O CHOFER SIMEÃO E SUA FUBICA - Parte I
Paulo Lisker, de Israel
Simeão era chofer de carro de aluguel na Praça Maciel Pinheiro e também mecânico diplomado pela "Opel" do Recife.
Um negro da cor de piche, sua pele brilhava, a dentadura alva que nunca viu dentista nem de longe, seu apelido na praça de estacionamento era "Jamelão" e claro torcia pelo Santa Cruz Futebol Clube.
Ele ao que me parece era "Crente" ou da "Igreja do Sétimo Dia" (estou em dúvidas).
Um senhor de maneiras muito educada, prestativo, ia logo à busca da bagagem do passageiro, caso tivesse, metia na mala (bagageiro) da "fubica" (assim denominavam os carros velhos naquele tempo) e saíam fumaçando rumo ao endereço que o passageiro lhe dera antes de subir no carro e combinar o preço da viagem.
Desta vez era da Rodoviária (Estação Central de ônibus no cais de Santa Rita) em direção a uma residência na Praça Maciel Pinheiro, por esta razão o preço combinado saía bem baratinho, pois era o estacionamento normal deste carro de aluguel.
Pelas janelas do carro o passageiro estava em contato direto com o Recife que se vislumbrava para qualquer turista de fora ou mesmo para quem estava chegando de uma viagem pelo interior do Estado.
O aroma e as cores do Recife estavam estampadas nas ruas próximas ao cais de Santa Rita e em volta do ponto terminal dos ônibus.
Não sei se também nas outras cidades do Nordeste se estampa o mesmo panorama ou o Recife é algo diferente das demais.
Ali estavam as carrocinhas dos vendedores de cachorro quente, saquinhos de bolinhos de goma e pão doce salpicados com açúcar cristal, o carrinho de gelada de frutas da época, (tamarindo, limão da terra com nacos de casca, laranja comum, cajá, pitanga, etc.).
Duas maquinas de caldo de cana que serviam em copos grandes com pedras de gelo um líquido doce, de cor verde intenso, tinham aqueles que preferiam adicionar também sumo de limão de pé franco (gosto e sabor, não se discute).
O cheiro das canas esmagadas pela máquina lembrava o aroma que exalavam as bagaceiras das usinas de açúcar no seu processamento ou mesmo dos canaviais em floração antes da queima e corte, na zona da mata e agreste pernambucano.
Nas calçadas passavam os vendedores cada qual com seu pregão.
Os vendedores de garapa, mel de uruçu, rolete de cana, macaxeira rosa ("cozinha inté em água fria"), o cuscuz, o "Omi do miúdo", que agorinha saiu do matadouro de Peixinhos com os miúdos fresquinhos e muitos outros que sempre estavam a oferecer seus produtos a quem queria comprar, em qualquer hora do dia.
Estavam ali as tendinhas das costureiras, rendeiras e bordadeiras, que traziam seus trabalhos manuais, as famosas rendas do Ceará, roupa de criança, redes do Caruaru, chapéus de palha de Vitória de Santo Antão e de couro de Cabrobó, tudo isso estava à venda exposto nas calçadas.
O mais sui generis dos produtos crioulos que sempre estavam presentes eram os tamancos de madeira e as sandálias rústicas com o solado de pneus Firestone. Estes saíram de circulação dos meios de transportes, porém nestas sandálias eles não se acabavam nunca.
Eu que o diga, pois as usei durante anos, nunca me envergonhei, muito pelo contrário, me vangloriava, pois os amigos usavam calçados da Casa Clarck que eram os preferidos pelos "veados" ricos da cidade.
Ali na esquina, estavam os vendedores de coco verde, malabaristas no uso do facão para preparar o coco (dizem que o coco da Paraíba é o que tem mais água e o mais doce, o nosso coco da praia é meio salobro).
Depois que o freguês bebeu o líquido divino, então para comer a "laminha saborosa" é oferecida uma colherzinha feita com a habilidade da própria casca do coco.
Esta colherzinha é mais um "engenho nordestino", assim como, a máquina de descascar laranjas nas portas dos estádios de futebol, nos domingos ensolarados e o "Mais Pesado que o Ar" (o avião de Santos Dumont que ninguém no mundo aceita como invenção brasileira).
Conquanto a tal colherzinha, ninguém discute, Ainda bem!
Mais pra longe, estavam ancoradas no cais de Santa Rita, as barcaças, desembarcando fardos de algodão "Mocó" do agreste e do sertão, sacos de farinha de mandioca, sacos de açúcar, engradados com pequenos animais ou aves, um mundo de esteiras de todo tamanho, redes, vassouras de Piaçaba, espanadores de carrapicho, varas compridas, gaiolas e alçapões de "barba de bode", e mais um mundão de mercadorias interioranas.
Noutras barcaças carregavam pra levar para o interior o sal das salinas do litoral, carne de charque proveniente do Rio Grande do Sul, pequenos utensílios domésticos de alumínio, tecidos, vestimenta, calçado (sapatos e botas), ferramentas para roça, roupa de cama, garrafas de refrigerantes e bebidas em geral, tudo que era material manufaturado na capital ou vinha do sul do País.
Todas essas operações, carregar, descarregar, empilhar, arrumar, amarrar eram feitas por mulatos musculosos, brilhando de suor nos dias de quenturas e sem brisa no Recife de verão eterno.
Estes intrépidos estivadores crioulos, que vestiam camisas feitas de sacos de farinha de trigo, usavam só seus braços e cabeças neste trabalho pesado. Era um costume dessa gente sempre estar cantando durante estas operações "portuárias". Eu nunca vi por lá guindastes ou cousa que o valha. Greve de estivadores nunca se ouviu falar por aqui.
Imaginem o colorido e o aroma de tudo isso apresentado ao publico e visto através da janela da fubica 29, do chofer Simeão.
Era mesmo para quem estava chegando de fora, um "limpar da vista" e que nem Walt Disney conseguiria colocar na tela do cinema, e que ele me desculpe.
Fim da parte 1
Todos os direitos autorais reservados.
Simeão era chofer de carro de aluguel na Praça Maciel Pinheiro e também mecânico diplomado pela "Opel" do Recife.
Um negro da cor de piche, sua pele brilhava, a dentadura alva que nunca viu dentista nem de longe, seu apelido na praça de estacionamento era "Jamelão" e claro torcia pelo Santa Cruz Futebol Clube.
Ele ao que me parece era "Crente" ou da "Igreja do Sétimo Dia" (estou em dúvidas).
Um senhor de maneiras muito educada, prestativo, ia logo à busca da bagagem do passageiro, caso tivesse, metia na mala (bagageiro) da "fubica" (assim denominavam os carros velhos naquele tempo) e saíam fumaçando rumo ao endereço que o passageiro lhe dera antes de subir no carro e combinar o preço da viagem.
Desta vez era da Rodoviária (Estação Central de ônibus no cais de Santa Rita) em direção a uma residência na Praça Maciel Pinheiro, por esta razão o preço combinado saía bem baratinho, pois era o estacionamento normal deste carro de aluguel.
Pelas janelas do carro o passageiro estava em contato direto com o Recife que se vislumbrava para qualquer turista de fora ou mesmo para quem estava chegando de uma viagem pelo interior do Estado.
O aroma e as cores do Recife estavam estampadas nas ruas próximas ao cais de Santa Rita e em volta do ponto terminal dos ônibus.
Não sei se também nas outras cidades do Nordeste se estampa o mesmo panorama ou o Recife é algo diferente das demais.
Ali estavam as carrocinhas dos vendedores de cachorro quente, saquinhos de bolinhos de goma e pão doce salpicados com açúcar cristal, o carrinho de gelada de frutas da época, (tamarindo, limão da terra com nacos de casca, laranja comum, cajá, pitanga, etc.).
Duas maquinas de caldo de cana que serviam em copos grandes com pedras de gelo um líquido doce, de cor verde intenso, tinham aqueles que preferiam adicionar também sumo de limão de pé franco (gosto e sabor, não se discute).
O cheiro das canas esmagadas pela máquina lembrava o aroma que exalavam as bagaceiras das usinas de açúcar no seu processamento ou mesmo dos canaviais em floração antes da queima e corte, na zona da mata e agreste pernambucano.
Nas calçadas passavam os vendedores cada qual com seu pregão.
Os vendedores de garapa, mel de uruçu, rolete de cana, macaxeira rosa ("cozinha inté em água fria"), o cuscuz, o "Omi do miúdo", que agorinha saiu do matadouro de Peixinhos com os miúdos fresquinhos e muitos outros que sempre estavam a oferecer seus produtos a quem queria comprar, em qualquer hora do dia.
Estavam ali as tendinhas das costureiras, rendeiras e bordadeiras, que traziam seus trabalhos manuais, as famosas rendas do Ceará, roupa de criança, redes do Caruaru, chapéus de palha de Vitória de Santo Antão e de couro de Cabrobó, tudo isso estava à venda exposto nas calçadas.
O mais sui generis dos produtos crioulos que sempre estavam presentes eram os tamancos de madeira e as sandálias rústicas com o solado de pneus Firestone. Estes saíram de circulação dos meios de transportes, porém nestas sandálias eles não se acabavam nunca.
Eu que o diga, pois as usei durante anos, nunca me envergonhei, muito pelo contrário, me vangloriava, pois os amigos usavam calçados da Casa Clarck que eram os preferidos pelos "veados" ricos da cidade.
Ali na esquina, estavam os vendedores de coco verde, malabaristas no uso do facão para preparar o coco (dizem que o coco da Paraíba é o que tem mais água e o mais doce, o nosso coco da praia é meio salobro).
Depois que o freguês bebeu o líquido divino, então para comer a "laminha saborosa" é oferecida uma colherzinha feita com a habilidade da própria casca do coco.
Esta colherzinha é mais um "engenho nordestino", assim como, a máquina de descascar laranjas nas portas dos estádios de futebol, nos domingos ensolarados e o "Mais Pesado que o Ar" (o avião de Santos Dumont que ninguém no mundo aceita como invenção brasileira).
Conquanto a tal colherzinha, ninguém discute, Ainda bem!
Mais pra longe, estavam ancoradas no cais de Santa Rita, as barcaças, desembarcando fardos de algodão "Mocó" do agreste e do sertão, sacos de farinha de mandioca, sacos de açúcar, engradados com pequenos animais ou aves, um mundo de esteiras de todo tamanho, redes, vassouras de Piaçaba, espanadores de carrapicho, varas compridas, gaiolas e alçapões de "barba de bode", e mais um mundão de mercadorias interioranas.
Noutras barcaças carregavam pra levar para o interior o sal das salinas do litoral, carne de charque proveniente do Rio Grande do Sul, pequenos utensílios domésticos de alumínio, tecidos, vestimenta, calçado (sapatos e botas), ferramentas para roça, roupa de cama, garrafas de refrigerantes e bebidas em geral, tudo que era material manufaturado na capital ou vinha do sul do País.
Todas essas operações, carregar, descarregar, empilhar, arrumar, amarrar eram feitas por mulatos musculosos, brilhando de suor nos dias de quenturas e sem brisa no Recife de verão eterno.
Estes intrépidos estivadores crioulos, que vestiam camisas feitas de sacos de farinha de trigo, usavam só seus braços e cabeças neste trabalho pesado. Era um costume dessa gente sempre estar cantando durante estas operações "portuárias". Eu nunca vi por lá guindastes ou cousa que o valha. Greve de estivadores nunca se ouviu falar por aqui.
Imaginem o colorido e o aroma de tudo isso apresentado ao publico e visto através da janela da fubica 29, do chofer Simeão.
Era mesmo para quem estava chegando de fora, um "limpar da vista" e que nem Walt Disney conseguiria colocar na tela do cinema, e que ele me desculpe.
Fim da parte 1
Todos os direitos autorais reservados.

ResponderExcluirEng. Israel Coslovsky São Paulo
DISSE:
Paulo
Bom como sempre...
Acho que esta revisão ficou mais saborosa do que a anterior.
Um abraço
israel
Dr. Meraldo Zisman Recife
DISSE:
Crônica muito boa.
Tenho notado quanto o seu estilo melhorou, está muito bom.
Parabéns.
Obrigado pelas belas materias.
abraços
Meraldo
Dr. S. Hulak Recife
DISSE:
Paulo, a crônica chegou.
Andei muito no "carro de praça" do
senhor Simeão.
Papai fez um contrato para me levar e o meuirmão para o colégio yidish(Rua da Glória).
Abraço,
Samuel.
Dr. Claudio Azoubel, Salvador, Bahia
DISSE:
Me deliciei. Tambem usei aquelas alpargatas feitas com solado de pneus. E se era de pneu faixa branca, era um luxo. Fui tambem moleque na praia de Olinda e aprendí a abrir um côco verde como ninguem e fazia tambem a colher da casca do coco que permitia que comessemos a “lama” quando ele estava verdinho. Caldo de cana: bebí demais e sempre acompanhado com pão doce – era um famoso “bate entope” que nos deixava saciados por muito e muito tempo. Para matar as saudades, adquiri uma daquelas maquinas de descascar laranjas – não as uso muito tendo elas muito mais como coisas de lembranças da juventude. Me lembro tambem muito bem das figuras dos choufers de praça, figuras que o tempo e o progresso (?) se encarregaran de por um fim.
Um grande abraço
Claudio
Anônimo Urariano Mota disse...
Clóvis, estas memórias de Paulo Lisker precisam virar livro.
Têm cheiro, sabor, e em algumas linhas é um diálogo com o "Evocação do Recife"
de Manuel Bandeira. Aliás, sexta-feira na Rádio Capibaribe comentei que a melhor
prosa de Pernambuco está na poesia do Recfie. Isso quer dizer: é uma prosa que
se nutre e dialoga com essa poesia.
Por último, o livro de Lisker mereceuma revisão: o "chofer" torcia pelo Sport.
Abraço
Eng. Agr. Ildo E.Lederman, Recife
DISSE:
E` isso aí Paulo!!!
Finalmente, alguem da área` está dando o devido valor e reconhecimento as suas Cronicas e não, croniquetas infantiloides como vc. insiste em denomina-las.
Um abraco,
Helinho
Dra. Semira W. Adler Recife
DISSE:
Parabéns, Paulo!
bjs,
Semira
13 de maio de 2013 15:28 Excluir
Ing. I.Coslovsky São Paulo
DISSE:
PAULO
MERECE SIM, SER PUBLICADA EM LIVRO !!
ISRAEL
Dr. Samuel Hulak Recife
DISSE:
Parabéns Paulo.
O sucesso é mais que merecido.
Desde o início que venho insistindo para a publicação de suas crônicas.
Abraço,
Samuel.
Sra. M. Steinberg Recife
DISSE:
Paulo, estou gostando do rumo que suas cronicas estão tomando.
Sempre penso também nessa idéia.
Parabens
Abraço
Matilde
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