O blecaute (parte 1)
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Parte 1: GUERRA NA EUROPA E BLACK-OUT, NO RECIFE
Paulo Lisker, de Israel
Numa das noites de blecaute no Recife, organizado pelo exercito americano sediado nas suas bases no nordeste, o nosso terraço estava cheio com as visitas do meu avô.
Não sei se vieram por que sabiam do "black-out" e queriam dialogar sobre a guerra na Europa, ou arengar (discutir brabo em nordestino) sobre o avanço do exercito alemão nazista nos países de onde eles eram provenientes.
Mas também poderia ser pelo chá fervendo sempre servido com alguma bolachinha e os cubinhos de açúcar pra adoçar o âmago da erva.
Pelos boatos que já corria pelo Recife todo, logo, logo o exercito nazista do general Romel (a "raposa do deserto") que batalhava com muito êxito no norte da África, estaria às portas de Dakar.
De lá para a cidade de Natal, mais pra cima do Recife, era questão de um par de horas, se isso viesse a ocorrer possivelmente eu não estaria escrevendo estas linhas.
O verdadeiro motivo desta reunião nesta noite, até hoje não sei. Como criança nunca me atrevi a perguntar.
A "casa estava cheia", os senhores, Shvalbman, Froico, Goldberg, Tabachnick, tio Jorge (o sertanejo), Berenstein, Komorov, o velho Citerman e dois ou três outros que não recordo os nomes, pois vinham esporadicamente. Quase me esqueço, estava presente também o pai de Jaime o senhor Zimilovich com a esposa dona Inês que ficou na sala conversando com minha mãe e tia Matilde.
Nesta ocasião a empregada trabalhou duro para servir tantos copos de chá fervendo para tanta gente.
Colocaram na mesa duas caixas de cubinhos de açúcar (uma já não era suficiente para tantas bocas) e uma travessa de bolachas Maria com fatias bem fininhas de "Goiabada Peixe" de lado para quem quiser. (Naquele tempo ninguém dava bolas para o diabete)
Lembram-se da "Goiabada Peixe", fabricada no município de Pesqueira, aquela da lata redonda?
Diziam na época que esta geléia era feita de uma mistura de 50% de goiaba e 50% de abóbora, ou seja, uma goiaba para cada abóbora! Mesmo assim era gostosa "pra burro".
Eu sempre preferi desta fabrica a Bananada, muito mais gostosa e acompanha da com uma fatia de queijo Coalho de Serra Talhada, não havia sobremesa melhor. Tinha também a Figada de cor meio verde, porem nunca fui fã dela.
Meu pai apareceu na porta da cozinha e perguntou ao pessoal do terraço se já provaram o chá?
Sabem de qual erva é o chá desta noite minha gente?
Fiquem sabendo que vocês estão saboreando um chá às modas da Ucrânia, de casca seca de maçã e pau de canela. Produto caseiro nosso. Estão gostando?
Um sussurro entre as visitas, nem deu para responder e logo começou o blecaute. A sirene tocava bem longe, lá pros lados do Hospital Pedro II nos Coelhos e parecia a choradeira de nenês e zumbido do vento nos fios dos bondes.
Escuro, nas ruas e edifícios públicos.
Zumbidos ainda mais fortes eram os aviões!
Acho que eram "Fortalezas Voadoras" que passavam bem baixinho por cima das casas.
Era no tempo que no Recife matuto não tinha arranha céus, o mais alto nas vizinhanças era o celebre Hotel Central de 7 andares (me parece) e todo ocupado pelos militares americanos em "defesa" ao nosso querido Brasil.
A defesa antiaérea logo acendeu os potentes holofotes, em direção ao céu em busca dos aviões, não para derrubá-los, mas só para "inglês ver", sabem como é.
O Recife ficou no escuro, só se ouvia o guarda noturno apitando e gritando para os moradores: "seu Rubinsky apaga a luz no primeiro andar", "seu Bacal agora não é hora dos meninos fazer lição", "vocês na casa da esquina, seu Benedito apaga a luz no alpendre e tira as gaiolas dos papagaios"! Os gringos vão começar logo mais a jogar sacos de areia onde a luz estiver acesa, vai gente, anda, não facilita a guerra pros nazistas.
Hei tu ai, quem es tu? No escuro não estou te reconhecendo.
Sou Mituca seu guarda, o torcedor eterno do clube Íbis, agora que viraste Guarda Noturno, não reconhece mais os amigos?
Es tu Mituca, apaga o cigarro filho da peste e já, senão te dou uma multa por estares desacatando a ordem na hora do blecaute!
Seu guarda onde tu me viu eu desordeiro, tas bêbo?
Apaga o cigarro e já, não discuta. Bêbo tas tu.
Num vê que cada trago o lume do cigarro fica vermelho e prende uma luz forte que pode dar pista ao avião no céu?
Tá bem, ta bem, vou apagar para o bem geral da nação! Quem foi mesmo que disse esse dizer? Foi alguém importante tenho certeza!
Anda, anda Mituca, ta na hora de tu estares com a família, vai embora troço.
Já vou seu guarda, até mais ver no jogo do domingo. O meu querido Íbis joga contra o Santa Cruz, aí eu quero ver tu com essa macheza toda!
Cambaleando se foi Mituca até que desapareceu no escuro da Rua do Jiriquiti.
Mais uns 15 minutos e tudo acabou com o som de uma sirene longínqua avisando fim do exercício e do black-out.
Na nossa casa não caiu nem um saquinho de areia "made in USA", pena quem sabe dentro vinham uns dólares. Fútil pensamento de criança.
A velharada agora sem medo dos nazistas, depois desse exercício com aviões e tudo, tem toda certeza que amanhã eles não desembarcarão em Natal.
Cada qual tomou seu copo de chá de cascas secas de maçã e pau de canela.
Como de costume os primeiros sorvos eram para sentir o gosto da erva e logo depois pegavam a bolacha Maria e metiam na boca com os cubinhos de açúcar.
Alguns emborcavam a bolacha no chá para amolecer, pois não tinham todos os dentes para mastigar e assim era mais fácil engolir sem ferir as gengivas. Também poderia ser um costume dessa gente ainda na Europa, pois meu pai fazia o mesmo com o pão na sopa quente de galinha, quando jantava de noite depois do trabalho como ambulante (prestamista) nos subúrbios do Recife.
De qualquer maneira, esta era a imagem formada na minha mente de menino dos amigos do meu avô!
Os "bebedores de chá" com bolacha (biscoito, para aqueles que não conhecem o termo), alguns banguelos (desdentados pra quem não conhecem o termo), no terraço do nosso casarão da Rua Gervásio Pires.
Numa das noites de blecaute no Recife, organizado pelo exercito americano sediado nas suas bases no nordeste, o nosso terraço estava cheio com as visitas do meu avô.
Não sei se vieram por que sabiam do "black-out" e queriam dialogar sobre a guerra na Europa, ou arengar (discutir brabo em nordestino) sobre o avanço do exercito alemão nazista nos países de onde eles eram provenientes.
Mas também poderia ser pelo chá fervendo sempre servido com alguma bolachinha e os cubinhos de açúcar pra adoçar o âmago da erva.
Pelos boatos que já corria pelo Recife todo, logo, logo o exercito nazista do general Romel (a "raposa do deserto") que batalhava com muito êxito no norte da África, estaria às portas de Dakar.
De lá para a cidade de Natal, mais pra cima do Recife, era questão de um par de horas, se isso viesse a ocorrer possivelmente eu não estaria escrevendo estas linhas.
O verdadeiro motivo desta reunião nesta noite, até hoje não sei. Como criança nunca me atrevi a perguntar.
A "casa estava cheia", os senhores, Shvalbman, Froico, Goldberg, Tabachnick, tio Jorge (o sertanejo), Berenstein, Komorov, o velho Citerman e dois ou três outros que não recordo os nomes, pois vinham esporadicamente. Quase me esqueço, estava presente também o pai de Jaime o senhor Zimilovich com a esposa dona Inês que ficou na sala conversando com minha mãe e tia Matilde.
Nesta ocasião a empregada trabalhou duro para servir tantos copos de chá fervendo para tanta gente.
Colocaram na mesa duas caixas de cubinhos de açúcar (uma já não era suficiente para tantas bocas) e uma travessa de bolachas Maria com fatias bem fininhas de "Goiabada Peixe" de lado para quem quiser. (Naquele tempo ninguém dava bolas para o diabete)
Lembram-se da "Goiabada Peixe", fabricada no município de Pesqueira, aquela da lata redonda?
Diziam na época que esta geléia era feita de uma mistura de 50% de goiaba e 50% de abóbora, ou seja, uma goiaba para cada abóbora! Mesmo assim era gostosa "pra burro".
Eu sempre preferi desta fabrica a Bananada, muito mais gostosa e acompanha da com uma fatia de queijo Coalho de Serra Talhada, não havia sobremesa melhor. Tinha também a Figada de cor meio verde, porem nunca fui fã dela.
Meu pai apareceu na porta da cozinha e perguntou ao pessoal do terraço se já provaram o chá?
Sabem de qual erva é o chá desta noite minha gente?
Fiquem sabendo que vocês estão saboreando um chá às modas da Ucrânia, de casca seca de maçã e pau de canela. Produto caseiro nosso. Estão gostando?
Um sussurro entre as visitas, nem deu para responder e logo começou o blecaute. A sirene tocava bem longe, lá pros lados do Hospital Pedro II nos Coelhos e parecia a choradeira de nenês e zumbido do vento nos fios dos bondes.
Escuro, nas ruas e edifícios públicos.
Zumbidos ainda mais fortes eram os aviões!
Acho que eram "Fortalezas Voadoras" que passavam bem baixinho por cima das casas.
Era no tempo que no Recife matuto não tinha arranha céus, o mais alto nas vizinhanças era o celebre Hotel Central de 7 andares (me parece) e todo ocupado pelos militares americanos em "defesa" ao nosso querido Brasil.
A defesa antiaérea logo acendeu os potentes holofotes, em direção ao céu em busca dos aviões, não para derrubá-los, mas só para "inglês ver", sabem como é.
O Recife ficou no escuro, só se ouvia o guarda noturno apitando e gritando para os moradores: "seu Rubinsky apaga a luz no primeiro andar", "seu Bacal agora não é hora dos meninos fazer lição", "vocês na casa da esquina, seu Benedito apaga a luz no alpendre e tira as gaiolas dos papagaios"! Os gringos vão começar logo mais a jogar sacos de areia onde a luz estiver acesa, vai gente, anda, não facilita a guerra pros nazistas.
Hei tu ai, quem es tu? No escuro não estou te reconhecendo.
Sou Mituca seu guarda, o torcedor eterno do clube Íbis, agora que viraste Guarda Noturno, não reconhece mais os amigos?
Es tu Mituca, apaga o cigarro filho da peste e já, senão te dou uma multa por estares desacatando a ordem na hora do blecaute!
Seu guarda onde tu me viu eu desordeiro, tas bêbo?
Apaga o cigarro e já, não discuta. Bêbo tas tu.
Num vê que cada trago o lume do cigarro fica vermelho e prende uma luz forte que pode dar pista ao avião no céu?
Tá bem, ta bem, vou apagar para o bem geral da nação! Quem foi mesmo que disse esse dizer? Foi alguém importante tenho certeza!
Anda, anda Mituca, ta na hora de tu estares com a família, vai embora troço.
Já vou seu guarda, até mais ver no jogo do domingo. O meu querido Íbis joga contra o Santa Cruz, aí eu quero ver tu com essa macheza toda!
Cambaleando se foi Mituca até que desapareceu no escuro da Rua do Jiriquiti.
Mais uns 15 minutos e tudo acabou com o som de uma sirene longínqua avisando fim do exercício e do black-out.
Na nossa casa não caiu nem um saquinho de areia "made in USA", pena quem sabe dentro vinham uns dólares. Fútil pensamento de criança.
A velharada agora sem medo dos nazistas, depois desse exercício com aviões e tudo, tem toda certeza que amanhã eles não desembarcarão em Natal.
Cada qual tomou seu copo de chá de cascas secas de maçã e pau de canela.
Como de costume os primeiros sorvos eram para sentir o gosto da erva e logo depois pegavam a bolacha Maria e metiam na boca com os cubinhos de açúcar.
Alguns emborcavam a bolacha no chá para amolecer, pois não tinham todos os dentes para mastigar e assim era mais fácil engolir sem ferir as gengivas. Também poderia ser um costume dessa gente ainda na Europa, pois meu pai fazia o mesmo com o pão na sopa quente de galinha, quando jantava de noite depois do trabalho como ambulante (prestamista) nos subúrbios do Recife.
De qualquer maneira, esta era a imagem formada na minha mente de menino dos amigos do meu avô!
Os "bebedores de chá" com bolacha (biscoito, para aqueles que não conhecem o termo), alguns banguelos (desdentados pra quem não conhecem o termo), no terraço do nosso casarão da Rua Gervásio Pires.
(Da série "Conversas com meu avô)
22/3/2011
22/3/2011
O blecaute (Parte 2)
"O BLECAUTE" parte 2
(A GUERRA NA EUROPA E BLACK-OUT NO RECIFE).
Paulo Lisker, de Israel
No nosso terraço estava reunido o mais "profissional Quartel General" do mundo.
Aí começava a fervorosa discussão sobre a situação da guerra na Europa.
Meu avô abria o dialogo perguntando: então "Nu maine fraind, vuz vet zain fin undzer velt" em Iídiche, (Então meus amigos, o que será desse nosso mundo)?
Cada um, segundo como estavam sentados tomavam a palavra e expunham a sua teoria. Não havia no mundo maiores "entendidos" em tática, estratégia bélica e militar que esta gente. Sabiam como terminar e ganhar esta famigerada guerra em pouco tempo.
-Um dizia: Os russos são "pés de barro", por isso não se consegue deter os nazistas antes de chegar a Moscou...
-Outro: Quero ver como vai terminar com Stalingrado, se eles lá derrotarem o exercito vermelho, a guerra estará perdida e não adiantará nada o charuto e o "V" de Churchil...
-Outro: Vocês não sabem que o general russo logo entrará em ação, aí as coisas vão mudar...
-Quem? Marechal Timochenko? Suslov? Fedorenko? Quem? Eles ainda têm generais?...
-Não tolo, o "general inverno", quando ele chegar os alemães não terão nem como fugir e ficarão atolados na neve e morrerão de frio e fome! Cachorros da peste, (farfluchte hunde, em Iídiche)...
-Os partisanos franceses e polacos, farão à morte na retaguarda alemã, é só questão de tempo e este exercito desmoronará e logo-logo os aliados estarão às portas de Berlim e acabarão com este famigerado ditador.
-Onde estão os aliados? Por que não bombardeiam as vias de comunicação, os trens, as pontes, os campos de concentração dando chance para nossos judeus se salvar das câmaras de gás,,,
-Estão fazendo de nosso povo, sabão, sabiam?
- E o Santo Papa, o que faz numa hora dessas? Nada ao quadrado!
- Eu pensava que Roosevelt tinha genes judeus descendentes da família Rosenfeld de Kolomeie nossos visinhos na Europa e que poria toda pressão nos bombardeios maciços, para terminar a guerra o mais rápido possível...
Que nada argumentava outro:
- Os Ianques estão fazendo fortunas com esta guerra. Que tu achas que os imperialistas vão pressionar mais do que já estão fazendo, nunca!
- Olha quem ta falando, eu sempre desconfiava que tu tivesses amor pelo comunismo de Stalin! Toma vergonha judeu "progressista" (antisionistas, tinha disso no Recife também) por que não fostes para Birubijan nos "Cafundós de Judas", onde o "bigodudo comunista" queria fundar uma pátria para os judeus e assim acabar de uma vez por todas com o problema deste povo. Para lá deverias ir e plantar batatas (flantzen kartofel, em iídiche)!
No fim meu avô pressentia que a discussão poderia levar brigas entre eles, então se saia com alguma novidade que nem o Repórter Esso (o testemunha ocular da historia), divulgaria.
-Olhem, ontem passei pela praça e lá encontrei os senhores Hulak e Rotman, vocês sabem que eles são judeus "progressistas" (da esquerda judaica no Recife) e estavam lendo o "Di Letzte Naiess" (Ultimas Noticias) e "Undzer Shtime" (A Nossa Voz) e num tom meio de desprezo acrescentou: são jornalecos de esquerda na língua iídiche, que vem da América do Norte pelo correio normal (marítimo) então o atraso é pra mais de mês ainda mais agora com a guerra.
Mas como dizem aqui os goim (população local, não judaica), "Quem não tem cão caça com gato".
As noticias vem com grande atraso, mas os comentários dos analistas sobre os combates são uma "beleza". Dá-nos uma visão do comportamento dos exércitos nas diversas batalhas nas diversas frentes na Europa.
Não me dou muito com esta gente, mas por respeito a velhos fiquei uns 10 minutos com eles. Até me possibilitaram dar uma olhadela nesta "preciosidade" que tinham nas mãos. Procurei a coluna do analista Frost e me deparei com uma analise sobre a natureza da formação militar dos soldados americanos e russos.
Disse-me o senhor Rotman que no numero passado este mesmo analista analisou o soldado alemão e o soldado italiano, pena que não guardei para o senhor ler me disse num tom de desculpa.
Não faz mal "a groissen dank" (muito agradecido), ficará para outra oportunidade. Ao terminar a leitura do analista me levantei do banco na praça e fui embora, falando serio, eu não gosto muito dessa gente...
Que dizia este Frost, pergunta senhor Komorov, um dos bebedores de chá do nosso terraço.
Ele analisa primeiramente o soldado americano e em duas palavras ele diz que para cada fuzileiro, (esses que combatem com armas na mão), tem atrás dele dez outros soldados que lhes prestam serviços.
Como pode ser pergunta senhor Froico.
Simples, enfermeiros, médicos, cozinheiros, correio, cantineiros, lavanderia, fotógrafos, choferes, mecânicos, jornalistas, telegrafistas, almoxarifes, guardas do acampamento e policia militar, tradutores, etc, etc, etc, não tem fim. Cada soldado combatente arrasta outros dez que prestam serviços e não fazem parte da força combatente ativa. Um absurdo, mais o americano é assim, meio "feiguele" (abilolado e cheio de "não me toques").
E o soldado russo também não é assim? Pergunta Shwalbman.
Interfere Zimilovich, os russos são "pés de barro", não é mesmo seu Joseph. (ele tinha ódio aos russos e tinha suas razões). Quem quer lutar sabendo que ao terminar a guerra voltarão à mesma merda da vida que tinham antes na União Soviética, precisa ser idiota! Eu que o diga, pois tenho um irmão lá (Este irmão do senhor Zimilovich, foi julgado anos mais tarde e condenado à morte por roubar de um armazém estatal onde trabalhava dois martelos e 5 quilos de pregos). Stalin não só matou médicos e escritores judeus, mas também chefe de almoxarifado, como neste caso. No comunismo soviético (Ditadura do Proletariado), não faz diferença de classes quando se trata de judeus.
Olha não é bem assim responde meu avô.
Segundo o analista Frost (juro que pelo nome também deve ser judeu), o soldado russo segundo ele, ao sair para o front leva a sua arma, recebe uma capa de tecido bem grosso com dois grandes bolsos. Num ele mete toda a munição e no outro um grande pão centeio redondo.
Quando faz muito frio ou o pão endurece com o tempo e chegou à hora de fazer a refeição, ele mija no pão e come a parte que amoleceu.
Dizem que, mijo quente no pão duro (não, não é aquele ditado chinês.. "tanto bate até que fura"), possibilita a alimentação do soldado até no meio dos mais violentos combates. Um soldado que vai para o front equipado desse jeito, não tem quem o derrote, assim finaliza sua analise o comentarista Frost, e encerra dizendo: os russos vão derrotar os nazistas alemães e ganhar a guerra! Vocês vão ver! Palavra de Frost.
Assim discutiam de noite adentro no "quartel general" da Rua Gervasio Pires os maiores "estrategistas militares" do mundo, sabiam como ganhar a guerra, sem nunca ter feito serviço o militar ou ter visto de perto uma espingarda ou metralhadora de verdade.
Nem por isso o céu desabou e o mundo continuou girando em volta do sol e não ao contrario.
Já na sala de visitas o assunto era o boato que corria na comunidade sobre um futuro casamento do senhor Goldberg, surdo que nem uma porta, mas muito entendido de tudo.
Logo ele um dos frequentadores da nossa casa e grande amigo de meu avô, estava prestes a casar com uma rica viúva "goia" (não judia).
Vocês podem imaginar como a nossa colônia e seu amigos próximos estavam desapontados, logo o senhor Goldberg. Faltam viúvas judias ou mesmo solteironas que passaram dos 50 dando sopa? Minha mãe tentou acalmar os ânimos, mas foi à toa. Não "engoliam o sapo"!
Depois as senhoras se passaram a trocar receitas de bolos. Minha mãe era eximia neste ramo, pois veio da Áustria e lá quem não sabia preparar ótimas tortas de queijo, maçã ou chocolate? A coisa chegava a tal ponto que eu quando menino tinha ódio de comer tortas desse tipo nas festas de amiguinhos, pois já estava enjoado do mesmo gosto em todas as casas, pois as receitas tinham sido fornecidas por minha mãe. Já não suportava mais!
Só nas festas dos Rostolder, aquela família enorme que habitava vários casarões no Largo da Santa Cruz a coisa era diferente. Como eram oriundos da România, lá serviam o famoso "Fludn", algo totalmente diferente em todos os sentidos e era bom demais.
Graças a Deus, e o ambiente pacifico em que vivia a colônia israelita no Recife, não se discutia somente as bestialidades e amarguras que a guerra na Europa trazia a tona, porém também o corriqueiro do cotidiano com os gostos dos doces, tortas e até metiam o nariz com quem o senhor Goldberg iria desposar.
Era a dialética funcionando a todo vapor nas noites quentes do Recife no terraço do nosso casarão. Nela participavam as figuras mais exóticas da comunidade israelita e cada qual se achava o maior entendido no material abordado na discussão daquela noite.
Tudo isso acontecia nos anos quarenta do século passado, dureza na Europa e no Recife só chegavam os boatos feito às brisas do mar.
Aí começava a fervorosa discussão sobre a situação da guerra na Europa.
Meu avô abria o dialogo perguntando: então "Nu maine fraind, vuz vet zain fin undzer velt" em Iídiche, (Então meus amigos, o que será desse nosso mundo)?
Cada um, segundo como estavam sentados tomavam a palavra e expunham a sua teoria. Não havia no mundo maiores "entendidos" em tática, estratégia bélica e militar que esta gente. Sabiam como terminar e ganhar esta famigerada guerra em pouco tempo.
-Um dizia: Os russos são "pés de barro", por isso não se consegue deter os nazistas antes de chegar a Moscou...
-Outro: Quero ver como vai terminar com Stalingrado, se eles lá derrotarem o exercito vermelho, a guerra estará perdida e não adiantará nada o charuto e o "V" de Churchil...
-Outro: Vocês não sabem que o general russo logo entrará em ação, aí as coisas vão mudar...
-Quem? Marechal Timochenko? Suslov? Fedorenko? Quem? Eles ainda têm generais?...
-Não tolo, o "general inverno", quando ele chegar os alemães não terão nem como fugir e ficarão atolados na neve e morrerão de frio e fome! Cachorros da peste, (farfluchte hunde, em Iídiche)...
-Os partisanos franceses e polacos, farão à morte na retaguarda alemã, é só questão de tempo e este exercito desmoronará e logo-logo os aliados estarão às portas de Berlim e acabarão com este famigerado ditador.
-Onde estão os aliados? Por que não bombardeiam as vias de comunicação, os trens, as pontes, os campos de concentração dando chance para nossos judeus se salvar das câmaras de gás,,,
-Estão fazendo de nosso povo, sabão, sabiam?
- E o Santo Papa, o que faz numa hora dessas? Nada ao quadrado!
- Eu pensava que Roosevelt tinha genes judeus descendentes da família Rosenfeld de Kolomeie nossos visinhos na Europa e que poria toda pressão nos bombardeios maciços, para terminar a guerra o mais rápido possível...
Que nada argumentava outro:
- Os Ianques estão fazendo fortunas com esta guerra. Que tu achas que os imperialistas vão pressionar mais do que já estão fazendo, nunca!
- Olha quem ta falando, eu sempre desconfiava que tu tivesses amor pelo comunismo de Stalin! Toma vergonha judeu "progressista" (antisionistas, tinha disso no Recife também) por que não fostes para Birubijan nos "Cafundós de Judas", onde o "bigodudo comunista" queria fundar uma pátria para os judeus e assim acabar de uma vez por todas com o problema deste povo. Para lá deverias ir e plantar batatas (flantzen kartofel, em iídiche)!
No fim meu avô pressentia que a discussão poderia levar brigas entre eles, então se saia com alguma novidade que nem o Repórter Esso (o testemunha ocular da historia), divulgaria.
-Olhem, ontem passei pela praça e lá encontrei os senhores Hulak e Rotman, vocês sabem que eles são judeus "progressistas" (da esquerda judaica no Recife) e estavam lendo o "Di Letzte Naiess" (Ultimas Noticias) e "Undzer Shtime" (A Nossa Voz) e num tom meio de desprezo acrescentou: são jornalecos de esquerda na língua iídiche, que vem da América do Norte pelo correio normal (marítimo) então o atraso é pra mais de mês ainda mais agora com a guerra.
Mas como dizem aqui os goim (população local, não judaica), "Quem não tem cão caça com gato".
As noticias vem com grande atraso, mas os comentários dos analistas sobre os combates são uma "beleza". Dá-nos uma visão do comportamento dos exércitos nas diversas batalhas nas diversas frentes na Europa.
Não me dou muito com esta gente, mas por respeito a velhos fiquei uns 10 minutos com eles. Até me possibilitaram dar uma olhadela nesta "preciosidade" que tinham nas mãos. Procurei a coluna do analista Frost e me deparei com uma analise sobre a natureza da formação militar dos soldados americanos e russos.
Disse-me o senhor Rotman que no numero passado este mesmo analista analisou o soldado alemão e o soldado italiano, pena que não guardei para o senhor ler me disse num tom de desculpa.
Não faz mal "a groissen dank" (muito agradecido), ficará para outra oportunidade. Ao terminar a leitura do analista me levantei do banco na praça e fui embora, falando serio, eu não gosto muito dessa gente...
Que dizia este Frost, pergunta senhor Komorov, um dos bebedores de chá do nosso terraço.
Ele analisa primeiramente o soldado americano e em duas palavras ele diz que para cada fuzileiro, (esses que combatem com armas na mão), tem atrás dele dez outros soldados que lhes prestam serviços.
Como pode ser pergunta senhor Froico.
Simples, enfermeiros, médicos, cozinheiros, correio, cantineiros, lavanderia, fotógrafos, choferes, mecânicos, jornalistas, telegrafistas, almoxarifes, guardas do acampamento e policia militar, tradutores, etc, etc, etc, não tem fim. Cada soldado combatente arrasta outros dez que prestam serviços e não fazem parte da força combatente ativa. Um absurdo, mais o americano é assim, meio "feiguele" (abilolado e cheio de "não me toques").
E o soldado russo também não é assim? Pergunta Shwalbman.
Interfere Zimilovich, os russos são "pés de barro", não é mesmo seu Joseph. (ele tinha ódio aos russos e tinha suas razões). Quem quer lutar sabendo que ao terminar a guerra voltarão à mesma merda da vida que tinham antes na União Soviética, precisa ser idiota! Eu que o diga, pois tenho um irmão lá (Este irmão do senhor Zimilovich, foi julgado anos mais tarde e condenado à morte por roubar de um armazém estatal onde trabalhava dois martelos e 5 quilos de pregos). Stalin não só matou médicos e escritores judeus, mas também chefe de almoxarifado, como neste caso. No comunismo soviético (Ditadura do Proletariado), não faz diferença de classes quando se trata de judeus.
Olha não é bem assim responde meu avô.
Segundo o analista Frost (juro que pelo nome também deve ser judeu), o soldado russo segundo ele, ao sair para o front leva a sua arma, recebe uma capa de tecido bem grosso com dois grandes bolsos. Num ele mete toda a munição e no outro um grande pão centeio redondo.
Quando faz muito frio ou o pão endurece com o tempo e chegou à hora de fazer a refeição, ele mija no pão e come a parte que amoleceu.
Dizem que, mijo quente no pão duro (não, não é aquele ditado chinês.. "tanto bate até que fura"), possibilita a alimentação do soldado até no meio dos mais violentos combates. Um soldado que vai para o front equipado desse jeito, não tem quem o derrote, assim finaliza sua analise o comentarista Frost, e encerra dizendo: os russos vão derrotar os nazistas alemães e ganhar a guerra! Vocês vão ver! Palavra de Frost.
Assim discutiam de noite adentro no "quartel general" da Rua Gervasio Pires os maiores "estrategistas militares" do mundo, sabiam como ganhar a guerra, sem nunca ter feito serviço o militar ou ter visto de perto uma espingarda ou metralhadora de verdade.
Nem por isso o céu desabou e o mundo continuou girando em volta do sol e não ao contrario.
Já na sala de visitas o assunto era o boato que corria na comunidade sobre um futuro casamento do senhor Goldberg, surdo que nem uma porta, mas muito entendido de tudo.
Logo ele um dos frequentadores da nossa casa e grande amigo de meu avô, estava prestes a casar com uma rica viúva "goia" (não judia).
Vocês podem imaginar como a nossa colônia e seu amigos próximos estavam desapontados, logo o senhor Goldberg. Faltam viúvas judias ou mesmo solteironas que passaram dos 50 dando sopa? Minha mãe tentou acalmar os ânimos, mas foi à toa. Não "engoliam o sapo"!
Depois as senhoras se passaram a trocar receitas de bolos. Minha mãe era eximia neste ramo, pois veio da Áustria e lá quem não sabia preparar ótimas tortas de queijo, maçã ou chocolate? A coisa chegava a tal ponto que eu quando menino tinha ódio de comer tortas desse tipo nas festas de amiguinhos, pois já estava enjoado do mesmo gosto em todas as casas, pois as receitas tinham sido fornecidas por minha mãe. Já não suportava mais!
Só nas festas dos Rostolder, aquela família enorme que habitava vários casarões no Largo da Santa Cruz a coisa era diferente. Como eram oriundos da România, lá serviam o famoso "Fludn", algo totalmente diferente em todos os sentidos e era bom demais.
Graças a Deus, e o ambiente pacifico em que vivia a colônia israelita no Recife, não se discutia somente as bestialidades e amarguras que a guerra na Europa trazia a tona, porém também o corriqueiro do cotidiano com os gostos dos doces, tortas e até metiam o nariz com quem o senhor Goldberg iria desposar.
Era a dialética funcionando a todo vapor nas noites quentes do Recife no terraço do nosso casarão. Nela participavam as figuras mais exóticas da comunidade israelita e cada qual se achava o maior entendido no material abordado na discussão daquela noite.
Tudo isso acontecia nos anos quarenta do século passado, dureza na Europa e no Recife só chegavam os boatos feito às brisas do mar.
22/3/2011
(Todos os direitos autorais reservados)


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