Imagem paisagistica de Beberibe
Fotos: Google Internet
Os pregões que me lembro do Recife "matuto".
Paulo Lisker
Israel
Israel
Terceira aquarela do Recife judaico- "O SANTO DE BEBERIBE"-(Hamalach- O Santo)
Parte 2
Seu Meierle sempre pagava a vista os mantimentos que necessitava para sua casa ou pelo querosene para o gerador que comprara recentemente nas Casas Mesbla no Recife.
Contava a todos que queriam escutar, que o importador o senhor Dr. Montenegro, que representava em Pernambuco a firma alemã "KRUP" lhe dera uma garantia de 10 anos!
Contava a todos que queriam escutar, que o importador o senhor Dr. Montenegro, que representava em Pernambuco a firma alemã "KRUP" lhe dera uma garantia de 10 anos!
O atestado de garantia era original da fabrica em Hamburgo e escrito em alemão gótico.
A única coisa que ele entendia deste papel era o numero 10 e deduziu que eram os anos de garantia do gerador, possivelmente era o numero do edifício da fabrica que produzia estes geradores alemães no continente europeu.
A única coisa que ele entendia deste papel era o numero 10 e deduziu que eram os anos de garantia do gerador, possivelmente era o numero do edifício da fabrica que produzia estes geradores alemães no continente europeu.
Mas assim é a vida e cada um entende as coisas como quer.
Com este "apetrecho"( o gerador elétrico), foi ele o primeiro a "alumiar" (iluminar. no idioma de gente letrada), com lâmpadas elétricas o "mato" onde habitava.
O resto da população usava "fifós de pavio", velas de sebo ou candeeiros (iluminação a base de querosene.
Inacreditável, o pessoal fazia fila pra ver o milagre da luz elétrica todo santo dia, fora dos sábados, pois como bom judeu neste dia da semana também o gerador "descansava".
Às 18 horas ele punha o gerador pra funcionar com uma manivela. As lâmpadas se acendiam iluminando com uma luz pálida as veredas e o seu casebre no sitio.
O povo todo ficava espantado em ver a luz iluminar sem fogo.
Eles tinham, os que tinham, era candeeiros com querosene nos seus mocambos e o fogo nos pavios era que "alumiava" o recinto.
Eles tinham, os que tinham, era candeeiros com querosene nos seus mocambos e o fogo nos pavios era que "alumiava" o recinto.
Quando o gerador de pistão único do "santo" funcionava pela noite adentro, se ouvia em todo Beberibe o som do "progresso" chegando.
Era assim: "Ta ta ta, tac, fush, fush, ta, tac", até as 22 horas (10 da noite na língua do povo). Quando a população adormecia no balanço das redes que tinha em todos os casebres e mocambos, então o silencio tomava conta de todo o arrabalde.
Um empregado do "santo"(seu Mituca), desligava (apagava, na língua do povo), o motor, olhava pelas vacas e também ele ia "cair nos braços de Orfeu" (Dormir, quando se trata de "gente rica", que já possui gerador de luz). Era a hora em que as brumas tomavam conta da "humanidade" em todo Beberibe.
Já fuxicavam (falar sem nexo em nordestino) e diziam que seu Meierle com toda certeza foi um dos "Apóstolos de Cristo" que "perdeu as estribeiras" (o caminho certo) e não encontrou o caminho de volta para a cidade Santa de Jerusalém. Ou talvez ele veio mandado diretamente por Nosso Senhor do céu. Foi um mero acaso que ele veio "bater" (chegar para ficar, na língua da rua), em Beberibe.
Vejam só que sorte, diziam satisfeitos os matutos moradores do vilarejo:
-"Podia ele ir bater em Paulista ou Água Fria ou mesmo em Olinda que é muito mais bonita que o nosso Beberibe das moscas e muriçocas, mas veio parar aqui com a benção de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo". Claro que é de ficar muito honrado mesmo, ter esse "santo" de verdade morando com nós aqui no arraial.
O frei Justo ficava furioso com estas besteiras que o povo inventava. O boato corria não só em Beberibe, mas se espalhava para outras bandas e outros arrabaldes.
O medo que tinha o frei era que este sitiante viesse logo mais ser um candidato a beatificação pelo Papa no Vaticano , recomendado pelo a arcebispo de Olinda e Recife que tinha muita influencia nos sínodos que se reuniam de tempos em tempos para esta especial missão.
Ele lutava contra este herege dentro e fora da capela que ministrava.
Nos sermões do Domingo dizia a todos os presentes:
-Este sitiante não frequenta a igreja, não vem à missa aos domingos. Este homem não é nem cristão, ele é judeu e não tem santo judeu!
-Este sitiante não frequenta a igreja, não vem à missa aos domingos. Este homem não é nem cristão, ele é judeu e não tem santo judeu!
O frei esqueceu quem foi Jesus, os seus apóstolos e seus inúmeros seguidores da nova religião que começava a engatinhar depois que Jesus foi crucificado por ordem do Interventor mandado pelo império romano, Pôncio Pilatos.
O que mais intrigava a todos no povoado era o nome do tal "santo".
Seria Michael ou Michel, que diabo é Meierle? Ou será Meireles, assim como, os familiares, os donos de um engenho de rapadura (uma etapa na fabricação caseira de blocos do açúcar bruto), no bairro Agua Fria. Quem saberia dizer? Quem seria ele? De onde provem este nome tão estranho no meio do mato, em Beberibe.
Seria uma corruptela? (maneira incorreta da verdadeira pronuncia do nome) de Gabriel um dos apóstolos de Jesus Cristo ou Ezequiel o profeta, ninguém sabia dizer.
De onde derivava a palavra Meierle? Interessante que o nome próprio, nunca ninguém usou pra coisa alguma.
Muitas vezes escutávamos na nossa casa no Recife e mesmo nas conversas entre os vizinhos, sobre uma família de judeus "fin indzere ashkenazer iidn" (em português, "dos nossos judeus ashkenazitas), que vivia metida no mato em Beberibe, possivelmente era deste "santo" que estavam falando na comunidade.
Em geral os nomes das famílias judaicas derivam do nome de cidades onde seus antepassados habitaram, por exemplo: Franckfurter, Berliner, Toledano, Sweitzer (De Frankfurt, de Berlim, de Toledo, Suíça, etc. Ou profissões que alguém da família exercia, assim como: Stolier, Vasserman, Leiderman, Miler, Bauer, Yeguer, Treiguer, Fisher, Guertner, etc (carpinteiro, carregador de água, negociava com couro ou tinha curtume, farinheira, camponês, caçador, carregador, pescador, jardineiro), nome de animais: Foiguel, Katz, Wolf, Fish, Leib, (Passarinho, gato, lobo, peixe, leão, etc.), todas as cores Weiss, Schwartz, Guelb, Green (branco, preto, amarelo, verde, etc.) e finalmente a tradução ou escrito errado pelos escrivães dos centros de identificação na Europa medieval. Toda essa gente tinha no passado longínquo nomes hebraicos e por pressão da sociedade cristã onde se instalaram depois que se dispersaram pelo mundo foram obrigados a mudar o nome que tivesse um significado qualquer e satisfazer a sociedade onde viviam escondendo a sua verdadeira origem.
Mas se tratando do nome Meierle de onde derivaria?
Cidade com um nome parecido não detectamos. Profissão também não.
Seria o erro de algum escrivão da época medieval? Ou seria de uma família que algum componente era o "acendedor das lampadas de gás" nos postes das ruas do centro habitacional??? Quen sabe?
Seria o erro de algum escrivão da época medieval? Ou seria de uma família que algum componente era o "acendedor das lampadas de gás" nos postes das ruas do centro habitacional??? Quen sabe?
Quebramos a cabeça e não achamos nada parecido.
Finalmente, um familiar meu, depois de muito matutar com o problema, propôs:
-Este nome deriva da palavra "Afortunado ou iluminado", em hebraico e que no exílio (diáspora) se passou para o iídiche.
-Este nome deriva da palavra "Afortunado ou iluminado", em hebraico e que no exílio (diáspora) se passou para o iídiche.
MAIR, MEIR , (MEIERLE, no diminuitivo do iídiche), pois era comum este oficio ser dado a um garoto que saia antes do anoitecer com uma vara que numa extremidade levava una buxa acesa embebida em querosene e com este apetrecho saia acendendo os postes de luz da cidade (ou vilarejo), na Europa medieval.
Parece que "atirou na mosca"ou na língua de gente "acertou em cheio"!
Parece que "atirou na mosca"ou na língua de gente "acertou em cheio"!
Tinha razão, em hebraico "meir" é exatamente "uma especie de afortunado ou iluminado" e quem tem sorte é "afortunado", em iídiche e no hebraico, idiomas usados pelo povo judeu por milênios e que significa, sorte.
A corruptela MEIERL ou MEIERLE, no sotaque iídiche pegava perfeitamente bem e fim da "agonia" e da "pesquisa" para desvendar o mistério do nome.
Poucas famílias de judeus viviam nos arrabaldes, meio longe da civilização.
Um deles era exatamente o senhor Meierl também conhecido pela comunidade judaica no Recife como "Der Mulech", o Santo.
Um deles era exatamente o senhor Meierl também conhecido pela comunidade judaica no Recife como "Der Mulech", o Santo.
Se me perguntas o porquê desse apelido não sei. Possivelmente pela indumentaria branca alvíssima que diariamente usava, sempre de sandálias, na chuva ou no sol,
ou pela simplicidade da vida austera que levava no mato, por livre e espontânea vontade. Sei lá!
Pena que não perguntei a meu avô que conversava muito com ele quando trazia na nossa casa no Bairro da Boa Vista no Recife, coalhadas, queijo branco ou manteiga ( em iídiche, smetene).
Conversavam um bocado até que seu Meierle se lembrava que o sol já estava de pique (no meio do céu) e que ainda tinha mercadoria pra vender. Despedia-se em iídiche:
-"A guitn tug, und zol zain shulem, amem! (Muito bom dia e que reine a paz, Amem).
-"A guitn tug, und zol zain shulem, amem! (Muito bom dia e que reine a paz, Amem).
O meu avô respondia: "Gueit guezunter heit, shulem, shulem her Meierl. (Que tenhas muita saúde e paz, senhor Meierl).
Eu menino, muito novinho e tolo, escutava a conversa, mas não me metia. Ficava intrigado pensando, onde ele esconde as asas e o halo luminoso da cabeça, se é santo de verdade. Não é santo?? Santo, por que santo? Pena, fiquei ignorante neste caso.
Até aqui a segunda parte da terceira aquarela judaica do Recife. "O SANTO MEIERL de BEBERIBE"
Paulo Lisker-Israel
25-10-2011
(Todos os direitos autorais reservados)