu quase três milênios a era moderna quando alguém pensou sobre este tema.  
Ele cumpria com esta serie de leis e regras do trabalho agrícola, como ditam os princípios religiosos. Uma espécie de agricultura segundo as escrituras sagradas.  
O senhor Meierle e sua família se conduziam como agricultores da "Terra Santa" nos tempos bíblicos. Pelo menos se esforçavam por fazê-lo.  
Viviam do que produziam, pagavam pelo uso da terra ao "Purets" com um quinto da produção, armazenavam algum excedente para os tempos que a neve cobria tudo e impossibilitava as fainas agrícolas. Algo vendia nas feiras de vassalos da região, todo domingo.
O trabalho era todo ele realizado pela família sem nenhum assalariado goi (não judeu).
"Casher le mehadrin" (cuidados sanitários e regras religiosas sem que falte "nem um ponto nos ii") coisa difícil de realizar nas condições de vassalo e trabalho em campos alheios, mas faziam tudo para cumprir como diz a Bíblia sagrada.
Tem um ditado curto em iídiche que diz tudo: "Difícil de ser judeu". Porem os Meierles se conduziam perante Deus e o mundo como judeus ortodoxos e cumpriam todos os mandamentos como os seus ancestrais.
No final das contas era uma clássica agricultura de subsistência como a do nosso matuto camponês brasileiro no interior com uma diferença que tinha ademais que seguir as leis ditadas pela bíblia no que diz respeito ao trabalho da terra.
Um dia eles se aborreceram os com o "Puretz" que exigia cada vez mais do seu vassalo, mesmo em anos que a produção se perdera por este ou aquele motivo, climático ou sementes defeituosas que não germinaram. A chuva não foi suficiente na época em que os cultivos dela necessitavam ou violento ataque de milhares de pássaros famintos provenientes da Sibéria gelada e assim por adiante.
Aborrecido, arrumou sua trouxa e veio embora com a família, como fizeram muitos judeus europeus no principio do século XX, em busca de uma nova vida, sem Puretz (donos de terra exploradores dos pobres vassalos), livres de pogrom (violência, perseguição contra judeus) e pássaros famintos vindos da Sibéria. 
Um dia a coisa rebentou , não aguentavam mais o sofrimento e bradaram baixo o ceu europeu: "Que se vão à merda,  filhos duma egua", vamo-nos embora para o Novo Mundo, prá América"
Decididos e cheios de esperanças rumaram para o "desconhecido", os Meierls vieram parar no porto razo do Recife.
Até aqui a terceira parte do SANTO DE BEBERIBE.
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