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"UM AMOR IMPOSSÍVEL" (Novela)
Paulo Lisker
Israel.
Tema: As bodas de Xóxa com o "Prego" (parte 1)
Xóxa entrou na casa de seus pais no sobradão da Praça Maciel Pinheiro. Nesta casa ela viveu desde que nasceu no Recife. Agora retornou depois de quase sete meses após a sua fuga com Dadinho o "goi" (não judeu), o seu namorado.
Primeiro se dirigiram para fazenda "Os três Cipós" do pai de Dadinho em Alagoas e de lá para Triunfo no interior de Pernambuco.
Para o Recife ela voltara sozinha, pois Dadinho tinha um compromisso a realizar, terminar em Triunfo o ano escolar onde estava lecionando.
A empregada abriu a porta da casa, a surpresa foi "de lascar" (Enorme, na língua do povo), começou uma confusão dos diabos.
Ninguém esperava por isso, uma verdadeira surpresa, pensavam que ela nunca mais voltaria. Pelo menos era isso que previam duas videntes de "grande experiência" da Rua Visconde de Goiana (Madame Jael e a vidente Coração de Jesus).
Depois da fuga deram parte a policia na delegacia da Rua do Aragão.
O delegado Mota veio pessoalmente em casa escutar o acontecido, balançou muito com a cabeça como se estivesse dando a máxima atenção aos fatos mas foi categórico ao dizer que ele não poderia fazer muito, afora colocar um anuncio na seção de desaparecidos, nada mais!
A policia, disse ele, não sai a procurar um casal de namorados que resolve fugir do alcance dos pais.
Isto é um fenômeno que acontece todo santo dia "de três por quatro" (muitas vezes).
Sabiam todos que da policia do Recife nenhuma ajuda seria recebida.
Nesta atmosfera super carregada com a volta de Xóxa, a empregada foi a primeira que voltou a realidade e saiu correndo pelas escadas gritando:
- "Sinhá Xóxa" voltou, ela voltou pra ficar pra sempre, graças Nosso Senhor e o Espírito Santo!
Gente, ela voltou, Nossa Senhora dos Prazeres aceitou as minhas oferendas que pus no altar da Matriz toda semana, mas que bom!
As vizinhas abriam as portas e postigos e colocavam a cabeça pra fora para escutar as novidades.
Outras vizinhas judias, do jeito que estavam vestidas saiam às carreiras para saudar a família com as boas "bessirem" (boas noticias em iídiche, derivado do hebraico).
Em casa um "reboliço danado" (muita confusão), o chefe da família, senhor Shloime que desde a fuga de Xóxa, não consertava mais relógios, vivia sentado lendo a bíblia (ha Tanach) junto à janela do seu quarto que dava de cara (em frente) com a Praça Maciel Pinheiro.
Vivia resmungando em iídiche pelo terrível castigo que Deus lhe impôs na velhice. A fuga da filha querida com um "sheiguetz goi". (em iídiche, vagabundo, não judeu).
-"Oi vaies mir mit maine tzure s" (ai de mim, esta vida desgraçada, do iídiche). Continuava murmurando: "Eu e minha família que a gerações não colocamos na nossa casa nem retrato nem estatuetas (Lo tmuná vê lo pessel - em iídiche)", rezo e faço ao pé da letra tudo como exige as nossas santas escrituras e logo a minha filha foge com um goi e depois de meio ano volta com uma caixa cheia de "bonecos de barro" (arte em barro do famoso Vitalino) e nem pede perdão pelo que fez a nossa família, que vergonha! (Oi a finstere biche, Gotiniu )!
Agora na minha casa no Recife, eu abro a janela do meu quarto e a primeira coisa que me entra todos os dias pelos olhos adentro é a estátua de uma índia nua (colocada numa fonte no meio da Praça Maciel Pinheiro) ai meu bom Deus, é de morrer!
O velho Shloime (Salomão em português) arrastava os pés, estava realmente aos pandarecos com o acontecido, nem a volta da sua filha querida, o conseguira reanimar.
A mãe de Xóxa, dona Golde choramingando e os irmãos (Uriel, Benchik e Duvidle) não sabiam onde "meter as mãos e os pés" (expressão de descontrole total), só à empregada que os criou desde criança ficou apegada a ela.
Sem perder tempo, foi logo dar uma arrumadela, e colocar as coisas no seu quarto que ficou vazio desde o dia que ela fugiu.
Passaram-se uns dias muito tensos e Xóxa não tinha para onde recuar, estava entrando no segundo mês de prenhez e a família ao saber quase toma arsênico ou estrichinina para acabar de uma vez com esta enorme difícil situação criada. Um verdadeiro desespero agudo daqueles.
Mandaram chamar urgentemente os dois casamenteiros, (shidech maher, em iídiche) que estavam de momento a disposição da comunidade, dona Berta e senhor Faierboim.
Toda conversa era cochichando em iídiche e desta forma relataram a eles a desgraça do acontecido.
Estas importantes "figuras" da colônia israelita do Recife tinham acesso imediato aos serviços de urgência dos Correios e Telégrafos na Praça Maciel Pinheiro, para eles não tinha lista de espera para serviço nenhum.
Enviaram telegramas aos seus homólogos em outras cidades brasileiras e até para Argentina e Venezuela.
Tentaram contactos por telefone, mas naquela época "que se amarrava cachorro com linguiça" (tempo antigo), já viu né? Só dava ocupado! Vocês com certeza não lembram, porém naquele tempo conseguir uma ligação através de uma agência de correio era humanamente impossível, mesmo tendo as melhores relações com os funcionários locais.
Saíram telegramas de máxima urgência comunicando os dados da "dita cuja", da família tradicional e de respeito na comunidade, à origem ashkenazita ( procedentes do Leste europeu), não havia problemas de organizar de uma hora para outra, o enxoval, (nedunie, em iídiche), noivado (tnoim), e casamento. (hassene, também do iídiche). Até aqui o texto do telegrama.
A mãe dona Golde, durante anos comprava aos poucos, tudo que uma noiva deveria possuir para casar quando chegasse "à boa hora". (in a guite chú, também do iídiche).
O enxoval (há nedunie em iídiche) estaria prontinho e empacotado, com muita naftalina para evitar os estragos dos panos com o tempo. Esse era um costume das famílias judias.
Agora o importante é que a solução desse caso fosse a mais rápida possível, pois a moça está prenha e o casamento teria que ser antes da menina "criar bucho" (a gravidez ser notada).
Sorte, sorte e grande! Não é que encontraram um homem solteiro "dando sopa" (disponível). A coisa era de máxima urgência, "questão de vida ou morte", pelo menos assim pensava a família e se via na cara deles o desespero total.
Todo casamenteiro (shidech macher) judeu, entendia em qualquer idioma em qualquer parte do mundo o que o texto do telegrama dizia claramente que tem um "goi" (não judeu), envolvido nesta bagunça. Então a solução teria que ser imediata. Sempre que está envolvido um goi nesta situação delicada, as coisas se complicam por demais.
Não adiantaram os lamentos e choros de Xóxa, ela estava "encurralada" nas tradições judaicas, que nem casamento com goi, nem parir o rebento sem casar eram aceitas segundo as tradições milenares deste povo. Ela ainda tinha sorte que esta criança nasceria judia, pois segue a religião da mãe, assim é segundo o judaísmo, ademais não seria considerada "mamzer" um bastardo, ai meu Deus, que sorte!
No dia seguinte todos da família saltaram como "mordidos de cobra" (surpresos, no dizer do povo), mas logo respiraram a fundo quando irrompeu Senhor Faierboim com um telegrama chegado agorinha da Bahia, comunicando que acharam um possível candidato para servir de noivo.
Havia uns "pequenos" problemas, mas na hora do "Deus nos acuda" todo problema poderia ser contornado.
A família do noivo era Sefaradita, o nome de família Abucassis, meio escurinhos, eram procedentes de Iquitos no Peru, a arvore genealógica os levava até o Marrocos no tempo que os judeus fugiram das perseguições dos Reis Cristãos na península Ibérica, nos fins do século XIV.
Já viviam no Brasil há muitos anos, primeiro em Belo Horizonte em Minas Gerais, onde o pai da família se dedicou ao comercio de pedras semi-preciosas e diamantes. Com o passar dos anos se transferiram para Bahia e se instalaram no Recôncavo, lá continuaram com o mesmo tipo de comercio, ademais eram donos de plantações de cacau e café. Dinheiro não faltava!
Fim da primeira parte: As bodas de Xóxa com o "Prego".
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