sábado, 27 de dezembro de 2014

O SANTO DE BEBERIBE, (Parte 2)


Imagem paisagistica de Beberibe
Rios BEBERIBE.jpg
Fotos: Google Internet

Os pregões que me lembro do Recife "matuto".
Paulo Lisker
Israel

Terceira aquarela do Recife judaico- "O SANTO DE BEBERIBE"-(Hamalach- O Santo)
 Parte 2


Seu Meierle sempre pagava a vista os mantimentos que necessitava para sua casa ou pelo querosene para o gerador que comprara recentemente nas Casas Mesbla no Recife. 
Contava a todos que queriam escutar, que o importador o senhor Dr. Montenegro, que representava em Pernambuco a firma alemã "KRUP" lhe dera uma garantia de 10 anos!
O atestado de garantia era original da fabrica em Hamburgo e escrito em alemão gótico. 
A única coisa que ele entendia deste papel era o numero 10 e deduziu que eram os anos de garantia do gerador, possivelmente era o numero do edifício da fabrica que produzia estes geradores alemães no continente europeu.
Mas assim é a vida e cada um entende as coisas como quer.
Com este "apetrecho"( o gerador elétrico), foi ele o primeiro a "alumiar" (iluminar. no idioma de gente letrada), com lâmpadas elétricas o "mato" onde habitava.
O resto da população usava "fifós de pavio", velas de sebo ou candeeiros (iluminação a base de querosene.
Inacreditável, o pessoal fazia fila pra ver o milagre da luz elétrica todo santo dia, fora dos sábados, pois como bom judeu neste dia da semana também o gerador "descansava".
Às 18  horas ele punha o gerador pra funcionar com uma manivela. As lâmpadas se acendiam iluminando com uma luz pálida as veredas e o seu casebre no sitio.
O povo todo ficava espantado em ver a luz iluminar sem fogo. 
Eles tinham, os que tinham, era candeeiros com querosene nos seus mocambos e o fogo nos pavios era que "alumiava" o recinto.
Quando o gerador de pistão único do "santo" funcionava pela noite adentro, se ouvia em todo Beberibe o som do "progresso" chegando.
Era assim: "Ta ta ta, tac, fush, fush, ta, tac", até as 22 horas (10 da noite na língua do povo). Quando a população adormecia no balanço das redes que tinha em todos os casebres e mocambos, então o silencio tomava conta de todo o arrabalde.
Um empregado do "santo"(seu Mituca), desligava (apagava, na língua do povo), o motor, olhava pelas vacas e também ele ia "cair nos braços de Orfeu" (Dormir, quando se trata de "gente rica", que já possui gerador de luz). Era a hora em que as brumas tomavam conta da "humanidade" em todo Beberibe.
Já fuxicavam (falar sem nexo em nordestino) e diziam que seu Meierle com toda certeza foi um dos "Apóstolos de Cristo" que "perdeu as estribeiras" (o caminho certo) e não encontrou o caminho de volta para a cidade Santa de Jerusalém. Ou talvez ele veio mandado diretamente por Nosso Senhor do céu. Foi um mero acaso que ele veio "bater" (chegar para ficar, na língua da rua), em Beberibe.
Vejam só que sorte, diziam satisfeitos os matutos moradores do vilarejo:
-"Podia ele ir bater em Paulista ou Água Fria ou mesmo em Olinda que é muito mais bonita que o nosso Beberibe das moscas e muriçocas, mas veio parar aqui com a benção de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo". Claro que é de ficar muito honrado mesmo, ter esse "santo" de verdade morando com nós aqui no arraial.
O frei Justo ficava furioso com estas besteiras que o povo inventava. O boato corria não só em Beberibe, mas se espalhava para outras bandas e outros arrabaldes.
O medo que tinha o frei era que este sitiante viesse logo mais ser um candidato a beatificação pelo Papa no Vaticano , recomendado pelo a arcebispo de Olinda e Recife que tinha muita influencia nos sínodos que se reuniam de tempos em tempos para esta especial missão.
Ele lutava contra este herege dentro e fora da capela que ministrava.
Nos sermões do Domingo dizia a todos os presentes: 
-Este sitiante não frequenta a igreja, não vem à missa aos domingos. Este homem não é nem cristão, ele é judeu e não tem santo judeu!
O frei esqueceu quem foi Jesus, os seus apóstolos e seus inúmeros seguidores da nova religião que começava a engatinhar depois que Jesus foi crucificado por ordem do Interventor mandado pelo império romano, Pôncio Pilatos.   
O que mais intrigava a todos no povoado era o nome do tal "santo".
Seria Michael ou Michel, que diabo é Meierle? Ou será Meireles, assim como, os familiares, os donos de um engenho de rapadura (uma etapa na fabricação caseira de blocos do açúcar bruto), no bairro Agua Fria. Quem saberia dizer? Quem seria ele? De onde provem este nome tão estranho no meio do mato, em Beberibe.        
Seria uma corruptela? (maneira incorreta da verdadeira pronuncia do nome) de Gabriel um dos apóstolos de Jesus Cristo ou Ezequiel o profeta, ninguém sabia dizer.
De onde derivava a palavra Meierle? Interessante que o nome próprio, nunca ninguém usou pra coisa alguma.
Muitas vezes escutávamos na nossa casa no Recife e mesmo nas conversas entre os vizinhos, sobre uma família de judeus "fin indzere ashkenazer iidn" (em português, "dos nossos judeus ashkenazitas), que vivia metida no mato em Beberibe, possivelmente era deste "santo" que estavam falando na comunidade.
Em geral os nomes das famílias judaicas derivam do nome de cidades onde seus antepassados habitaram, por exemplo: Franckfurter, Berliner, Toledano, Sweitzer (De Frankfurt, de Berlim, de Toledo, Suíça, etc. Ou profissões que alguém da família exercia, assim como: Stolier, Vasserman, Leiderman, Miler, Bauer, Yeguer, Treiguer, Fisher, Guertner, etc (carpinteiro, carregador de água, negociava com couro ou tinha curtume, farinheira, camponês, caçador, carregador, pescador, jardineiro), nome de animais: Foiguel, Katz, Wolf, Fish, Leib, (Passarinho, gato, lobo, peixe, leão, etc.), todas as cores Weiss, Schwartz, Guelb, Green (branco, preto, amarelo, verde, etc.) e finalmente a tradução ou escrito errado pelos escrivães dos centros de identificação na Europa medieval. Toda essa gente tinha no passado longínquo nomes hebraicos e por pressão da sociedade cristã onde se instalaram depois que se dispersaram pelo mundo foram obrigados a mudar o nome que tivesse um significado qualquer e satisfazer a sociedade onde viviam escondendo a sua verdadeira origem.
Mas se tratando do nome Meierle de onde derivaria?
Cidade com um nome parecido não detectamos. Profissão também não. 
Seria o erro de algum escrivão da época medieval? Ou seria de uma família que algum componente era o "acendedor das lampadas de gás" nos postes das ruas do centro habitacional??? Quen sabe?
Quebramos a cabeça e não achamos nada parecido.
Finalmente, um familiar meu, depois de muito matutar com o problema, propôs: 
-Este nome deriva da palavra "Afortunado ou iluminado", em hebraico e que no exílio (diáspora) se passou para o iídiche.
MAIR, MEIR , (MEIERLE,  no diminuitivo do iídiche), pois era comum este oficio ser dado a um garoto que saia antes do anoitecer com uma vara que numa extremidade levava una buxa acesa embebida em querosene e com este apetrecho saia acendendo os postes de luz da cidade (ou vilarejo), na Europa medieval. 
Parece que "atirou na mosca"ou na língua de gente  "acertou em cheio"!
Tinha razão, em hebraico "meir" é exatamente "uma especie de afortunado ou iluminado" e quem tem sorte é "afortunado", em iídiche e no hebraico, idiomas usados pelo povo judeu por milênios e que significa, sorte. 
A corruptela MEIERL ou MEIERLE, no sotaque iídiche pegava perfeitamente bem e fim da "agonia" e da "pesquisa" para desvendar o mistério do nome.   
Poucas famílias de judeus viviam nos arrabaldes, meio longe da civilização. 
Um deles era exatamente o senhor Meierl também conhecido pela comunidade judaica no Recife como "Der Mulech", o Santo. 
Se me perguntas o porquê desse apelido não sei. Possivelmente pela indumentaria branca alvíssima que diariamente usava, sempre de sandálias, na chuva ou no sol,
ou pela simplicidade da vida austera que levava no mato, por livre e espontânea vontade. Sei lá! 
Pena que não perguntei a meu avô que conversava muito com ele quando trazia na nossa casa no Bairro da Boa Vista no Recife, coalhadas, queijo branco ou manteiga ( em iídiche, smetene). 
Conversavam um bocado até que seu Meierle se lembrava que o sol já estava de pique (no meio do céu) e que ainda tinha mercadoria pra vender. Despedia-se em iídiche: 
-"A guitn tug, und zol zain shulem, amem! (Muito bom dia e que reine a paz, Amem).
O meu avô respondia: "Gueit guezunter heit, shulem, shulem her Meierl. (Que tenhas muita saúde e paz, senhor Meierl).
Eu menino, muito novinho e tolo, escutava a conversa, mas não me metia.  Ficava intrigado pensando, onde ele esconde as asas e o halo luminoso da cabeça, se é santo de verdade. Não é santo?? Santo, por que santo? Pena, fiquei ignorante neste caso.

Até aqui a segunda parte da terceira aquarela judaica do Recife.  "O SANTO MEIERL de BEBERIBE"
Paulo Lisker-Israel
25-10-2011
(Todos os direitos autorais reservados)



sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O SANTO DE BEBERIBE, ( Parte 1)


(Beberibe (paisagistico

    Borrador preliminar

Os pregões que me lembro do Recife "matuto".
Paulo Lisker - Israel

Terceira aquarela do Recife judaico*

Tema: O "SANTO" DE BEBERIBE-"Hamalach"- (Santo, em hebraico).
Parte 1

O subúrbio de Beberibe no principio do século XX era na realidade um pequeno vilarejo com uns poucos moradores matutos, sem luz ou água encanada. 
Contudo isso eles tinham um orgulho danado de ali viver. E por quê? De onde derivava este sentimento? 
Pois logo lhes digo. Ali vivia um santo!
Um santo?

Sim, um santo!
Muito do que acontecia na nossa cidade ou nos seus arrabaldes não tinha explicação lógica. 
Às vezes eram nada mais que simples boatos, totalmente irracionais, mas o povo jurava por Deus (sem isolar) e todos os santos que era a pura verdade e que até presenciaram o fato ou que alguém credenciado contou a sua vizinha que também era "mãe de santo no terreiro de Santa Bárbara" (coisas de crença africana, do Xangô), no Bairro de Beberibe em Olinda.
Pois é, diziam que um "santo em carne e osso", vivia entre eles na "freguesia" local (pequeno conglomerado habitacional).
Pelo menos assim consideravam o senhor Meierle ("O iluminado", derivado do iídiche e hebraico), que vivia num sitio beirando a ladeira que baixava da estrada principal e ia de encontro ao "Riacho das Lavadeiras", ali estava localizado o sitio do tal Santo.
Este riacho bonito, cheio de pedras escuras e lisas nas duas margens e que possibilitava as mulheres do arrabalde, mormente compostas de lavadeira, lavar a roupa das famílias do Recife, coisa que era muito comum naquela época para quem tinha a possibilidade de pagar por esta faina.
Assim foi até que apareceu o "bondes" (assim denominavam o tramway) por estas bandas. Antes elas carregavam e traziam a trouxa de roupa na cabeça a uma distancia enorme das casas dos clientes no Recife e de volta de Beberibe.
Do Recife vinha a trouxa de roupa suja e de Beberibe voltava limpinha, tinindo de branca, engomada e com um cheirinho de anil, toda ela lavada nas águas cristalinas do riacho.

Esta concentração de lavadeiras deu o nome, muito bem dado a este riacho.  "Riacho das Lavadeiras".

A população local (cristã, na sua maioria), mormente analfabeta, frequentava com grande fé a missa dominical na diminuta capela de Santa Ana do Pinhal, padroeira do arraial.
De onde deriva essa total devoção pela santa essa que a capela lhe deve o seu nome? Pois bem: 
Contam que um dia ela apareceu dentro de um matagal e salvou um negrinho de quatro anos das presas de um cachorro doido (raivoso), daquele dia ela se tornou a devota de todos os moradores de Beberibe.

A administração da capela estava a cargo do frei Justo das Águas Verdes.

Dizem que o nome deste frei foi uma tradução imposta naqueles tempos pelo Arcebispo de Olinda e Recife que se dizia entendido em todas as "falas" do mundo e até se comparava com a "sapiência" (sabedoria) do Rei Salomão (Rei dos Judeus que relata a Bíblia), considerado o mais inteligente dos seres humanos naquela época.

A historia conta que o tal Rei dos judeus era sabedor de todos os idiomas de gente e até de uma grande parte dos animais. Vejam só! O nosso Arcebispo e o Rei Salomão! Não era para menos.

O nome original desse frei era Justiniano Von Gruenwaser, de origem germânica, daí o nome abrasileirado dele, Dão Justo das Águas Verdes, uma tradução quase literal dado pelo arcebispo de Recife e Olinda.

A população da freguesia, mormente crente, composta de muitas crianças, mas não só, também os cegos e aleijados ao ver o "santo" Meierle passar pelas ruas do arraial, corriam atrás dele pedindo a benção e uma esmola "pelo amor de Deus".

Ele não titubeava e dava as duas coisas.

Dizia em iídiche: "zaint mir guezunt kinderlach" (que tenham saúde meninada) e tirava do bolso da túnica alva feito cal, uma dezena de tostões e na mão de cada inocente estendida, colocava uma pataca (Para quem não se lembra a moeda de um tostão não valia quase nada, porém era um verdadeiro "patacão" do tamanho de um cruzado de tempos mais modernos).

Não é preciso dizer da alegria dos meninos que saiam correndo atrás do vendedor de pirulitos (um doce de açúcar queimado), pois era a única coisa que comprariam com aquele tostão. Eram alguns "minutos doces" na vida deles, pois não se lembravam deste sentido durante muito tempo.  A alegria deles era demais e também a do "santo".

Dizia ele: Ver meninos na miséria, alegres e sorrindo valia mais que tirar um "milhar no jogo do bicho". Este personagem era mesmo um santo de verdade!
Mas quem era o tal personagem que os moradores respeitavam e o elevaram a nível de santo?

O senhor Meierle sempre estava vestido de branco, (uma bata que chegava até quase os calcanhares), olhava os desafortunados e os meninos inocentes, descalços, corpinhos desnudos, vestimenta esfarrapado (quando possuíam algo assim), de barriga inchada de fome ou de parasitose diversa (cishtozoma, amebas ou verminoses), que habitavam as varias fontes das águas empossadas ou mesmo dos riachos temporários que se formavam com as chuvas. 


Apesar do curto tempo decorrido (um centenário, mais ou menos) algumas informações sobre a sua chegada ao Brasil ficaram algo impreciso e não foi possível até hoje  confirmar a sua veracidade. Do pouco que conseguimos ricochetar sobre ele nesta etapa foi que veio da Europa (duma aldeia da Lituânia ou Ucrânia ou Polônia), na verdade exatamente não sabemos.  O ocorrido aconteceu no fim do século XIX (19) ou na primeira década do século XX (20). Se veio direto para o Recife, se chegou com família ou veio só como acontecia que muitos judeus que vieram sós e depois que se "arrumavam" no novo continente e juntavam um dinheirinho para comprar passagens marítimas e mandavam buscar a família que ficaram esperando na Europa.
Sei disso, pois assim mesmo aconteceu com meu avô materno. Veio com passagem comprada para o Uruguai, desembarcou no Recife, gostou e aí ficou.  
Depois que juntou umas economias e com a ajuda dum um empréstimo de uma "caixa de emergência", (O banco iídiche), que pertencia à comunidade israelita, então conseguiu comprar as passagens e trouxe seus familiares. Será que foi assim que aconteceu com o Santo de Beberibe? 
Será que alguém da família tem idéia? De depoimentos da geração atual de alguns familiares que vivem no Recife, esse Meierle era a "ovelha negra" ou como algum deles dizia que ele era um espécime de socialista ou maluco (sem juízo, na língua do povo) ou as duas coisas juntas. 
Ninguém sabia ou queria relatar mais detalhes, se já veio casado e com quem, com quantas mulheres casou ou esteve amigado (Coisa normal naquela época nos nossos subúrbios), ficaram filhos, netos? Muito do seu histórico pessoal ainda é um mistério indecifrável.

Também como resolveu ir morar em Beberibe é para mim um mistério, pois geralmente judeu que desembarcou no primitivo porto do Recife, ficava por lá junto da pequena comunidade israelita e usufruíam da ajuda mutua muito importante nesta etapa de novo emigrante numa terra desconhecida.

"A união faz a força", isto deriva ainda dos tempos bíblicos quando se fala das "quatro espécies", (arbaát haminim) na festa de SUCOT (Tabernaculos). Cada uma delas em separado é frágil, porem juntas numa trança se torna inquebrantável.
Contam que o "Santo" distribuía seus pertences aos necessitados, nunca deu valor a bens materiais e foi se meter no "mato", quem poderia explicar tal fenômeno, pois vai em contra a todas as hipóteses.  

Ele caminhava com suas "sandálias de frade" até o centro do vilarejo para fazer compras na quitanda de seu Hipólito, um portuga careca e gorducho, sempre com um toco de charuto "babado" (úmido de saliva), mormente sem lume (apagado) no canto da boca.

"Boa praça" era este portuga que cheirava a bacalhau e vivia amigado com uma nega de nome Maria do Socorro, "Mãe de Santo" no terreiro de Xangô na casa do Babalorixá Vicentinho Bacelar, vulgo "Pé de Cabra".

A sessão nesta casa, "batia" (funcionava) toda sexta feira de noite até a madrugada do sábado.

No fim da sessão era servido um Mungunzá bem quentinho para os participantes e visitas (sempre comparecia muita gente, até estrangeiros), pra presenciar nesta casa, a sessão do Xangô da sexta-feira.*

Serviam este prato típico (talvez de origem africana) também para aqueles que entravam em transe profundo e estavam deitados no chão de barro batido do salão, encostados nas paredes de taipa rebocadas e caiadas de branco. Dormiam um sono profundo como tivessem sido hipnotizados.

Esses coitados devotos depois de terem entrado em transe depois do intenso batuque nem forças tinham para comer. Uma "filha de santo" jovem, vestida toda de branco e com um turbante azul, os ajudava.

Todos comiam como se fosse um manjar preparado pelos próprios "deuses africanos".

Em tempo seria bom lembrar que na repressão da década dos 30, as casas de culto afro-brasileiro foram obrigadas a deixar de funcionar, assim como, a Maçonaria, e o partido comunista. (Sobre este tema do "esconde, esconde" pretendo escrever uma crônica, se Deus quiser e permitir).

O "santo" Meierle foi varias vezes convidado pelo "babalorixá Bacelar e a "mãe de santo" dona Maria Socorro, de modos de lhes dar a honra e estar presente numa sessão de Xangô nalguma sexta feira. Porem não levaram em conta que o "santo" era judeu e como entrava o sábado (dia do descanso para os judeus), ele declinava o convite, agradecendo e prometendo que outro dia qualquer da semana, ele aceitaria o convite com muito gosto. 
Não deixa de ser interessante presenciar este ritual africano autentico, conservado e praticado pelos afro-brasileiros desde que vieram como escravos para os canaviais do novo continente.
Agora voltando a "vaca fria" (na fala do povo para expressar, "voltar à realidade"). 
Naquele tempo a quitanda do vilarejo até que estava bem sortida e permitia que na "Vila de Beberibe" não faltasse quase nada de alimentos básicos, necessários para a cozinha do dia a dia que não era por demais exigente.
Os clientes pobres compravam "na conta" e pagavam quando recebiam salário da municipalidade ou por algum biscate que realizavam durante a semana.  

Na realidade ninguém simpatizava muito com o portuga, pois ele apesar de viver muitos anos no Brasil e estar amigado com uma negra brasileira da cor de piche e praticante do Umbanda, morria de saudades pela "tirrinha" dele, o Purtugal. Assim ele pronunciava no seu português no sotaque legitimo da sua terra, na península Ibérica.

Contava mil "potocas" (mentiras, na língua do povo) que na sua terra tem disso, daquilo e que nem se comparava com esta terra primitiva que é o "Brisil" (assim pronunciava).  Contava das comidas do bacalhau, virgem Maria, só lhe faltava escorrer baba pelos cantos da boca.

-Ai o bacalhau a moda "purtguesa" no leite de coco da Angola era de "levantar até os defuntos" só pelo "chirinho". Vivia esculhambando (pondo defeito, na boca do povo) com a ex-colônia purtuguesa e elogiava a sua "tirrinha" lá do outro lado do mar.

Um tempo trabalhei na Angola e estava convencido que os portugueses eliminaram ou mudaram no alfabeto o som das vogais.

Falam: "muçambicano, angulano, purtuguês, facto, projecto, spato, trabsero, vrmelho, vrdade, cbeça", um menino novinho chamam de "puto", quarta faira, rvista, vregonha, só faltavam escrever "framácia" com ph e assim por adiante, Não acreditam? Pronunciem estas palavras em voz alta e vocês estarão falando no "sutaque" de "putuguês" nato. Engolem vogais, é uma coisa meio estranha. Cada um, com seus gostos e pronuncias.

Até aqui a primeira parte da terceira aquarela judaica do Recife.  "O SANTO MEIERL de BEBERIBE"

Paulo Lisker-Israel

25-10-2011

(Todos os direitos autorais reservados)

Cuide com os créditos.
* Ver crônica anteriores "Aquarelas Judaicas do Recife":
-Senhor Sadigursky, "um pau pra toda obra".
-Dona Sprintze, "para que nunca falte manteiga".
-O "Santo" de Beberibe, "santo de verdade".




terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Parte 3 -Final - Por onde andará Dadinho. Um amor impossivel (novela).

                                Olinda, casario da cidade, Pernambuco
                                     Foto Google-Internet

"UM AMOR IMPOSSÍVEL" (Novela)

TEMA: "POR ONDE ANDARÁ DADINHO".   (parte 3- Final)
                                                           
                                                                         (BORRADOR)
                                                                
Paulo Lisker
 Israel.

Na madrugada do dia 9 de novembro o delegado Motta veio às pressas a pensão e bateu forte na porta da entrada do casarão onde viviam os estudantes colegas de Dadinho,
-Abre a porta bando de vagabundos, levanta da cama seus molengas, acorda macacada!
- Quem é a essa hora da madrugada? Pergunta um dos estudantes ainda meio dormindo.
-Sou eu o delegado Motta, levanta cambada de preguiçosos, vocês não querem noticias do vosso amigo desaparecido?
Dentro da casa se ouvia um reboliço danado, era gente se vestindo e correndo pra cá e pra lá.
-Parece que acharam o Dadinho! Gritavam um para o outro enquanto se vestiam.
-Acharam o Dadinho, senhor delegado, onde acharam ele? Ele está bem?
Toda essa conversa ainda com a porta trancada.
O delegado já arretado com a demora deu uns socos na porta e quase a derruba.
-Achamos, achamos bando de "frescos" abram a porta e já!!!
Vocês vêm agora mesmo comigo ao necrotério do Derby para identificar o cadáver que foi encontrado no mangue nesta madrugada. Quem sabe é o tal amigo de vocês. Como é mesmo o nome dele? Gente se apressem o dia já está clareando.
Quando abriram à porta as primeiras que "caíram fora" (saíram), assanhadas, com uma tremenda cara de sono e se vestindo enquanto corriam para a rua, eram três ou quatro empregadinhas (domesticas) que trabalhavam nas casas vizinhas das famílias judias que de vez em quando depois de umas cervejinhas ficavam para dormir com os estudantes e como de costume logo bem cedinho voltavam para o "batente"( trabalho de empregada domestica).
-Gente, vamos rápido, levem a carteira de identidade ou mesmo a carteira de estudante. O chofer do "tintureiro" (viatura de cor preta que trás e leva presos para o xadrez), é quem vai nos levar ao necrotério, o coitado não dormiu a noite toda, atarefado com o caso do cadáver encontrado no mangue bem  pertinho da Avenida Cruz Cabugá, vamos gente, o sol já clareou,  já ta dia feito, vamos embora fazer o serviço!
Chegaram ao necrotério, já na porta os espera  o sanitarista e o médico legista.
Tiraram o cadáver da câmara refrigerada e apesar de estar muito mal tratado pela ação dos peixes carnívoros, caranguejos e siris, não restavam duvidas que o cadáver era mesmo do Dadinho.
-Vocês reconhecem o "dito cujo"? Averigua o delegado Motta com tom de voz autoritário e volta novamente e pergunta de novo.
-Olhem bem e digam logo, não temos tempo a perder. O médico legista necessita do cadáver para fazer a necropsia e elaborar o laudo da "causa mortem". Estou "falando grego"(linguagem incomprensivet) para estes estúpidos que amanhã serão nossos advogados, Deus me livre e guarde. 
Quem sabe ele foi assassinado antes de ter sido jogado no mar, entenderam "bestas ao quadrado" ou será que foi mesmo suicídio, vá lá saber o comportamento desses vadios que só vivem ou morrem para dar trabalho às autoridades da lei.
Você que está aí fungando, como reconheceu o cadáver do seu amigo? A cara está toda machucada e corroída pelos siris, como tu tens certeza que é ele mesmo? Olha bem de perto e não tapa o nariz, este cheiro não mata ninguém, vai seu fresco!
-Seu delegado, reconheci pelo brinco de madre perola na orelha esquerda do defunto, respondeu Bebeto. No Recife isto não é comum entre rapazes, só os "frescos" tinham um costume mulherengo assim. Bebeto enxugava as lagrimas com a ponta da manga da camisa de fustão amarelo.
Horas depois o laudo médico dizia claramente que o dito cujo praticou suicídio há tal hora, no tal dia e assim por adiante com todos os dados técnicos necessários para as autoridades fechar a investigação e o caso do desaparecimento do tal estudante.
O delegado Motta sibilava assim de baixinho: Não é para menos, eu estou puto da vida, já 3 dias que não sei o que é dormir numa cama, o secretario Plínio vive em cima do meu lombo (deve haver gente de importância cutucando na urgência deste caso, só pode ser por isso, toda essa pressa!
Na roda de amigos e do pessoal que frequentava a praça, ninguém necessitava de laudo médico coisa nenhuma, os boatos no Recife sempre foram muito mais rápidos que qualquer jornal ou estação de radio e só existia uma, a Radio Clube de Pernambuco (PRA 8), cujos estúdios não ficavam longe do local do acontecido, os manguezais que beiravam a Avenida Cruz Cabugá.
Possivelmente isto ocorreu logo depois que Dadinho se despediu do padre Justino na Praça do Varadouro.
Quase de madrugada, Dadinho saiu caminhando até a praia do Carmo ou a dos Milagres em Olinda e se jogou nos "braços de Iemanjá" e ali se afogou.
A maré arrastou o cadáver para longe (mar brabo danado neste trecho, muita gente com esta nefasta tendencia, escolhia esta praia para ir-se deste mundo). O corpo ficou encalhado no "manguezal" do aterro do caminho para Olinda, lá pros lados da Escola Aprendizes Marinheiros.
Depois de uns dias um "catador" de siris e caranguejos se deparou com o cadáver e avisou a policia.
Os pais de Dadinho foram avisados, vieram para o Recife e levaram o cadáver num avião 
bi motor de um amigo piloto aposentado. 
Em Alagoas foi realizado o enterro com a presença de um grupo de amigos da família de Dadinho.

"UM AMOR IMPOSSIVEL".   final da novela: 


(Borrador)

Paulo Lisker, Israel.

Tema: "ROMEU e JULIETA NO RECIFE MATUTO".  SAUDADES.



Estava eu sentado na Praça Maciel Pinheiro com senhor Sadigursky, judeu pobretão, um protótipo muito especial que vivia num quarto no "pé de escada" na praça, encostado a farmácia "Saúde".
Ele foi no passado mascate citadino, vendia bugigangas, escrevia musica de "kleizmer" (musica judaica das pequenas aldeias européias), era às vezes também maestro da Banda Acadêmica ou da orquestra da Policia do Derby quando estas eram contratadas para animar casamentos ou outra qualquer festividade no Clube Israelita. Até o famoso Capiba o conhecia e lhe dava as honras merecidas (a batuta de maestro).
Ensinava as rezas aos garotos judeus que comemoravam o "Bar Mitzvá" (ao cumprir 13 anos), eram considerados adultos pela religião judaica, com direitos de rezar e ler a "TORÁ, o Velho Testamento".
Era também um protagonista nas peças de teatro em iídiche e que ensaiadas no palco da sociedade israelita e apresentadas ao publico nas festividades da comunidade.
Em suma fazia de tudo, um verdadeiro "pau pra toda obra", como dizíamos nós os brasileiros natos.
Tipo baixinho, gorducho e feio, homem das mil profissões e nem um tostão furado no bolso ou um tostão inteiro no bolso furado!
Eu gostava de sentar com ele e conversar sobre qualquer tema, era um tipo versátil. Misturava o iídiche com português. Narigudo e fanhoso que às vezes eu pensava que ele ia se asfixiar se continuasse falando.
Eu ficava calado, só escutando as experiências da vida dele numa pequena aldeia no leste europeu, me contou que depois da guerra nunca mais teve noticias dos membros da família. Possivelmente foram exterminados nos campos de concentração nazistas na Polônia.
Num lapso da nossa conversa em que ele tomava fôlego, aproveitei e disse a ele que estava tremendamente frustrado, pois estava escrevendo uma crônica, relatando o caso amoroso de Xóxa a judia e Dadinho, católico que começou na Praça Maciel Pinheiro e eu tinha toda certeza que também ali também terminaria como tudo acontecia na nossa comunidade naquela época. Escute senhor Sadigursky, eu até imaginava duas alternativas possíveis:

A primeira, seria: UM BAITA FESTÃO DE CASAMENTO.

A praça cheia de gente, convidados por parte das duas famílias, ademais o pessoal conhecido da praça, os guardas noturnos da Delegacia do Aragão (naquele tempo tinha disso no Recife), a praça totalmente lotada e a paz reinava na terra e no céu.
As famílias dos noivos apaziguados, isso era o mais importante.
Um coreto todo iluminado com lâmpadas de todas as cores, a "Banda Acadêmica" tocando musicas de Capiba e também as suas, estimado "maestro" Sadigursky.
Baixo tua batuta a banda se transformaria nem que seja numa hora, em "Klezmerim" do leste europeu, tocando musicas judaicas alegres e que convidavam a dançar e saltitar no meio da praça.
Muita comida gostosa, bebidas e alegria sem limites.
A imaginação não foi tão longe, pois ainda não decidi quem os casaria, se um padre ou um rabino (entidade religiosa judaica), ou sabe os dois juntos, se na Igreja da Matriz com o dobrar dos sinos ou debaixo de uma "Hupá" (costume judaico), junto do secular pé de Jambo do Pará, na praça mesmo.
Neste aspecto ainda estou em duvida.
Imaginei muitos fogos de artifício, o céu todo iluminado com foguetes do ar de todas as cores, a meninada atirando "estrelinhas", jogando confetes e serpentinas.
Um verdadeiro mini-carnaval fora da época.

A segunda, seria: UMA TRAGEDIA a ESTILO ROMEU E JULIA.

Que Deus me livre e guarde senhor Sadigursky, porem imaginei também uma alternativa nesse estilo.
Pelos enormes problemas causados pelas famílias de credos distintos, a proibição de ambas as partes para a consumação deste casamento. Xóxa e Dadinho se suicidariam sentados abraçados junto à fonte da índia e os quatro leões, no centro da querida pracinha. Não poderia ser uma cena melhor para o desfeche desta tragédia.

Dois enterros cada um de um lado da praça, a praça totalmente cheia de gente chorando, pois os dois personagens envolvidos nesta tragédia eram conhecidíssimos pelos frequentadores e moradores desta Praça no Recife.
Um mundo de coroas de flores e flores ao natural acompanhava o ataúde de Dadinho que era católico, no de Xóxa nada, pois era judia e segundo o costume milenar deles o corpo vai numa mortalha e coberto com um manto negro com uma Estrela de David bordado e nada mais.
Um carro fúnebre seguido da comitiva dos carros acompanhantes partiria para o cemitério de Santo Amaro e a outra comitiva para o cemitério de judeus no bairro do Barro.
Os dois amantes (quando em vida) seguiam agora destinos diferentes e talvez só no paraíso se encontrassem e desta vez para eternidade.
Até aqui era a minha imaginação para o desenfeixe desse romance tão falado na comunidade israelita, naquela época do Recife matuto.
Até aqui era o que eu imaginava. Que acha vosmecê senhor Sadigursky?

Veja o que na realidade aconteceu.
Dadinho, católico foi enterrado no Campo Santo em Maceió e na laje dizia nada mais que:
DEMOSTENES ABELARDO MONTEIRO (Dadinho o nosso eterno amor)
Data de nascimento e falecimento.
Já Suzana (Xóxa), judia, ninguém sabe nada dela, Se virou religiosa ortodoxa na Antuérpia? Tem filhos? Quantos? O de Dadinho nasceu? Hoje já deve ser homem feito, será que ele sabe quem foi seu pai biológico? Será que Xóxa ainda vive? Será que voltou alguma vez de visita ao Brasil depois que a casaram com um jovem judeu da Bahia, contra sua vontade? Nada sabemos. Uma odisséia, insolúvel!

Veja só senhor Sadigursky, tudo começou com um namoro inocente na nossa querida Praça Maciel Pinheiro e deveria terminar aqui também.
A realidade é que Dadinho está enterrado em Maceió e Xóxa vive ou já não vive nas terras frias da Europa.
Esta é a minha frustração senhor Sadigursky.
O axioma pregava que na colônia judaica tudo que começava na pracinha também nela terminaria. Axioma, senhor Sadigursky, axioma, sabes que é axioma? Pois é!
Ele me olhou com os olhos rasos d água e me disse em iídiche:
"Bist a nar, far inz iidn, iz di Prace Macié Pinheire, di gontze velt".
 "TOLO, PARA NÓS JUDEUS, A PRAÇA MACIEL PINHEIRO É O MUNDO TODO".
O axioma continua de pé meu jovem, ainda mais o "axioma judeu" que não é limitado nem no tempo nem no espaço, ele é eterno como este povo!
 Olhei estupefato para este homem simples e humilde e "falei com meus botões":
-Vejam, vejam, o "Diógenes judeu", um filosofo de pés descalços que vivia entre e nós não sabíamos!

De mansinho, lagrimas deslizavam sobre as nossas faces.
Na ocasião passava o "marmiteiro", o senhor Malaquias, levando as mãos cheias de entregas para casas de família na vizinhança, um cheiro bom danado de comida judaica preparada na pensão do casal Volodia no primeiro andar, esquina da Rua do Hospício com a Rua Imperatriz era de deixar água na boca.
Bom que a meninada que brincava e corria atrás duma banda de Maracatu que ensaiava a sua bateria e as tubas, em volta da pracinha e logo seguia em direção da Rua do Aragão, não deu fé nestes dois adultos sentados num banco, chorando num dia tão bonito na Veneza brasileira e não por dor de dentes, mas era pura nostalgia e saudades!

TRECHO FINAL DA CRÔNICA "UM AMOR IMPOSSÍVEL" NO RECIFE MATUTO.
 Paulo Lisker - Israel.
(Todos os direitos reservados)
 Junho 2010    
  


  




segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Por onde andará Dadinho (parte 2) Novela "Um amor impossivel"

          A Praça Maciel Pinheiro no Bairro da Boa Vista no coração do Recife, no passado.
                                                           Foto: Google-Internet



"UM AMOR IMPOSSÍVEL" (Novela)

TEMA: "POR ONDE ANDARÁ DADINHO".   (parte 2)
                                                           
                                                                         (BORRADOR)
                                                                
Paulo Lisker
 Israel.

Uma bela tarde Dadinho saiu da pensão cabisbaixo e ao passar pela praça se deparou com Abrãozinho sentado num banco lendo o Jornal Pequeno.
Este rapaz judeu, também era estudante de Direito e ia à pensão, "virar as noites" com os seus amigos e juntos se preparavam para os exames.
Abrãozinho era considerado naquele tempo "uma ave rara" no meio judaico, pela carreira que escolhera.
Não era comum entre os judeus no Recife esta carreira profissional, e sim a de medicina, engenharia, dentista, arquitetura.
Advocacia e agronomia eram carreiras menos atrativas e menosprezadas pelos rapazes judeus da cidade.
Mas Abrãozinho, estudar Direito já era demais.
Ele era filho único de uma viúva paupérrima que vivia num sobradinho no Pátio da Santa Cruz. Um tio dele, dono de um grande negocio de tecidos que vivia no Rio, enviava um dinheirinho todo mês e se propôs também a financiar os estudos do sobrinho. Ele resolveu advocacia e pronto. O seu tio não discutiu e aceitou a decisão do único sobrinho que tinha e até se regozijava que a família teria no futuro um "advocat" (advogado, em iídiche).
Dadinho conhecia Abrãozinho da pensão aonde ele vinha estudar com os amigos e preparar-se para as provas de fim de ano.
Escolher a carreira profissional da primeira geração de judeus, aqueles já nascidos no Recife não era uma missão fácil. Todos se metiam, davam opinião de entendidos, ("peruavam"), mesmo que ninguém tivesse formação profissional alguma, todos eram em geral vendedores ambulantes, emigrantes chegados da Europa, nem o idioma local dominavam, porém sabiam o que era bom para esta nova geração de judeus nascidos no novo continente.

Lembro meu pai quando soube que eu iria fazer concurso para agronomia, em "Dois Irmãos" (Subúrbio do Recife), me falou duro e dizendo em tom de repreensão:
-Isto não é profissão para ganhar dinheiro. No final das contas tu estarás "Mexendo com bosta de vacas e sempre atolado na lama e esterco de porcos"! Que porcaria de vida será esta?
Perguntava de uma maneira retórica e danado da vida com esta decisão do primogênito.
-Agronomia para judeu, já viu? Ta doido (louco varrido, expressão popular).
Depois de alguns anos também meu irmão seguiu este mesmo caminho então meus velhos pais quase morrem de vergonha perante a comunidade judaica do Recife. Dois filhos, dois agrônomos, (em iídiche nos taxavam de uma forma pejorativa de "POIERIM", que significa "trabalhador braçal de campo" ou agricultor), já era demais!!!
Quando depois de formados, nós dois viajamos para Israel, sentiram-se meus pais mais aliviados, pois não tinham que estar explicando aos conhecidos da colônia israelita a causa que levou aos dois filhos enveredar "nesta profissão sem futuro nenhum" para jovens judeus do Recife.
Diziam os amigos nas conversas de fins da tarde na Praça:
-Meninos com tão boa cabeça para as matemáticas, finanças, contabilidade e tudo que tinha a ver com os números vai perder tempo estudando agricultura. Só louco!
Era uma indireta a meus pais, os culpando pela maneira errada que nos educaram.
Penso que meus pais e talvez toda nossa família nunca se recuperou do tal "desvio do caminho normal" causado pela má educação que nos proporcionaram e  consentindo que os filhos abraçassem o caminho da enxada na agricultura como a futura profissão. Coitados, hoje sinto pena deles!
Abrãozinho deixou de ler o jornal e chamou a Dadinho para sentar com ele. Ofereceu-lhe um cigarro "Caporal Lavado" (tinha essa marca naqueles bons tempos), os dois fumavam e tinham o olhar parado no infinito.
O primeiro a romper o silencio naquela tarde quente e sem vento de Dezembro foi Abrãozinho (apelidado pela molecada de "Branquinha").
-Dadinho que melancolia é esta homem?
-Se eu encontrar a minha namorada, tu a conheces, a Xóxa, tudo passará. Desde que voltei do interior não a vejo, nem ela nem a família, a quem eu pergunto pelo paradeiro deles, ninguém sabe dizer nada. Tu por acaso ouviste algo, para onde esta gente desapareceu, assim de repente e ninguém sabe de nada, não é mesmo para sofrer? Isso está me roendo por dentro!
--Dadinho, deixa de besteira, é só mulher, assim como ela têm muitas outras e ainda mais uma judia, pra que tu procuras "sarna para te coçar"! Tu não sabias que esse namoro só iria criar problemas e confusão?
Ficar assim "murcho" sem gosto pela vida por causa de mulher...tas doido bicho!
Dadinho se zangou, ficou puto com essa conversa e exclamou com raiva:
-Abrãozinho, tu es veado,  fresco safado de merda, tu não gosta de mulher? Só não te dou umas bofetadas na cara por que es amigo de estudos, mas senão tu ias ver...
-Não te afobes Dadinho, eu não sou veado, eu sou teu amigo e quero te ajudar.
Te conto Dadinho, mais tu me vais jurar por tudo que é santo para ti que nunca dirás a ninguém que escutaste isso de mim, estamos de acordo?
-Desembucha Abrãozinho, vai, nem mesmo a Santa Sé me queimando vivo, escutará de mim sequer uma palavra, vai homem conta logo!
Abrãozinho e Dadinho saíram da praça e foram se sentar no jardim do cinema Parque na Rua do Hospício. Por lá teria menos curiosos e "abelhudos" (com as orelhas direcionadas a conversa alheia).
Abrãozinho nesta oportunidade contou tudo que sabia e tinha escutado do dia que Xòxá voltou do interior até que viajaram para Bahia e todos os demais fatos que ocorreram neste ínterim.
Dadinho suava frio, só não desmaiou por que queria estar a par de todos os detalhes.
Abrãozinho continuou contando ao amigo:
-Te digo mais, Xóxa estava grávida quando casou na Bahia e se mandou para o Rio de Janeiro com o seu maridinho judeu.
Esta foi demais para Dadinho, agora ele tremia que nem "vara verde de marmeleiro" (um raminho tenro de um arbusto), a boca acompanhava a tremedeira, assim também o corpo todo, como se no Recife estivesse nevando.
De repente como tivesse sido picado por um maribondo, ficou de pé e exclamou:
-De aonde você sabe tudo isso? Como vou acreditar nessa estória louca?
Serenamente Abrãozinho pegou na mão de Dadinho, puxou ele de volta para o banco e disse sussurrando:
-Tu não sabias que eu "trepo" (tenho relações sexuais), com a empregada novinha deles? A empregada velha viajou com a família e quando voltou da Bahia contou tudinho a Silvinha "mon amour"! Daí eu sei a estória toda, tudo "tin tin por tin"( com todos os pormenores) do que ocorreu. 
Daí pra frente não sei mais nada, pois a família depois de curto tempo foi embora para o sul e as empregadas foram com eles, pois lá é difícil encontrar gente fiel para este trabalho. O casarão está agora ocupado pelos irmãos da Xóxa.
-Então Xóxa está casada e de bucho meu, ai Deus me acuda, Nossa Senhora... Exclamou Dadinho entre um soluço e outro. Despediu-se de Abrãozinho com um forte abraço e desapareceu lá para o lado do Beco do Camarão e nunca mais foi visto.
Os colegas da pensão depois de alguns dias deram parte a policia e comunicaram o misterioso desaparecimento de Dadinho.

Abrãozinho contou o que sabia ao delegado Mota que investigava o caso, acrescentou ademais que viu ele tomar o bonde para Olinda.
A mesma coisa relatou o bilheteiro do Cine Parque cujo poste de parada do bonde era defronte da entrada do cinema.
Os amigos foram para Olinda, procuraram nos bares onde ele costumava tomar seu "traguinho" com os artistas e músicos que ali se reuniam, mas ninguém sabia ou viu coisa nenhuma com respeito à Dadinho.
O único que deu uma pista certa foi seu Silvino da barraquinha (quiosco) do Varadouro que vendia refresco gelado das frutas da época. A clássica gelada de Mangaba, a melhor do mundo era uma delas, inesquecível.
Ele relatou que ontem ou ante ontem viu Dadinho sentado num banco com o Frei Bororó e depois de um tempo saíram juntos de ladeira acima e sumiram na penumbra do anoitecer.
Correu o pessoal para o seminário para falar com o tal Frei Bororó.
Pediram desculpa pela hora, mais era um problema urgente que queriam pedir a sua ajuda.
O Frei relatou que este amigo deles veio pedir um conselho espiritual e no fim se confessou, não com ele, porem com o padre Justino que é autorizado a tratar dessas coisas.
Foram procurar o tal padre, mas o tema da confessão é segredo que nem a policia tem direito de saber. Ele só pôde acrescentar que Dadinho ao se despedir beijou-lhe a mão e disse que iria ver seus pais em Alagoas e pedir perdão.
O grupo de colegas voltou para o Recife e no dia seguinte foram ter com o delegado da Delegacia da Rua do Aragão e relataram as novidades que conseguiram coletar em Olinda.
O delegado Senhor Celestino Mota logo se pronunciou que ele se encarregaria de telefonar para as autoridades em Maceió. Eles lá já entrarão em contato com o delegado de Palmeira dos Índios e com o coronel Monteiro o pai de Dadinho na fazenda "Os Três Cipós".       
 - Agora as coisas estão nas minhas mãos, não se preocupem mais até que receba a resposta de Alagoas.  Nós aqui continuaremos de alerta realizando buscas e investigações! Vão descansar meninada! Ordenou com um sorriso que revelava 4 dentes de ouro na dentadura do maxilar superior.
A resposta ao telegrama do delegado Mota chegou rápido:
Dadinho não chegou na fazenda dos seus pais e possivelmente nem viajara para Maceió.
Agora as coisas se complicavam, até o Secretario de Segurança do Estado se meteu, exigindo maior perseverança nas buscas e investigações e que guardassem sigilo conquanto aos resultados intermediários.
Os colegas não esperaram muito, juntaram um dinheirinho e publicaram nos 3 jornais da cidade um aviso que pedia que Dadinho desse um sinal de vida, pois eles estavam deveras preocupados. E não era para menos, pois isso não era comum nesse grupo de estudantes em que um vivia "agarrado" com o outro, era como diziam de brincadeira: "Vivem feito cachorros, um cheirando o cu do outro", maneira de se expressar entre amigos íntimos.
Fim da parte 2 do capitulo "POR ONDE ANDARÁ DADINHO" (novela) Um amor impossível.
Paulo Lisker
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