Recife a beira do cais.
Foto: Google, Intrnet
"Um Amor Impossível" (novela)
Paulo Lisker
"BORRADOR"
TEMA: A volta de Xóxa ao Recife. (Parte 1)
Xóxa arrumou suas coisas no quarto da pensão, uma mala com roupas e uma
caixa de madeira com todas as artesanias que juntou durante este tempo no
interior do Estado.
Por onde ela passou comprou trabalhos de artistas de feira de rua
e agora para que tudo chegasse bem no Recife pediu ajuda a Serginho, filho
de criação da dona da pensão.
Ele logo veio e trouxe palha e muito jornal velho para envolver os
bonecos e calungas de barro que juntou sinhazinha Susana.
Quando tudo estava acondicionado e bem fechado na caixa, ela saiu para
a rua e passou na Agência de Viação "Itabaiana", que fazia a linha
para o Recife e comprou uma passagem para terça feira próxima.
Ao voltar para a pensão de dona Raimunda, lá esperava o fiel continuo
da prefeitura, senhor Salgado com a carta de recomendação prometida e um
envelope com o pagamento que lhe deviam. Eram cédulas de mil
para não fazer muito volume.
Ela tirou uma cédula e deu ao continuo, agradeceu a ele por ter esperado
ela voltar e não deixar o envio na portaria da pensão.
Senhor Salgado não quis de jeito nenhum aceitar a gorjeta, mas no fim aceitou
só depois que senhorita Susana disse que ficaria muito triste se ele
não recebesse, pois ele merecia por todos os favores que fazia na rua para ela
e também para as outras funcionarias nas horas do expediente normal de trabalho.
O Senhor Salgado era um tipo interessante. Veio de Campina Grande na
Paraíba e tinha o ginásio completo, lhe faltavam as ultimas provas parciais (no
passado tinha disso no ensino nacional).
Aconteceu que numa pequena diferença de tempo seus pais faleceram de
tuberculose e ele teve que cuidar dos três irmãos e uma irmã, até que foram
aceitos no internato dos padres Salesianos
Logo depois se mandou para Pernambuco e foi parar no fim da linha, em
Triunfo.
Mas como não tinha "padrinho" (algum conhecido de influencia) não
"virou" funcionário publico credenciado, porém tinha todas as
condições para isto, pois era escolarizado.
Muito tempo ele trabalhou como pedreiro em residências na
cidade até que o engenheiro Rubinsky do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca), que fazia inspeção nas obras
de "açudagem" (construção de açudes e barreiros para captação de águas
pluviais aceciveis na época de estiagem), viu seu desempenho e a preparação que ele tinha e no momento adequado recomendou
ao anterior prefeito contratá-lo a fazer parte da folha normal de
pagamento.
Ele foi logo aceito e assim começou como ajudante do continuo veterano e depois da morte
deste, foi finalmente promovido a continuo principal da prefeitura.
O continuo voltou a seus afazeres e Xóxa voltou para seu quarto a dar
os toques finais na sua bagagem.
Nestes dias até a viagem, não tem poeta que possa descrever as relações
amorosas entre Dadinho e sua amada Xóxa.
Deixemos para que o leitor ponha todo o "vapor" da sua
imaginação, mesmo assim não creio que seja o suficiente para descrever
estas relações amorosas do jovem casal. Numa só palavra: PAIXÃO.
Terça de manhã logo cedo, a charrete e o carroção do Ipê Roxo, mais três
trabalhadores estavam na porta da pensão.
O pessoal ajudou a carregar a bagagem no carroção e
levar para o ponto de embarque da "sopa" (assim denominavam o ônibus em grande parte do nordeste brasileiro).
Lá já estava o coronel e dona Genoveva (com guloseimas de fabricação
caseira), Ramiro o filho adotivo que de momento estava de ferias, o diretor
da escola local, o prefeito da cidade o Sr. Sampaio e uma porção de
funcionarias amigas da senhorita Susana.
Dadinho vinha na charrete abraçado com seu amor de verdade e seus olhos
revelavam quanto sofrimento estava atravessando com esta separação.
Dizia Ramiro, que até parecia os olhos de Jesus carregando a
cruz no vale de Gólgota.
Todos concordavam que com a viagem de Xòxa, deixando Dadinho "a ver
navios" (dizer popular quando se procura alguém que nunca virá), as coisas
em Triunfo de agora para adiante, não seriam mais as mesmas.
A despedida foi triste, a "sopa"( o ônibus) partiu lotada (todos os assentos ocupados), rumo ao Recife, naquele tempo era uma viagem de algumas horas com paradas para descanso e reabastecer.
A chegada de Susana no Recife foi lá para as 14 horas, estava
chuviscando.
Nos dias de céu anuviado se sentia um forte cheiro que
exalava a usina do Gasômetro, quando despejava as águas quentes
do processamento do gás , no "coitado" rio Capibaribe.
Diziam que era ótimo para proliferação de caranguejos e siris nas
lamas ribeirinhas ao rio, porém para os peixes, estes não
tinham chance de se proliferar naquelas águas poluídas.
Susana ao descer do ônibus, procurou logo um carro de aluguel (Assim
denominavam naquele tempo no Recife, um táxi) e por sorte achou um
que trazia um passageiro para a rodoviária.
Para sua surpresa era um chofer da Praça Maciel Pinheiro, o senhor Simeão,
que andava sempre engravatado e vestia o seu terno de brim de linho,
super branco e engomado como se tivesse sido "passado no
ferro" do china, por nós conhecido como seu Júlio.
O nome original dele na China, era Chu Li Óh,
(parecido com Júlio em português), assim era mais fácil para o uso das lavadeiras
matutas que trabalhavam na sua lavandaria na Rua Gervásio Pires no bairro da Boa Vista, onde se concentrava grande parte das famílias judias do Recife.
Eu passava perto das janelas da lavandaria, ficava espiando para ver e muito gostava da "técnica chinesa" dele espirrando água da boca para umedecer a roupa na hora
de passar o ferro a carvão e que para esquentar mais, abanava com um
abanador de palha de bananeira, ai quantas chispas voavam pelo ar. Bonito
danado!
Seu Júlio era um "china" gorducho ( você já viu chinês gordo, aonde)?
Isto já era o resultado da assimilação aos costumes locais:
Primeiro, vivia amigado com uma mulata de Beberibe, viúva sem filhos.
Segundo, a comida brasileira que sempre alguma lavadeira no trabalho preparava
para o almoço do patrão.
Colocavam a comida de manhã logo cedo no fogo de lenha e
carvão num panelão de barro no quintal e de vez em quando davam uma abanada
e mexidinha. Ao meio dia o almoço estava prontinho com um cheirinho tão bom que
endoidava (quase que enlouquecia) todos os moradores da Rua Gervásio Pires e redondezas.
Sabiam todos que o "china" está almoçando e não era hora de ir
entregar roupa suja ou buscar roupa lavada pronta, nem que fosse para casamento
ou missa do sétimo dia! Não aborrecer o "china" na
hora do almoço.
Terceiro, logo se acostumou a descansar e se balançar na rede com sua
viúva, beber água de quartinha, comer feijão preto todo santo dia, charque
e pirão de agua, e não terminava uma refeição sem uma fatia de marmeladada (aquela da lata redonda da fabrica Peixe de Pesqueira). Às vezes tomava uma "bicada"(um gole) de Pitú (aguardente local), isto era raro, só
quando chovia muito, o sol não saia, e fazia um pouco de frio, praguejava
em português e também em mandarino. Nesses dias de chuva, ia atrasar a entrega
das roupas por não estar seca (a secagem era toda baseada no sol
nordestino).
Quarto, andava descalço no trabalho, na rua de tamanco e quando ia tratar de
sua naturalização, o calçado oficial era as sandálias com o solado de pneus
usados.
Então assimilado matuto brasileiro, ou não? Serio me digam mesmo. Brasileiro da "gema"ou não?
Sempre sorridente este "china", prestativo e principalmente barateiro, cobrava
a metade dos preços das lavandarias dos italianos que no Recife tomaram conta do ramo,
Mesmo que toda "operação" fosse feita manualmente pelas
lavadeiras (usavam "Anil", claro) e ele engomava cantorilando em mandarino (parece), as roupas resultavam super limpas, com um engomado
ímpar e um cheirinho que não tem outro igual.
Ademais o homem era mesmo generoso e depois de seis meses distribuía
toda roupa que não era reclamada. Esvaziava a sala na qual se
empilhava a roupa durante meses e ninguém vinha retirar.
Ele dizia sempre com um sorriso de chinês na cara:
- "Rôupa no pude ficou sin donho, si rico no quere levá pra casa, nois dá
prôs pobri".
Mas eu mesmo vi também judeus, não tão pobres, nas filas para medir algo do
seu tamanho e para os filhos menores e ninguém se envergonhava disto.
Ai meu Deus assim era o meu Recife que não voltará nunca mais, só falto chorar.
Todos os direitos autorais registrados.
Cuide com os créditos
Ai meu Deus assim era o meu Recife que não voltará nunca mais, só falto chorar.
Todos os direitos autorais registrados.
Cuide com os créditos

Dr. Ary Rushansky Israel
ResponderExcluirDISSE:
Ficamos encantados com os detalhes de um profundo observador .
.Ary e Lea