domingo, 22 de dezembro de 2013

Agronomia (parte 2)-- "NA COVA DOS LEÕES"


          Aula de Agrostologia (pastos), anos 50 na ESAP
                       ESAP-Escola superior de agricultura de Pernambuco
                       Foto do autor da crônica.
No tempo do Recife matuto
Agronomia  (parte 2)



Tema: "NA COVA DOS LEÕES"
Paulo Lisker
Israel

Como não tinha outro jeito mesmo, tomei coragem e um calmante e numa noite dessas entrei na "cova dos leões" (A sala de visitas onde costumavam sentar para conversar os patriarcas membros da família).
Do lado de fora chovia copiosamente, trovejava e relampejava no Recife.
É sempre assim quando temos que tomar uma decisão por demais importante, assim como, que carreira abraçar e logo comunicar aos nossos pais e família próxima. É "peia" (muito difícil, no jargão da rua).
A cidade vivia ameaçada de cheias (inundações) que carregavam o lixo da cidade, automóveis, mocambos que o interventor Agamenon Magalhães não conseguiu derrubar, mas a chuva levava sem grandes protestos tudo para o nosso oceano Atlântico das lindas praias e exuberantes cortinas de coqueirais.
Foi numa dessas noites que eu "o Spartaco" resolvi enfrentar a família na "cova dos leões" com o comunicado que iria fazer o concurso para a agronomia. Virgem Maria me acuda!

Na sala de jantar, estavam sentados em volta da mesa, meus pais, meu avô, o tio Jorge, apelidado o "sertanejo", pois grande parte da sua vida de solteiro vivia metido no mato e vinha nos visitar quando se desocupava das suas fainas e cavalgadas pelo sertão brabo.
Quando vem o azar ele vem logo dobrado, deu um "apagão" (corte de energia), meu pai mais as empregadas saíram correndo e logo trouxeram dois candeeiros (lampiões de querosene), acenderam velas que sempre estavam de sobre aviso pelos inúmeros cortes de energia que esta cidade, a capital do nordeste, sofria periodicamente e colocaram sobre a mesa e noutras dependências do casarão, sempre se desvencilhando das inúmeras goteiras que ameaçavam apagar as velas. Fecharam as janelas, mode não deixar a ventania e a chuva entrar na casa. Desse jeito é que ficava um abafado danado que dificilmente se podia respirar. O cheiro das velas acesas e o fedor da chama do pavio do lampião de querosene predominavam no ar da sala de visitas.
As sombras das pessoas se projetavam nas paredes e pareciam monstros imaginários que saíram de um filme do celebre Hitchcock, ou era a minha imaginação? Sei lá.
O pessoal conversava sobre o temporal que impediu do meu tio voltar hoje para Cabrobó onde fazia um projeto com os famosos Coelhos (Família famosa na área ribeirinha do Rio São Francisco).
As estradas estavam inundadas, partes destruídas e interditadas para qualquer tipo de veiculo.
E aqui em casa estávamos preocupados com as inúmeras goteiras que exigiam uma rápida intervenção para arrumar o telhado do nosso secular casarão da Gervásio Pires, ainda antes da chegada do próximo aguaceiro.
No Recife quando chove não faz frio, às vezes muito pelo contrario é ainda mais abafado e quente. 
Tomar chá fervendo com biscoitos como era muito comum lá em casa, deixou de ser costume nestas ocasiões.
Sem alternativa se passou a tomar chá frio mesmo, era o famoso mate Leão, que vinha numa caixa de madeira e tinha um cheiro bom danado. 
Sorte que os amigos do meu avô não vinham, pois tinham medo de resfriados e gripes da "bexiga lixa" que quando pega velho desprevenido é mesmo de "lascar o cano" (motivo de sérias complicações).
Este foi o ambiente com que me deparei ao declarar a minha intenção de estudar agronomia.
Inocentemente pensei que com problemas tão sérios com o clima e as goteiras o meu assunto seria rapidamente apresentado, resolvido pacificamente e passado pra adiante sem muita faladeira e crises emocionais.

Quanto errado estava eu.

Agora não só chovia a baldes e relampejava, também trovoava que dava até medo. Tudo tremia. Virgem Maria!
Meu tio Jorge a me ver perguntou se eu necessitava alguma coisa e logo averiguou se pretendia sair numa chuva destas.
-Vais sair? Perguntou.
Caso sim, leva um guarda chuvas ou uma capa e galochas ta? O aguaceiro não está mole, te cuida viu? Tem ruas cheias de água, os esgotos entupidos, te aconselho de ficar em casa e se vais sair calça aquelas botas de borracha que vai até o meio da canela, viu?

Juro por Deus ao ver aquele "quatrumviratum", quase desisti de apresentar minha demanda.
Mas um "choque elétrico" que me passou por toda coluna vertebral me pôs novamente consciente e exclamei:
-Preciso de vinte mil reis para viajar pra Dois Irmãos, amanhã o mais tardar e me inscrever para o concurso da Escola de Agronomia.
Chovia, relampejava, trovoava, o calor sufocante, (quem sabe só eu sentia), goteiras por todo lado, eu suava frio e uma tremedeira danada nas pernas até que me apoiei num canto da mesa, aí a mesa pesadíssima começou também a sacudir, depois de uns minutos parou.

Meu avô meio sarcástico perguntou em iídiche: "Hoste guefilt a kleine erdtsiternish" (sentiram um pequeno terremoto, será?). Juro que senti a mesa trepidar, vocês não? Tomou mais um sorvo de chá frio e se recostou na cadeira de balanço.
Uma situação dessas creia-me, não desejo nem para meus piores inimigos.
Voltou de repente à luz!
O "quatrumviratum" gelou "in loco" como se a etapa do gelo voltara de repente ao nosso planeta.
Não tenho palavras para descrever as fisionomias dos meus íntimos familiares sentados em volta da enorme mesa de sucupira, aqui e ali atacada pelo cupim, inseto daninho sempre presente nas peças de madeira do nosso querido Recife matuto.
-O que você quer fazer? Perguntaram em coro meu pai e meu tio.
-Agronomia, respondi, como se fosse a ultima palavra antes da ordem "Fogo"!
-Agronomia? Que te passa rapaz?
Queres ser jardineiro? Quem te botou na cabeça esta idéia doida!
Meu pai com um olhar fuzilante:
-Isto não é profissão para ganhar dinheiro, quem já viu judeu agrônomo, tem disso na nossa comunidade? Entendo engenheiro, medico, até dentista vai lá, mas agrônomo, onde foste buscar uma idéia idiota destas?
Minha mãe calada com cara de velório, mais um pouco teria um chilique.
Meu avô acendeu um dos seus cigarros Regência, mostrava sinais de nervosismo e logo tomou uma pitada de rapé, aí passou. Só meu tio Jorge, calmo e sereno "sorria de fininho" pra ninguém ver, mas eu vi, ou imaginei.
Numa hora dessas todo sistema nervoso entra em total "pane" e passa a ver coisas que nunca foram a realidade.
Meu avô tomou a palavra e disse ao meu pai:
-Não faz caso Méier (Maurício em iídiche), tu queres criar inimizade com teu filho e ter um inimigo dentro de casa?  Caso o contrárias ele irá viver quatro ou cinco anos numa republica de estudantes de goim (não judeus) lá nas "selvas" de Dois irmãos? É isto que você quer?
Ele se afastará de casa, da família e das tradições judaicas que já são minimalistas, estas que vocês ainda conservam e transmitem para os meninos.
Tua mulher nunca permitirá ele viver fora de casa. Então dorme com o problema e amanhã quem sabe pensarás de uma forma mais abalizada.
Aqui não é como nos "shteitel" (aldeias no interior do leste europeu) em que a voz dos anciões era a "voz de Deus" e cumprida ao "pé da letra" pela jovem geração, sem discussão ou um segundo pensamento.
O jovem judeu criado no Brasil é um "bicho diferente", livre de tudo que o amarrava ao passado dos seus pais. 
Você mesmo me disse uma vez que com força não se consegue nada com esta nova geração jovem de judeus brasileiros, quanto mais duro se pressiona, eles erguem mais a cabeça e não se entregam. Esquece do "molenga" judeu forjado pelas perseguições e "progroms" na Europa!
Esta gente é totalmente diferente e ainda bem que é assim. Gente com opinião própria e de cabeça erguida e peito estufado. Um judeu diferente daqueles medrosos da Europa que foram para as câmaras de gás nazistas como um rebanho de ovelhas.
Estes agora nascidos aqui são da estirpe dos Macabeus ou do Bar Kochba. (heróis do povo judeu no passado). E graças a Deus que assim é!
Foste tu mesmo que chegaste a esta conclusão, Maurício. Agora que a "sardinha chegou a tua brasa", estas esperneando?
Você viu como reagiu anos atrás meu filho "Tutcho" (meu tio Jorge, o sertanejo de chapéu de couro e tudo) quando eu quis que ele fosse trabalhar comigo vendendo prestação nos subúrbios do Recife. Ele me acompanhou uma ou duas vezes e pronto.
Num belo dia ele encheu uma mochila com seus troços e fugiu de casa.
Só depois de meio ano ficamos sabendo onde ele perambulava pelo sertão nordestino.
Plantava algodão no Cariri com a empresa "SANBRA" depois em São Lourenço produzia "raspas secas de mandioca" para exportar para os países nórdicos da Europa.
Prestamista absolutamente nunca quis ser.
Que discussões tivemos, nada adiantou, no "frigir dos ovos", fez o que achou melhor para si. Pior de tudo isso, com a idade de 40 anos, nessas suas andanças pelo interior ainda não casou, na realidade quem quer casar com um andarilho (usou a palavra andarilho para não usar "vagabundo").
Estás a ver Méier, não adianta "forçar a barra", porque a "barra" está na mão dessa gente.
Paciência com o garoto, que é para não esticar a "corda demais"!
Eita velho sabido este meu avô, falei para meus botões.

-Com todo o respeito senhor Joseph, mas eu acho que Tutcho, o teu filho que andou dando maus conselhos e isto foi o catalisador desta precipitada escolha do teu neto da "raça dos Macabeus". És ridículo, só tu mesmo acreditas nestas lendas do passado. Macabeus, coisa nenhuma, isso é preguiça de sem vergonha, ser jardineiro no Recife, uma vergonha perante a comunidade iídiche (judaica), "Oi hafintstere bishe" (negra vergonha, em iídiche).
Já viu judeu estudar para agrônomo? Quem na nossa comunidade estudou esta profissão "dreck" (merda em iídiche). Diga-me, se têm dois ou três, são uns fracassados que não dariam mesmo para nada, não achas?
-Aí eu entrei em ação e coloquei:
-Primeiro: meu irmão mais novo irá para a engenharia, assim como na família de Senha, um agrônomo e um engenheiro para o bem da família e a honra salva perante a comunidade israelita.
Porém o destino é matreiro, o segundo filho, meu irmão, foi no mesmo meu caminho e terminou a agronomia com distinção. Mas quem poderia saber naquela ocasião de um "desastre" desta natureza.
-Segundo: Não estou preparado para fazer concurso em outra qualquer universidade. Na semana passada, mãe me mandou aconselhar com Professor Sino Lazer, um primo de segunda ou de terceira, não sei bem.
Ele disse que só tem tempo às 6 da manhã, cambaleando de sono cheguei a sua casa. Sentei junto a sua escrivaninha, me deu um Polinômio para resolver. Eu não sabia para onde ia à coisa, depois um Determinante, pior ainda, Me dei por rendido aí ele se pronunciou: Olha rapaz diz a tua mãe que tu não tens base nenhuma (me lembro exatamente das suas palavras). 
E continuou o seu veredicto: Eu estou na banca examinadora no concurso de engenharia e arquitetura, se tu te apresentas lá eu sou o primeiro a te "por no pau" (desclassificar). Tu não estas preparado para fazer concurso. Vai para agronomia, quem sabe lá te aprovam.
Então pai, onde a vergonha para com a comunidade será maior, fazer agronomia ou levar pau noutra universidade. O que será mais vergonhoso? Levar pau, não é?
-Que vergonha, diz meu pai. Um menino judeu burro, só se o trocaram na maternidade do Derby, vá lá saber.
-Pai, a coisa não é tão preta assim, veja Senha (José Alexandre Ribemboim), está cursando a agronomia e a família dele não fez uma tragédia como vocês aqui.
Meu pai ainda não conformado com esta minha decisão sai com essa:
-Senha é filho de uma família que negocia com ouro e fabrica medalhas, trancelins, pulseiras, tudo em ouro. No dia que este teu amigo resolver não continuar a estudar ele se passa a outra universidade. E se resolver não continuar a perder tempo estudando e não achar emprego vai trabalhar com o pai, tem lugar garantido, pois quem está metido no ouro, onde cabe um caberá mais um, sem problemas. Contigo não é a mesma coisa, eu sou prestamista se tu fracassas na agronomia, queres ser prestamista?  Estás a ver a diferença?
-Pai não te preocupa, eu não vou fracassar. Lá se faz herbário, caixa com insetos espetados em alfinetes, enxertos de manga, olhar no microscópio pra ver se a folha esta doente, classificar as famílias das plantas, tu sabes pai a que família pertence o feijão?
-Pergunte a Josefa à empregada, ela saberá te dizer, não precisa estudar agronomia para isso.
Meu filho o teu fim é estar com "as mãos mexendo com merda de vaca e os pés metido na lama". Este será o teu futuro, uma vergonha para um jovem judeu.
"Puto da vida" ele continua:
O povo judeu a mais de 2000 anos não tem terras, nem plantações, nem bandeira, nem país, somos um povo errante por perseguições constantes. Ter terras não é negocio para nós! Ouro, diamantes e sabedoria isto sim é mercadoria que em qualquer momento de perigo levamos conosco para outro lado onde nos deixam viver em paz.
Então me dê uma razão lógica porque por todos os profetas e juizes da Bíblia sagrada, agora vamos ter agrônomos, para que? Me diz!
Houve uma pausa nesta discussão, só se ouvia a empregada tirando a louça daqueles que tomavam o chá frio.
O pessoal se entreolhava e enxugava o suor, alguém perguntou: Abrir a janela para deixar entrar um arzinho fresco, aqui dentro a atmosfera já está pesada demais.
Aproveitei a "dica" (oportunidade, no jargão da rua) e disse em voz alta e segura: Então vão me dar os vinte mil reis ou não, depois de tanta verborréia e discussão, perguntei na maior tranquilidade!
Meu pai ainda aborrecido:
Graças a Deus que os estudos são grátis, viva o Brasil, de mim não verás um tostão para esta profissão de jardineiro de merda.
Logo encerrou a conversa, tirou a dentadura postiça, colocou num copo deágua com uma pastilha de sal de frutas desses efervescestes e foi dormir.
Tio Jorge olhou pra seu pai (meu querido avô), tirou da carteira uma nota de 100 mil reis e me deu.
Disse-lhe: Não tenho troco tio.
Ele se riu.
-Alguém aqui falou em troco tolo. Vai paga a inscrição e com o resto vá limpar a cuca na zona do Pina seu besta, lá ta cheio de mulatas enxutas uma beleza para este teu estado de espírito, vai lá menino. Só não conta nada a tua mãe, ela é capaz de não me deixar mais entrar em casa.
Agora satisfeito da vida e "realizado", abracei meu tio e meu avô e todos rimos a beça, vi até uma pequena umidade nos cantos dos olhos do meu Zeide Joseph, esse avô arretado!

Fim da parte 2
 Paulo Lisker.
Todos os Direitos Autorais Reservados.
Cuide com os créditos.

     

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

AGRONOMIA (PARTE 1)- "ardua resistencia"


ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA-COMPLEXO DE SALAS DE AULA E LABORATÓRIOS. No primeiro plano o campo de futebol. ESAP RECIFE,
Fotos Google-Internet
        

No tempo do Recife matuto
Agronomia  (parte 1)


Tema: Incidente ao escolher a carreira de Agronomia.
Paulo Lisker-Israel.
10-06-2011.
                                                   
Parte 1 – Árdua resistência no primeiro front, meus pais e minha família.

Para chegar ao auge deste acontecimento, o ato solene de formatura e recebimento do almejado diploma de Engenheiro Agrônomo, precisamos voltar cinco anos atrás.
Ao terminar o curso secundário no celebre colégio Osvaldo Cruz, urgentemente se fazia necessário decidir qual concurso e qual faculdade escolher.
Caso "matutasse" demais, perderia um ano sem fazer nada e isso era chato demais para mim, minha família e também para os amigos de tantos anos de convivência, amizades nos diversos colégios. Eles com certeza seriam estudantes universitários com carteira de estudante, passeatas, excursões, festas e eu ficaria um ano esperando até a nova época de concursos das diversas universidades. Ai meu Deus que fazer?
Comecei a pensar com meus botões:
-Engenharia é muita matemática, esta carreira é para quem gostava de cálculo infinitesimal, diferencial, logaritmo, demonstrações de teoremas que não tem fim, formula do cone, pirâmide cilindro, cubo, tudo que era forma geométrica... Virgem Maria, só pensar me dava medo.
Isso é para Moisés Roizman, Júlio (gordo) Singer, Jaime Zimilis, Bernardo Katz, Walter e Nussi Ghelfond, Lhova Krutman e outros deste quilate que eram esforçados pra cacete e estudavam "feito a peste" pra passar no concurso sempre ou quase sempre, como os primeiros qualificados.
Isso não é para "burros" na matéria feito eu.

-Medicina, ta doido, vou lá cortar gente viva e defuntos, depois trabalhar nos hospitais de indigentes, envolto daqueles cheiros de éter e outros solventes, estar todo tempo apavorado para não dar um remédio errado, isto fica pra gente de sangue frio, já viu, né.
-Direito, Advocacia, nem me fale. Passar a vida decorando leis e no fim ir defender a bandidos e ladrões. Deus me livre e guarde, nem penso nisso.
Assim fui matutando e passando de Faculdade por Faculdade, Ciências Econômicas, Odontologia, Veterinária, etc.etc.etc. em todas elas só encontrei defeitos.
Na expectativa, assim de mansinho no "final da picada" ficou coitadinha só a Agronomia, em Dois Irmãos.
Bom, é com essa que eu vou, decidi!
Meu bom Deus, agora como direi isso a meus pais.  
Como explicar esta minha escolha não convencional para um estudante judeu, ainda mais no Recife "matuto". Estou lascado (totalmente perdido), no jargão da nossa terra, pensei.
Anunciar a pais judeus que vais abraçar a agronomia seria como confessar a teus entes queridos que te criaram a base de "pão de ló" até aquele momento, que es um "fresco" (homossexual passivo), gostas de homem, odeias mulheres e já tens um amante escurinho a tua espera para formar um lar de "bixas" na zona do "Bom Jesus". Pôrra tem coisa pior que uma situação dessas?
É mesmo que se meter numa "camisa de onze varas", entrar num beco sem saída e lá te espera o lobisomem e uma cobra de sete cabeças pra te comer vivo. Que Deus me acuda!
Não dormi bem umas noites matutando com o problema até que me lembrei que o meu amigo de infância Senha Ribemboim. Ele fez no ano passado concurso de Agronomia na ESAP em Dois Irmãos.
Foi otimamente bem sucedido, passou e já cursava o primeiro ano da faculdade e o mundo não veio abaixo.
Como ele também é judeu, me veio à idéia de ter uma conversinha sobre o assunto e saber dele que estratégia ou diplomacia usou para comunicar a sua escolha aos seus pais.
Pois bem, amanhã mesmo vou procurá-lo para que me instrua como agir perante aos meus pais neste dilema que me parecia insolúvel e que poderia causar um rompimento total nas relações familiares, ademais com o filho primogênito, a esperança de ter um doutor ou engenheiro na família e fim dos suplícios do trabalho de bater de porta em porta vendendo a prestação, como foram eles quando chegaram ao "novo continente".
Foi assim mesmo que procedi.
Fui à casa de Senha (o nome dele era Alexandre), na Avenida Conde da Boa Vista onde no passado jogávamos pela tarde uma "zorrinha" com seu irmão Duda que era um exímio jogador de "zorrinhas" de terraço.
Sua genitora dona Clara, amiga de minha mãe e uma grande ativista (inesquecível figura na comunidade judaica do Recife), em prol dos necessitados e novos emigrantes judeus, me atendeu e perguntou o que desejava.
Perguntei por Senha e ela me disse que ele estava estudando por que amanhã tem uma prova de Botânica e favor não molestar agora.
-Quando posso bater um papo com Senha, perguntei a dona Clara.
-De noite lá pras 22hora, ele já terá encerrado os preparativos para a prova. Não basta saber a matéria acrescenta dona Clara, ele precisa preparar um herbário, sabes o que é isso?
-Sei não dona Clara, mas vou saber, pois quero estudar agronomia como Senha é por isso que quero falar com ele, vou fazer este ano concurso desta Escola em Dois Irmãos.
-Ótimo vem mais tarde e ele estará a tua inteira disposição. Diz-me uma coisa Paulinho, teus pais, tua família, já sabem desta tua decisão de ir estudar agronomia?
Meu Deus pra que, me deu um troço, um rebuliço na barriga, quase me cago de medo só em pensar na situação complicada na qual iria me meter.
Mais tarde voltei e falei com Senha e ele nesta oportunidade me mostrou o herbário (uma pasta de papelão cheia folhas e flores dessecadas, com seus nomes vulgares e em latim). Depois me mostrou uma caixa com uma tampa de vidro, cheia de insetos espetados em alfinetes (para as aulas de entomologia no terceiro ano da escola).  
Ele comprou esta coleção de outro estudante que frequentava o quarto e ultimo ano da Escola e já não necessitava mais dela.
Senha sempre foi um bom aluno, inteligente demais e tinha um acurado senso de comerciante. Pressentindo que uma caixa destas para organizar daria no futuro muita correria pelo mato "caçando" insetos e um trabalho com a paciência de Jô para encher a caixa de tantos "bichos alados" (insetos), espetados em alfinete, imagina.
Para contornar tudo isso ele resolveu comprar mesmo que ainda estava no primeiro ano da escola, uma das melhores coleções de um aluno que já estava às vésperas de terminar seus estudos. Puro senso comercial, comprar já no primeiro ano esta caixa com os insetos para usar só ao chegar ao terceiro ano da Escola. (Investimento de futuro no valor presente, quem não entende do que falo que pergunte a um economista). 
Tudo isto me entusiasmou mais ainda.
Esta é a Faculdade do meu inteiro gosto, falei com "meus botões".
Vi no herbário as folhas secadas ao sol de mangueira, laranjeira, videira, tomate, chuchu, melão de São Caetano, jurubeba, goiabeira, urtiga, capim santo, até erva mate. Muitas delas, minhas conhecidas que vegetavam no nosso quintal e no sitio de seu Ramos, encostado na parede dos fundo do nosso casarão.
No fim perguntei meio matreiro:
- Qual foi o motivo forte que usaste para que teus pais aceitassem esta tua decisão de estudar agronomia?
-Já não me lembro, faz tempo. Meus pais não fizeram grandes empecilhos a esta minha decisão.... Espera, espera aí um momento, agora me lembro, quando eles perguntaram por que não engenharia, eu respondi que na família já temos um estudando engenharia, o irmão Duda, eu quero agronomia, pois gosto muito das coisas que ensinam lá.
Nisto mais ou menos terminou a apresentação da minha "tese", resumiu Senha Ribemboim, meu amigo da infância e acrescentou:
-Eles até ficaram muito satisfeitos quando passei o concurso em primeiro lugar e a família toda foi ver na Rua da Imperatriz o desfile dos "feras" (o Trote), que os veteranos faziam com os calouros do primeiro ano. Eu desfilava com os outros calouros todo melado de tinta e salpicado de farinha de trigo parecia mais um fantasma do além.
Tu podes alegar o mesmo, tens um irmão e ele seria a estrela brilhante da família e iria estudar Engenharia ou medicina para honrá-la. Que tu achas, funcionará, com teus pais também?
-Sei lá vou tentar, respondi meio indeciso.
Saí do encontro noturno com meu amigo Senha quase que saltitando de contente pela Avenida Conde da Boa Vista até a minha casa na Gervásio Pires.
Esta noite dormi mais descansado e crente que meus pais receberiam de bom agrado a minha decisão como fato consumado, um agrônomo, o primogênito deles, depois viria um engenheiro ou um medico.
Quem sabe, tudo resolvido da melhor maneira possível à moda judaica na diáspora no "novo continente".  
As cores naturais me voltaram à pele, meio tremulo e cambaleante fui dormir, tomei um calmante para sossegar, coisa que normalmente nunca faço,
Vejam só que merda.
Até aqui a primeira parte "Escolher a carreira profissional"
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Cuidem com os créditos.