segunda-feira, 11 de novembro de 2013

"DAS CONVERSAS COM MEU AVÔ" EPILOGO (NO SOTÃO). Capitulo Final

 "DAS CONVERSAS COM MEU AVÔ"
Capitulo final


Cais de Santa Rita e o chuchu
Fotos Google internet

Tema: EPILOGO (NO SÓTÃO).
Rehovot, 24-06-2011.
PAULO LISKER-Israel.

Depois do sumiço (desaparecimento, em nordestino) do meu avô para sempre, as coisas mudaram muito.
O casarão na Gervásio Pires e os personagens do cotidiano já não eram a mesma coisa como antes.
Os amigos do meu avô parte faleceram e outros já não nos visitavam e as reuniões dos "bebedores de chá" se acabou.
Não é fácil se acostumar com esta lacuna que se formou na nossa vida.
Os verdureiros já não traziam mais o chuchu para a dieta, as "Mães de Santo" dos terreiros do Xangô não precisavam mais invocar pela ajuda no restabelecimento da saúde do velho galego da prestação. 
Seus dois ex-vendedores de mercadorias a prazo nos subúrbios deixaram de nos visitar depois que faliram trabalhando por conta própria e pela vergonha do fracasso, não vinham mais a nossa casa.
O pior de tudo era ver a cadeira de balanço vazia no terraço e a sua cadeira junto à mesa de cear que ninguém tinha coragem de sentar-se nelas durante meses, depois do seu falecimento.
Minha mãe às vezes se saia com umas "crenças da Idade Media" e quando via a cadeira de balanço se mover (pela brisa) dizia: Papa que nos visita. Quando caia um prato, um copo ou qualquer outra coisa na cozinha e fazia barulho, dizia: Papa está querendo transmitir algo que não teve tempo de nos comunicar quando moribundo.

 Minha tia Dina que era meio supersticiosa pediu um encontro com a "vidente" Madame Jael da Rua Visconde de Goiana, para botar em "pratos limpos" estas coisas que insinuava minha mãe a "três por quatro".

Agora vá conseguir um encontro com ela de hoje para amanhã. Era impossível.

A fila de gente já começava as 4 da madrugada e não terminava nunca.

Um encontro com ela pelos caminhos normais poderia levar pelo menos três meses.

Com tudo isso resolveram marcar este encontro e pagaram algo adiantado.

Entretanto minha tia Dina mais seu irmão o tio Jorge "o sertanejo", resolveram ir falar com o Senhor Arigó, outro vidente e curador de doentes incuráveis em Belo Horizonte. Dito e feito.

Custou os "tubos", a viagem de ônibus (carro leito) e o que cobrava o senhor Arigó pela seção extraordinária com o alem.

Voltaram de avião, pois não aguentariam outra viagem de ônibus de volta ao Recife.

Estavam muito desapontados com o que revelou o "feiticeiro", o tal "Arigó de galochas". Assim o chamavam os laicos, pois andava em casa com um "guarda pó e de galochas".

Dizia ele entre outras, que o "imortal Joseph" está bem instalado, muito satisfeito e que ainda não mandou mensagem nenhuma.

O que está acontecendo no casarão eram "capetas" mandados pelo satanás para espantar a vocês e nada mais!

Levem este frasco de "água benta" e gotejem algumas gotas em cada quarto sem deixar nenhum.

Estes "capetas", no mesmo dia fugirão e nunca mais vos importunarão! Eles têm terror à Água Benta do Jordão.

Agora vá saber se esta água é do Rio Jordão na Palestina ou de uma torneira da cidade Campos de Jordão em Minas, eu acho que é desta ultima. O preço era igual a uma dúzia de garrafas de Uísque irlandês.

Ao voltar de Minas relataram para toda família a decepção total e a "safadeza" deste vidente "de pés descalços", desculpem de galochas.

Tudo estória para "boi dormir", mas aqui está o frasco que ele mandou para gotejar em todas as dependências da casa e a paz celestial voltará a reinar no nosso casarão, pois tudo que está acontecendo é um produto de "mau olhado" de gente invejosa!


Meu pai que não era muito crente nessas coisas ria como se tivesse assistindo a comedia divina e murmurava em iídiche:

"Tipshim, machen zich hoizik", (Tolos, imbecis, estão se ridicularizando).

Minha mãe depois de uns dias que o nego Capitulino fez uma limpeza geral na casa toda foi e pingou em todas as dependências, água benta da garrafa mandada pelo Arigó e que custou uns bons contos de reis.

Meu pai até hoje ri desta idiotice e diz, "tolos não morrem nunca, sempre existirão outros, para cair nestas esparrelas".

Depois disso, como um milagre, a calma voltou a reinar no casarão da Rua Gervásio Pires.


A luz dos acontecimentos resolveu-se não ir ao encontro com a tal madame Jael, mesmo perdendo o pagamento em adiantado que fizeram para garantir este encontro. Se o de galochas não vale nada que dirás esta madame da Rua Visconde de Goiana, na entrada da Ilha do Leite.

Pronto, fim de crendices idiotas, tudo voltou a girar em torno do eixo normal da vida.


Agora ficou vazio o sótão do falecido e a casa sem assombrações.



Foi aí que me veio à idéia de instalar-me lá.
Deixar o andar térreo onde antes habitava, controlado a cada instante pela família e até as empregadas muitas vezes eram quem semeavam encrencas (discórdias em nordestino) com meus pais e eu "pagava o pato", (eterno culpado, o "bode expiatório").
Elas reclamavam para minha mãe ou tia Dina quando ainda morava conosco:
-"Ele escondeu o nosso fumo e os cachimbos"...
- "Peguei ele espiando (olhando, em nordestino) por baixo da porta nós nuinhas tomando banho"...
-"Ele emborcou uma caixinha inteira de pimenta do reino no nosso feijão"....
- "Esse menino faz muita traquinagem, entra com os pés cheios de lama depois de nós lavarmos o chão da saleta e da cozinha"...
Eram queixas sem "pé nem cabeça" e que não tinham fim e minha mãe sempre dava razão a elas.

-Agora minha gente, vou-me embora lá pra cima, vou viver no sótão e lá faço o que quiser e nem quero ver mais vocês!
Quero ver quem vai escrever ou ler os recados dos namorados de vocês, né? A quem vocês vão pedir agora, eu não quero nem ouvir mais!!!
Porém para esta proeza deveria receber o consentimento de meus pais.

Uma noite quando entrei em casa encontrei todos sentados na sala de jantar a minha espera para cear. Fui lavar as mãos e junto à pequena pia sem desviar o olhar para ninguém, como que falando para a parede disse:
-Meus queridos, de amanhã em diante vou morar no sótão de Zeide e sobre isto não quero discussão nenhuma. Tia Dina também já foi morar na "republica de estudantes de enfermaria" da FEB junto do hospital Pedro Segundo. (Preparar enfermeiras alfabetizadas para servir a "Cobrinha Fumando" na Força expedicionária Brasileira, na Europa).

Agora o sótão ficou vazio e eu vou morar lá e fazer dele a minha casa.
Meus pais se entre olharam e me miraram espantados e com certa admiração, pois sentiram com certeza que estou "ficando gente grande" e este era o meu "Grito de Independência" ainda muito antes de completar os 13 anos.
Sem nenhuma discussão, reinou um silencio quase sepulcral e minha mãe exclamou:
-Amanhã mesmo Maria do Carmo (a empregada), fará toda a mudança de tuas coisas para o sótão, agora come o jantar que já deve estar frio.

Minha vida de menino mudou completamente.
De repente fiquei mais independente, trocava as lâmpadas queimadas, reparava as vidraças partidas, estudava e fazia os deveres porque queria e não obrigados por minha mãe, vestia o que me dava na veneta e tomava decisões eu mesmo quando cortar o cabelo, tomar banho, mudar de roupa ou mandar a suja para a lavadeira lavar. Um ser independente! (não totalmente é claro).
Eu ainda usava algumas mordomias no térreo, mas logo subia para o meu mundo particular, muito orgulhoso de mim mesmo.
Acabaram-se os carões (repreensões) por qualquer coisa, eu evitava os contatos com o mundo de baixo ao mínimo necessário e pronto.
Foi o meu avô que com seu sumiço me herdou o primeiro passo da independência e me fez sentir como homem! Aí vô não te esqueço, te agradeço, parece que tu estas olhando pra mim pela clarabóia do telhado cheio de goteiras.

Logo me transformei numa espécie de "fantasma da opera", comecei a explorar todos os quartos, as salas, abria os baús que ainda vieram com a mudança da Áustria na velha Europa.  Os guarda roupas cheios de mostruários, cortes de fazenda, sombrinhas, lista de devedores, passaportes, dezena de chapéus, mas eu procurava uma pistola, besteira de menino. Deve ter alguma arma escondida por aqui, não é possível que não, dizia eu a meus botões.
Aí meu Deus, se encontrar uma pistola daquelas dos filmes de "caubói", virgem Maria, todos meus amigos vão ficar com uma inveja danada. Vou pedir a eles segredo absoluto, pois se isso chega aos ouvidos dos meus pais é bem capaz que me internem numa escola de padres!
Vige, vou ter que ir a procissão carregando santos, servir nas missas do domingo, sabe lá que mais. Nunca festejarei o meu "Bar Mitzva". (Evento judeu comemorado para os jovens de13 anos de idade, quando o menino se torna homem e responsável por suas ações com todos os direitos religiosos deste povo).
Pistola, não achei e quem sabe foi até bom diante do que a imaginação me levou em relação ao castigo que meus pais poderiam impor-me.

Num baú achei muitos livros de atas de reuniões realizadas talvez na Maçonaria ou em alguma organização "clandestina ou subversiva", tudo escrito numa caligrafia linda e talvez só fosse a febril imaginação de um menino vendo mistério em tudo.
Nunca me aprofundei para saber qual a procedência daquele material. Hoje tenho remorsos, pois se soubesse o que continha aqueles escritos, poderia com muito mais categoria relatar o passado desta comunidade.
Hoje só me restam as lembranças do que presenciei e ouvi quando menino e adolescente, as estórias contadas por outrem e os boatos que alimentavam a colônia judaica do Recife que tornavam o seu cotidiano mais interessante e alegre. Eu andava atrás de achar um revolver, menino que queria ser Tom Mix.

Jayme Zimilis foi o primeiro dos meus amigos da infância á visitar-me no sótão. Ele me ajudou a espantar os casais de morcegos que habitavam no telhado, isto fazendo vibrar uma longa vara, dessas de espanador. O "radar" dessas "pestes voadoras" não captavam e se chocavam contra a vara e saiam por qualquer fenda chiando de dor e já não voltavam mais. 
Vocês sabem e que é dormir com morcegos voando em volta da cama? Nem queiram saber, um suplicio.
Depois dessa feliz experiência com a vara, este suplicio acabou de vez. 
Aqui e ali entrava algum morceguinho para visitar a sua antiga moradia, mas logo iam embora. A vara, sempre estava presente encostada num canto da parede para qualquer emergência. Parece que os morcegos aprenderam do famoso "efeito de Pavlov"( o tal reflexo condicionado).   
Me faz até lembrar de um comercial de Detefon contra insetos caseiros, que dizia: "Na sua casa tem baratas? não vou lá. Na sua casa tem formigas? Não vou lá, peço licença pra mandar Detefon no meu lugar". Alguém lembra? Agora quem funciona é a "vara" e os morcegos acabaram de vez. "Na sua casa não tem vara, não vou lá".

Com o tempo vieram os outros amigos, podias sentir a inveja de todos ao ver o que alcancei nesta idade vivendo quase que independente.
Eu no sétimo céu. Me "amostrando"! (termo nordestino para regozijar).
Um dia avisei a todos os amigos na escola que iria transformar uma das salas num local para fazer "experimentos", armar radio de galena, maquina de projeção de cinema e um estúdio de pintura.
Tem lugar para tudo e tempo não falta.
Logo pintei uma parede de branco para a tela de projeção e comecei a procurar como armar uma câmara de cinema de cacos, ferro velho e uma caixa de madeira de sabão, que recebi do senhor Lopes o dono da venda de "Secos e Molhados" na esquina das Ruas Gervásio Pires e da Conceição.  
Nomeei Jaimezinho de sócio e ficamos de falar com Honório nosso vizinho de defronte que botava todo ano uma "rifa" de venda de fogos na época junina. Ele entendia de muitas coisas, até conseguia captar eletricidade grátis por "indução" dos fios de alta tensão que passavam rente as nossas casas.  Porem sua participação nesta "sociedade de inventores" seria mais adiante, caso encontrássemos dificuldades nos nossos "projetos" futuros.
O primeiro problema não demorou a chegar. Encrencou (complicou em nordestino) com a câmara de passar cinema, então fomos à busca do Honório e propomos a ele ser também sócio dos nossos "projetos e invenções".
Honório veio e olhou a "maquina de passar cinema" que bolamos (inventamos, no linguajar da rua). Uma caixa de madeira, de lado uma janela com dobradiças e fechadura, dentro um lâmpada de 100 velas com interruptor, uma lente que fazia zoom manual dentro de duas latinhas de Pó Royal, uma manivela, polias, correias, tudo que deveria fazer uma "maquina de cinema", mas resultado zero. Que decepção!
Logo de saída tivemos dois problemas:
Primeiro: O calor da lâmpada queimava o filme de celulóide.
Segundo: O filme corria porem as calungas não se moviam na tela.

Honório não titubeou e achou logo soluções para os problemas. Primeiro, afastar a lâmpada do filme e colocar um espelho para aumentar a claridade perdida com o afastamento.
Segundo, introduzir um "corta quadro" que desta forma evita a nossa visão ver quando correm as fotos entre a luz e a lente. Genial, as duas idéias resolveram os problemas e as "calungas" que formavam o elenco da "fita" (filme em nordestino), começaram a se mover na tela.
Pedaços de filmes de verdade conseguíamos com os senhores Sampaio e Álvaro os faxineiros do cinema Politeama na Rua Barão de São Borja e do cine Parque na Rua do Hospício respectivamente. Eles juntavam estes "fitas" sobrantes nas casas de maquina do cinema e queimavam no fim da limpeza, até que um dia descobrimos e fizemos negocio. Eles não mais queimariam e nós compraríamos por uns tostões cada pedaço de metragem dos filmes jogados no lixo.
Sempre eram pedaços curtos, mas nós aprendemos a colar com esmalte de pintar unhas e em pouco tempo já tínhamos um rolo significativo.
Um dia compramos por 2mil reis um desenho animado completo. O maquinista do Cinema Parque se "arretou" (ficou abusado), pois cada 2 minutos o filme se arrebentava, então ele jogou o rolo todo, em pedaços é claro, no lixo. De lá chegou as nossas mãos, com muita paciência colamos tudo de novo, acabamos com duas garrafinhas de esmalte de minha mãe e tivemos que mentir dizendo que não fomos nós "os cineastas" os responsáveis pelo desaparecimento dos ditos cujos.

Este desenho animado era uma estória de um grupo de esqueletos músicos que saiam das covas com seus instrumentos e começavam a tocar e dançar no cemitério, entre as sepulturas.
Este sim, depois dos arranjos que fez Honório, as calungas (esqueletos) se "buliam" na tela que era uma beleza.
Não éramos tão sofisticados, pois musica não acompanhava este "tragicômico desenho animado", mas Jaimezinho propôs trazer uma velha vitrola que estava na garage da sua casa, um par de discos, aqueles de baquelita, uma caixa de agulhas usadas e pronto teria até som no nosso cinema.
Vejam só que "alcance espetacular" chegamos, só com um pequeno atraso de meio século. Mas que importa, estávamos orgulhosos e já nos comparávamos com os estúdios da "Metro Goldwin Maier" de Holiwood, que por acaso também são judeus, estávamos em família.

Comunicamos na escola e vinham muitos amigos e conhecidos ver o milagre daquela caixa de sabão transformada em projetor de cinema com musica e tudo, e bem baratinho, cobrávamos entrada que custava só um cruzado.
Ganhamos um dinheirinho até que o publico raleou e não comparecia mais. Foi nesta situação que passamos a "fabricar" Radio de Galena.
O especialista neste campo era o Honório. Ele fez o primeiro, ensinando a nós que coisas seriam necessárias conseguir e depois como montar.
Outro milagre que historicamente antecedeu ao aparelho de radio com válvulas ou o portátil de pilhas
Esse funcionava sem pilhas ou eletricidade, tudo baseado em cristais de Galena, imãs e bobinados que conseguiam captar as ondas sonoras transmitidas palas estações de radio. Era preciso uma antena arretada de grande e um fio pegado a uma torneira ou cano d'água.
O problema da antena resolvemos com um artefato que Honório conhecia dos seus experimentos anteriores, era só meter num dos orifícios de uma tomada elétrica (evitava passar corrente elétrica) e toda rede do Recife era a nossa antena. Melhor que isso, impossível!

Não dávamos maiores informações sobre o "invento" para não perder a "patente", mas todos que viam o tal milagre, falando e tocando as musicas transmitidas pela Radio Clube De Pernambuco ficavam deveras muito surpresos e não importa se eram meninos ou adultos. Toda tropa de "boca aberta" em volta do radio a Galena e nós no sétimo céu.
Aqui entre nós este "engenho" era do vosso tempo?
A garotada de "papai rico" que podiam pagar 5 mil reis (uma moeda de prata com a esfinge de Santos do Mont) comprava a "maravilha". Nunca antes de deixar bem claro que o tempo de funcionamento nós não garantimos mais de um mês, apesar de que no interior do Estado eles aguentavam muito tempo, não menos que um candeeiro e só um baque (queda) os inutilizava.
Foi vendida pelo menos uma dúzia deles.
Com o tempo Honório foi estudar eletricidade e motores elétricos na Escola Técnica do Derby. Só o víamos quando colocava junto à porta de sua casa a "Rifa" para a venda de fogos juninos. Aí íamos conversar com ele e aproveitávamos para soltar uns "peidos de velha" e quando passavam as garotas, jogávamos entre elas uns "traques de massa", elas saltavam feito cabritas no mato. Eita tempo bom danado!
A "sala dos engenhos" no sótão virou Studio de pintura. Era o tempo que já tínhamos ingressado no movimento socialista juvenil judaico denominado "Hashomer Hatzair" (Jovem Guarda).
Garotos e garotas pertencentes a este movimento vinham visitar o nosso Studio.
Todo o material necessário, assim como, pinceis, tintas, molduras com telas, cavaletes, etc., estavam à disposição dos que queriam se meter na arte da pintura.
Foi o tempo que conhecemos o grupo de artistas plásticos de Abelardo da Hora cujo atelier era na Rua Velha.
Passávamos pelo Largo da Santa Cruz para tomar um copo de caldo de cana bem gelado com um pão doce, num bar da esquina desta praça tão frequentada pela meninada das ruas das adjacências.  
Nas visitas ao atelier de Abelardo íamos aprender a arte da pintura com um grupo que era formado por jovens super talentosos e de ideologia radical vermelha.
O nosso movimento juvenil judaico admirava este grupo porem com uma diferença que nós éramos mais pacíficos e a nossa ideologia vermelha, levava o nosso pessoal no fim do caminho a galgar a pátria dos judeus, Israel. Lá trabalhando duro para produzir alimentos nas terras desérticas que nos herdou o Senhor.
Na realidade iríamos praticar o socialismo nas áreas rurais do país e não mais pichar paredes ou pintar faixas para as demostrações estudantis ou de sindicatos de trabalhadores no Recife.
Em tempo útil seria bom lembrar que a Segurança Publica do Recife não nos via com bons olhos e até "batidas" eram realizadas nos nossos centros de reunião, studio ou mesmo na casa dos lideres procurando algum material subversivo.
Alguns artistas deste grupo (de Abelardo da Hora) nos visitavam no nosso sótão, não me lembro se o próprio Abelardo também esteve por lá. A amizade entre os grupos era bastante forte e até uma das nossas pintoras principiantes, Guita, que depois se passou ao grupo de Abelardo, se transformou numa artista de renome nacional.
Ai sótão, sótão bom danado.
Quantos namoros não começaram por lá, os primeiros beijinhos, coisa de namoros inocentes, as vezes não deva certo, ai ficávamos de mau, mas no fim continuávamos amigos. Coisa da mocidade.
Ao entrar na universidade passávamos as noites estudando para as provas. Usávamos o sótão para virar noites em claro, metendo na cabeça o material de ensino superior. Era uma "decoreba danada" (decorávamos, memorizávamos)  o assunto, mesmo sem entender patavina (nada), o importante era tirar uma boa nota e passar de ano.
Minha mãe mandava com a empregada os lanches para meus amigos, os estudantes noturnos. Era café e sanduíches e sempre perguntava se queremos algo mais. Estes lanches noturnos eram lembrados muitos anos depois quando por acaso encontrava amigos do passado já formados e exercendo a profissão de agrónomo pelo Brasil afora.
Como também o meu irmão mais novo enveredou na mesma profissão, então o
ritual continuava da mesma maneira, virando noites estudando e deliciando os lanches noturnos preparados pela mamãe.
Derrubaram o casarão depois que toda nossa família viajou para Israel.

Fim da serie "DAS CONVERSAS COM MEU AVÔ".
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Cuidem com os créditos