O jogo do bicho e a comunidade judaica do Recife
(Parte 3)

O JOGO DO BICHO E A COMUNIDADE JUDAICA DO RECIFE.Paulo Lisker, de Israel
Tema: "Jogo ilegal e ninguém tem medo da lei"
Depois de uns tempos quando os imigrantes já estavam a par do que era o jogo do bicho no Recife, começaram eles mesmos a se aventurar e colocar uns "palpites" no banqueiro da esquina toda "santa" tarde.
Antecedeu tudo isso umas reuniões na Praça Maciel Pinheiro para tratar do tal "enigma" chamado o "jogo do bicho" e receber maiores esclarecimentos como "jogar", as possibilidades de ganhar ou perder dinheiro, confiabilidade nos "bicheiros", como escolher o "bicho" do dia e uma serie de inquietudes desta gente que por natureza sempre foi muito desconfiada de tudo que se move.
A esperança de alguns era ganhar e juntar um dinheirinho para mandar buscar a família que ficara para atrás, na Europa, noutros casos era para ajudar a manter a família que já havia chegado, pois nem sempre o trabalho de venda a prestação nos subúrbios dava conta do recado.
A participação no jogo do bicho não necessitava de pretextos para tal, era comum dizer: Virou um costume familiar na comunidade israelita do Recife.
Reuniam-se na Praça Maciel Pinheiro, pois a maioria habitava em volta dela e nas ruas circunvizinhas no Bairro da Boa Vista e lá pela primeira vez escutaram os novatos recém chegados o que é era na realidade o Jogo do Bicho. Viviam amedrontados pelos "pseudo-agentes de informação" que nada mais eram os "cambistas, banqueiros e bicheiros" e os "informantes" eram meros apostadores viciados no tal jogo.
Nada de serviço do governo que buscava informação sobre os novos imigrantes e o comercio ilegal que eles faziam sem a licença necessária para o trabalho de ambulante, e outros mais que supostamente eram feitos as escondidas.
Parece até anedota, porem assim pensavam e nem se aproximavam da "banca", pois viviam amedrontados que este individuo que tomava notas, com certeza era o informante do governo que registrava todas as infrações dos judeus para multá-los ou dificultar o processo de naturalização futura que tanto almejavam.
Claro que viviam amedrontados e não era para menos.
Mas agora com os devidos esclarecimentos dos mais veteranos ficara claro que o jogo do bicho nada mais era que uma loteria, ilegal porem loteria e o medo do governo espiando se dissipou.
O significado de como tudo isto funcionava como loteria, eles não conheciam muito bem, mas estavam prontos a aprender e logo começar a fazer os seus "palpites de bichos" toda tarde ("a zamin zach mit vilde haies"), diziam a todo momento em iídiche e que significa: "uma coisa de bichos brabos".
De tarde quando anunciavam "que bicho deu", toda a cidade só falava nisso, era um perguntando ao outro: meu senhor sabe que bicho deu? Faz favor, que bicho deu hoje? Nem quando o Papa faleceu perguntaram ou se interessaram tanto assim. Saber do bicho que deu era mais importante para o povo. Pois é.
Hoje é diferente e transmitem os resultados da loteria do jogo do bicho pela radio local.
Naquele tempo quem tinha radio em casa?
Guarda chuva, um ou outro tinha e era mais que necessário, pois naquele tempo o Recife na zona da mata no litoral atlântico era muito copioso (a língua de gente: chuvoso).
Os apostadores que acertaram no "grupo, dezena ou milhar" vinham alegres e satisfeitos da vida, receber o premio que lhe cabia, fosse qual fosse a quantidade em dinheiro do seu premio, recebiam no mesmo dia ou no maximo no dia seguinte.
Dizia a gente: Tudo que é ilegal e a palavra de honra deles, vale mais que qualquer negocio legal neste país.
Que eu saiba ainda nenhum ganhador no bicho deixou de receber o seu premio fosse qual fosse a quantia e que "bicheiro" nenhum tenha "dado no pé" (fugido no português correto), sem pagar. Isto era a norma, ganhou, recebeu o dinheiro na hora e amanhã aposta de novo noutro bicho.
Conto pelo preço que me contaram, acreditem se quiser.
Um dia o banqueiro da Rua da Alegria, me parece que se chamava Severino de Zefinha, conhecidíssimo em todo Bairro "deu no pé", fugiu com todo o dinheiro das apostas, e foi muito dinheiro, pois era dia de São Jorge e muita gente apostou no bicho do santo. Eram costumes do povo ligar uma coisa com as outras, mesmo que não tivesse nada a ver na realidade.
Três semanas depois a policia encontrou em Porto Galinhas perto do mar o defunto do "pobre bicheiro" todo esquartejado, comido pelos siris e urubus, estava irreconhecível, se não fosse a pericia policial que fez o reconhecimento do cadáver pelas impressões digitais e dois dentes de ouro que os que vieram fazer o trabalho não tiveram tempo de arrancar.
Foi um caso único e nunca mais. O dinheiro não se recuperou nunca, mas os apostadores que acertaram no bicho do dia receberam o seu premio até o ultimo tostão.
Agora mais conhecedores de como as coisas funcionavam, os imigrantes quando viam o bicheiro pagando, não mais pensavam ou desconfiavam ser aquilo um pagamento pelas informações trazidas sobre "di foile shtik" (significa em iídiche: "negócios da China") que os judeus faziam nos quartos do fundo, tão ilegal, como o próprio jogo do bicho no Brasil todo.
Agora acredito na seriedade dessa gente responsável pelo jogo do bicho e se alguém frustra a confiança do apostador o fim é como daquele bicheiro encontrado em Porto Galinhas! Isto é a mais pura verdade.
Para que todos saibam costumavam escrever uma alerta no bilhete do Jogo do Bicho:
"vale o que está escrito" e os bicheiros respeitavam este lema.
(Todos os direitos autorais)
ResponderExcluirIzaias R.- Recife
Muito boas as suas memorias.
abcs
Izaias
------------------------------
RUBEM PINCOVSKY, Recife.
Estimado amigo Paulo Lisker,
Regressei ontem de João Pessoa, Paraíba, onde não há nem sinal de Carnaval.
Aqui chegando, encontrei duas novas crônicas de sua autoria (segunda e terceira partes da denominada JOGO DE BICHO. Estão ótimas!
A ave verde, que não é galinha e imita a voz dos humanos é chamada papagaio, como você sabe. Como sinônimo, usa-se a palavra louro e não loro, apesar de louro (ou loiro) significar também, homem de cabelos amarelados. Informo isto como colaboração e não como crítica, pois é, de fato, impressionante, como você, depois de tantos anos, ainda domina (muito bem) o idioma português.
Espero continuar merecendo a sua atenção, apesar da demora com que costumo responder às cartas que recebo.
Receba o meu melhor abraço.
O amigo de sempre,
Rubem Pincovsky
------------------------------
SLUVA WAINTRAUB, Salvador-Bahia.
Paulo: Costumavam escrever no bilhete do Jogo do Bicho:
"vale o que está escrito" e os bicheiros respeitavam este lema.
abraço.
Sluva.
Faça um comentário
Enviar por e-mail comentários de acompanhamento para zipora70@gmail.com
ROSEMBLAT M.- Israel.
ResponderExcluirDISSE:
Você se esqueceu de contar a coisa mais importante:
Que bicho deu hoje....
Joia. Nota 10. Como sempre.
M. R.