O SANTO DE BEBERIBE (parte 3)
Vendendo algum
produto lácteo nas ruas da vila (o jumento, a carroça e o tonel com o produto).
Foto: Google -
Internet
Os pregões que me lembro do Recife "matuto".
Os pregões que me lembro do Recife "matuto".
Paulo Lisker
Israel
A terceira
aquarela do Recife judaico
O SANTO DE
BEBERIBE-(Hamalach - O Santo)
Parte 3
Em Beberibe ele
tinha um sitio e lá vivia.
Era um dos poucos
judeus que eu lembre que eram "donos de terras" (um sitiozinho).
Certeza se ele mesmo era o proprietário não tenho. Uma possibilidade seria que
o tal sitio era arrendado de outrem.
Os outros eram:
Os Choze, que
tinham um sitio plantado com coqueiros anão, lá para os lados de Paulista e
ademais na época de safra em Pernambuco fazia doce artesanal de "jaca
dura". Certamente não vivia disso, pois tinha uma joalharia enorme na Rua
do Rangel.
Outro era o senhor
Faingold que tinha umas terras lá para o lado das Mercês e plantava laranjas de
boa qualidade e até utilizava plantio em "curvas de nível", pois
tinha o terreno por demais ondulado e assim evitava a erosão do solo.
Os Mesel que
tinham umas terras lá para aquelas bandas de Beberibe. (se
alugadas ou não, desconheço), sei que as cuidava e administrava com muito
carinho e produzia agro pecuária em pequena escala como um bom profissional na
matéria.
O casal Marcos e
Sure (Sarah) Sterenstein também tinham um sitio nas cercanias e parece que se
contentavam com o que produziam e até punham a disposição dos veranistas judeus
do Recife, os seus alojamentos. Nos tempos das ferias colegiais cedia parte do
seu sitio para montar o acampamento de movimento juvenil de grupos sionistas
que se preparavam para ascender um dia a "Terra Santa", Israel.
Até meu tio Jorge
(Naftali) Weinberg, se meteu no agreste nordestino e produzia algodão
"Mocó" e mandioca. Contam que já naquele tempo ele exportava "raspas
de mandioca" para os países nórdicos.
Possivelmente mais
algum outro judeu vivia metido no mato produzindo alguma agricultura, mas era
raro demais, não era nada comum que judeus sem mais nem menos se metessem
no mato logo ao chegar ao novo continente.
Em geral eles se
estabeleciam junto a seus patrícios num núcleo urbano por menor que fosse, e lá
se fixavam.
Buscavam a
possibilidade de alugar um lugar para morar, queriam a existência de uma escola
primaria (iídiche) para os meninos, receber conselhos dos veteranos no que diz
respeito no que trabalhar para poder sobreviver. Em geral o primeiro
trabalho (às vezes era para toda a vida), eram as vendas de porta em porta nos
subúrbios, a conhecida profissão de "ambulante prestamista" (em iídiche,
"klientelchick), vendendo a credito (prestação) a população menos
favorecida.
Outros serviços
importantes para o emigrante era a existência de serviços religiosos, açougue
que vendesse carne casher (abate segundo as o ritual judaico).
Que o idioma
"iídiche" fosse conhecido e praticado pela maioria da comunidade para
uma fácil e pronta comunicabilidade. A existência de um lugar para
rezar (a sinagoga) e para festejar os dias comemorativos do
calendário judaico. Um cemitério em que o defunto recebesse um tratamento
regido pelas normas religiosas judaicas, pois até para ser enterrado necessita
seguir as normas ditadas pela bíblia. "Difícil de ser judeu" (Shveir
tzi zain a iíd, em iídiche). Assim dizem os patrícios entre si;
Logo se
organizavam e formavam uma comunidade, procurando criar os serviços mais
necessários para manter os seus costumes tradicionais trazidos de Europa como
parte de sua bagagem cultural e religiosa.
Por isso mesmo se
meter no mato sem todas essas "mordomias" que todo judeu recém
chegado necessita (até exige), fica meio difícil de acreditar que por sua livre
e própria vontade deixe o "calor" da sua comunidade e se vá meter a
trabalhar a terra nos arrabaldes ou mesmo no interior do Estado. É difícil, mas
acontece, pois a vida também tem dessas coisas.
O que se sabia do
passado da enorme família Meierel na Europa era que vivia numa "nesga
de terra" (diminuta parcela) como "vassalo" (arrendatário) de um "puretz" (goi, rico
e dono de terras).
Estava longe de qualquer cidade ou da "civilização" em geral.
Agarrava-se a ela
com unhas e dentes e trabalhava arduamente no verão quente e nos invernos dum
frio danado, lutava para sobreviver, pois a neve cobria toda a região com pelo
menos um metro de espessura de gelo.
Trabalhar a terra
no inverno, nem se fala, pois o frio intenso a tornava dura feito concreto
armado, nem picareta ajudava.
Assim sendo, tinha
que conseguir bastante produção no verão para sobreviver o inverno, ele, a
família e seus animais domésticos.
Mesmo nestas
austeras condições, cumpriam com todos os mandamentos religiosos judaicos no
que diz respeito à exploração da terra e cuidados com os animais.
Saibam que a
religião judaica é uma filosofia de vida, tem mandamentos e regras de como
interpretar tudo que acontece no universo e as soluções são como dita a Bíblia.
O descanso no
sábado é sagrado e era uma praxe mais do que normal. Paralisavam todas as
atividades agrícolas na granja para descansar, rezar, ler e reler a Bíblia
sagrada e nada mais alem disso.
O judeu
"crente" não estava envolvido em nenhuma atividade física. Não havia exceções
nem para as atividades agrícolas. Quando fosse necessário executar alguma
atividade no Sábado (shabat), assim como, a ordenha (atividade imprescindível neste
ramo pecuário), ou servir alimentos aos animais, então pagavam a um goi (não judeu),
para realizar esta missão, pois o sábado é sagrado, nem acender fogo nem
trabalho de espécie algum.
Era "pausa
pra meditação", tanto no sábado, assim como nas datas religiosas do calendário
judaico e no ano "sabático".
Esta regra incluía também os animais de serviço, eles passavam o ano todo pastando, ruminando e vagabundando.
Era norma obrigatória a pratica
da rotação de cultivos (Machzor Zraím, em hebraico).
Explico-me: Um determinado cultivo só era permitido voltar e ser semeado na mesma terra quatro anos depois de colhido, isto para não possibilitar as enfermidades e insetos predadores do solo se arraigar (ficassem bem instalados) e atacar o mesmo cultivo caso voltassem a semear no ano seguinte.
Explico-me: Um determinado cultivo só era permitido voltar e ser semeado na mesma terra quatro anos depois de colhido, isto para não possibilitar as enfermidades e insetos predadores do solo se arraigar (ficassem bem instalados) e atacar o mesmo cultivo caso voltassem a semear no ano seguinte.
Nunca praticavam o
"kilaim*" (cultivo consorciado, dois gêneros de vegetais distintos no
mesmo campo ao mesmo tempo, ex. milho e feijão semeado juntos). Esta pratica estava condenada como impropria pela Bíblia.
Nos tempos
bíblicos, livravam também os escravos (naquele tempo era permitido), para que
pudessem se recuperar. Queiram ou não, essa Bíblia dos judeus era um compendio
de leis sociais e normas de trabalho que antecedeu quase três milênios a era moderna
quando alguém pensou sobre este tema.
Ele cumpria com
esta serie de leis e regras do trabalho agrícola, como ditam os princípios religiosos.
Uma espécie de agricultura segundo as escrituras sagradas.
O senhor Meierle e sua família se
conduziam como agricultores da "Terra Santa" nos tempos bíblicos.
Pelo menos se esforçavam por fazê-lo.
Viviam do que
produziam, pagavam pelo uso da terra ao "Purets" com um quinto da
produção, armazenavam algum excedente para os tempos que a neve cobria tudo e
impossibilitava as fainas agrícolas. Algo vendia nas feiras de vassalos da
região, todo domingo.
O trabalho era todo ele realizado pela família sem nenhum assalariado goi (não judeu).
"Casher le
mehadrin" (cuidados sanitários e regras religiosas sem que falte "nem
um ponto nos ii") coisa difícil de realizar nas condições de vassalo e
trabalho em campos alheios, mas faziam tudo para cumprir como diz a Bíblia
sagrada.
Tem um ditado curto
em iídiche que diz tudo: "Difícil
de ser judeu". Porem os Meierles se conduziam perante Deus e o
mundo como judeus ortodoxos e cumpriam todos os mandamentos como os seus
ancestrais.
No final das contas
era uma clássica agricultura de subsistência como a do nosso matuto camponês brasileiro no interior com uma diferença que tinha ademais que seguir as leis
ditadas pela bíblia no que diz respeito ao trabalho da terra.
Um dia eles se
aborreceram os com o "Puretz" que exigia cada vez mais do seu vassalo,
mesmo em anos que a produção se perdera por este ou aquele motivo, climático ou
sementes defeituosas que não germinaram. A chuva não foi suficiente na época em
que os cultivos dela necessitavam ou violento ataque de milhares de pássaros
famintos provenientes da Sibéria gelada e assim por adiante.
Aborrecido, arrumou
sua trouxa e veio embora com a família, como fizeram muitos judeus europeus no
principio do século XX, em busca de uma nova vida, sem Puretz (donos de terra exploradores dos pobres vassalos), livres de
pogrom (violência, perseguição contra judeus) e pássaros famintos vindos da
Sibéria.
Um dia a coisa rebentou , não aguentavam mais o sofrimento e bradaram baixo o ceu europeu: "Que se vão à merda, filhos duma egua", vamo-nos embora para o Novo Mundo, prá América"
Um dia a coisa rebentou , não aguentavam mais o sofrimento e bradaram baixo o ceu europeu: "Que se vão à merda, filhos duma egua", vamo-nos embora para o Novo Mundo, prá América"
Decididos e cheios de esperanças rumaram para o "desconhecido",
os Meierls vieram parar no porto razo do Recife.
Até aqui a terceira parte do SANTO DE BEBERIBE.
Todos os direitos autorais reservados.
Cuide do Créditos
Até aqui a terceira parte do SANTO DE BEBERIBE.
Todos os direitos autorais reservados.
Cuide do Créditos
Dr. Ary Rushansky Recife
ResponderExcluirDISSE:
Paulo
Você è genial.
Minha esperança é que suas crônicas se perpetuem e possam a esclarecer as nossas gerações jovens.
Lembro que poderias incluir o "Banco Popular Israelita de Pernambuco" que bastante auxiliou os klientelchikes (prestamistas) recém chegados ao Recife.
Do seu apreciador.
Ary
Eng. Isaias Rosenblatt Recife
ResponderExcluirDISSE:
Curioso, não conheço ninguém da comunidade do Recife hoje em dia, mesmo alguns que têm terras em Carpina, Paudalho, Gravatá, que tenha interesses maiores em agricultura.
As casas são para veraneio.
A comunidade hoje é toda urbana e de profissionais liberais, mesmo os comerciantes são minoria.
Eng. Agr. Ildo Eliezer Lederman- Israel
ResponderExcluirDISSE:
Olá Paulo
Tenho acompanhado e lido com interesse os 03 últimos capitulos da sua nova cronica ' O santo de Beberibe'.
Helinho