O caso Baependi
"Das conversas com meu avô"
Guerra na Europa e blecaute no Recife
Tema: O CASO BAEPENDI
Paulo Lisker, de Israel
Tudo isso aconteceu no fim dos anos 30, começo dos anos 40.
Anos estes em que pairavam nuvens negras carregadas de tudo que era ruim no céu do continente europeu e ameaçavam se estender pelo mundo afora.
Era comum escutar na comunidade israelita: "Que quando um nazista dava um espirro, o resto do mundo fica gripado" e no Recife os judeus tremiam que nem "varas verdes".
Só ficaram sossegados quando os intrépidos fuzileiros do exercito do "Tio Sam" se instalaram nas bases militares no nordeste das costas brasileiras com a intenção de defender o continente sul americano do exercito alemão comandado pelo famoso general Romel ("a raposa do deserto"), que logo, logo estaria em Dakar, um pulinho até Natal no Rio Grande do Norte. Aí sim, que a coisa ficaria feia mesmo.
Nesta atmosfera de medo e insegurança o nosso terraço estava cheio de amigos do meu avô, primeiro para contar os boatos e noticias do que se passava pelo mundo afora e talvez mais importante ainda fosse encontrar um conforto espiritual nesta situação em que o amanhã estava totalmente "fora de órbita".
Este aconchego entre patrícios, bebendo chá com bolachas e fatias de goiabada peixe, ajudava a liberar em algo este stress a que todos os presentes estavam acometidos nesta época em que chegavam péssimas noticias oriundas da Europa.
Um dos presentes no nosso terraço era o senhor Zimilovich, pai de Jaime meu companheiro de brincadeiras e traquinagem da infância. Ele era um dos poucos que tinha rádio daqueles de oito válvulas, sempre coberto com uma toalhinha toda bordada para evitar juntar poeira na “preciosidade”. Este aparelho sintonizava até a BBC nos dias sem muita interferência atmosférica.
Ele tomava a palavra e relatava com toda seriedade o que ouvira no Repórter Esso (“a testemunha ocular da história”) e contava o que conseguira ouvir no Comentário do Emberé em português, nas ondas curtas da BBC.
Todos ficavam em completo silêncio escutando as novidades relatadas e não menos pela inveja de ser ele o único que possuía um rádio daquele quilate que “pegava” até a BBC. Coisa "do outro mundo" na época.
Era preciso uma antena grande danada por cima dos "pés de pau" que naquele tempo em Recife ainda estavam presentes. Ademais era necessário um “fio pra terra” que deveria estar bem amarrado num cano de água da casa. Mesmo assim, não havia garantia nenhuma de que o tal rádio por melhor que fosse, pegasse estações estrangeiras. Então nestes casos se contentavam com as notícias do Repórter Esso, da Radio Clube de Pernambuco.
Exatamente através do “Testemunho Ocular da Historia”, o Repórter Esso, ficou ele a par do caso do comboio naval militar brasileiro, torpedeado pelos submarinos nazistas que viviam fuçando nossas costas. Esta tragédia ficou conhecida como o “Caso Baependi”.
Muito triste todos lamentavam o êxito dos nazistas quando afundaram todo um comboio brasileiro, com mais de uma dezena de navios que levavam ademais de passageiros civis também soldados do exercito brasileiro para fortalecer as bases que os americanos estavam instalados no nordeste do Brasil.
Lembro-me que falavam muito deste tal Baependi, e eu como menino, pensava que era o nome do almirante da esquadra brasileira que morreu afogado neste ataque “criminoso”.
Imaginava ser igual ao episódio que nos contou dona Eulina, a professora de Historia e Geografia do Brasil, quando se referia a um almirante batavo da esquadra holandesa que foi a pique pelos lusitanos nas nossas costas no passado.
Ele bancou o herói, não se rendeu e proclamou na ponte de comando do veleiro pegando fogo e já afundando: “Vou junto com o meu barco, esta é uma morte heróica e digna para um combatente batavo”.
Hoje pensando bem, será que alguém na hora do “bafafá” ouviu isso da boca do heróico almirante batavo? Ou é tudo estória “pra boi dormir”, como o “Grito do Ipiranga” nas margens do dito cujo riacho? Vá lá saber. Eu não boto a mão no fogo, nem danado!
Só depois de mais velho fiquei ciente que o Baependi era o nome de um dos barcos do tal comboio torpedeado nas nossas costas pelos submarinos nazistas.
Contam que os submarinos alemães subiram à tona e metralharam os coitados praças brasileiros para não deixarem testemunhas! Sobreviveram 11 pessoas entre eles um baiano bom nadador, que chegou à praia contra todas as possibilidades, fogo sobre a água, ondas gigantes, tubarões, excrementos do Cano do Pina (este era o pior) e se salvou. Quem diz que baiano é azarado, vejam, muito pelo contrário.
Foi ele quem contou este episódio horrendo acontecido nas costas brasileiras no dia 15 de Agosto de 1942.
Na comunidade israelita, especialmente as mães dos alunos da escola primaria ficaram apavoradas com a noticia e vieram apressadas no intuito de retirar os filhos da escola e leva-los para esconder em casa ou na casa de algum parente no interior do Estado.
O pensamento dessa gente era se os nazistas já estavam tão próximos às costas brasileiras, amanhã cedo estarão desembarcando em Olinda, Porto de Galinhas ou mesmo no porto do Recife, ai meu Deus o que será de nós! Por via das duvidas o melhor proceder será logo esconder a meninada.
Povo com um complexo milenar de perseguições pelo mundo afora já imaginava que amanhã teriam que atravessar mais esta também e agora comandada pelo exercito de "bestas" nazista.
Eu era neste tempo menino não entendia o perigo que os adultos pressentiam e até já fazia meus planos onde iria passar as "férias" nesta época. Gostaria que fosse na Pensão de dona Julia em Floresta dos Leões ( hoje, Carpina) ou em São Lourenço da Mata na fazenda de seu Komorov, em qualquer dos dois "esconderijos", sempre seria melhor que na escola. Pensamento tolo de criança.
A discussão no terraço continuava a todo vapor.
Intervém senhor Komorov, eu escutei de um patrício onde plantamos mandioca, que os submarinos não eram alemães e sim americanos que desta forma, queriam obrigar a Getúlio declarar guerra à Alemanha nazista. Que acham vocês desta teoria conspirativa?
O tio Jorge (o sertanejo) reage: Eu não acredito nisso não seu Komorov, apesar de que os americanos também serem grandes “filhos da puta”. Guerra é guerra. Vá lá saber.
E meio brincalhão, se volta para mim e diz: “Quem sabe o que se esconde nos corações humanos, só O Sombra, sabe”!
Não era assim que se diz isto no seriado “O Sombra”, transmitido toda quinta feira na Radio Clube de Pernambuco. Não é mesmo Paulinho?
Eu só fiz balbuciar em sinal de afirmação, já morto de sono.
Anos estes em que pairavam nuvens negras carregadas de tudo que era ruim no céu do continente europeu e ameaçavam se estender pelo mundo afora.
Era comum escutar na comunidade israelita: "Que quando um nazista dava um espirro, o resto do mundo fica gripado" e no Recife os judeus tremiam que nem "varas verdes".
Só ficaram sossegados quando os intrépidos fuzileiros do exercito do "Tio Sam" se instalaram nas bases militares no nordeste das costas brasileiras com a intenção de defender o continente sul americano do exercito alemão comandado pelo famoso general Romel ("a raposa do deserto"), que logo, logo estaria em Dakar, um pulinho até Natal no Rio Grande do Norte. Aí sim, que a coisa ficaria feia mesmo.
Nesta atmosfera de medo e insegurança o nosso terraço estava cheio de amigos do meu avô, primeiro para contar os boatos e noticias do que se passava pelo mundo afora e talvez mais importante ainda fosse encontrar um conforto espiritual nesta situação em que o amanhã estava totalmente "fora de órbita".
Este aconchego entre patrícios, bebendo chá com bolachas e fatias de goiabada peixe, ajudava a liberar em algo este stress a que todos os presentes estavam acometidos nesta época em que chegavam péssimas noticias oriundas da Europa.
Um dos presentes no nosso terraço era o senhor Zimilovich, pai de Jaime meu companheiro de brincadeiras e traquinagem da infância. Ele era um dos poucos que tinha rádio daqueles de oito válvulas, sempre coberto com uma toalhinha toda bordada para evitar juntar poeira na “preciosidade”. Este aparelho sintonizava até a BBC nos dias sem muita interferência atmosférica.
Ele tomava a palavra e relatava com toda seriedade o que ouvira no Repórter Esso (“a testemunha ocular da história”) e contava o que conseguira ouvir no Comentário do Emberé em português, nas ondas curtas da BBC.
Todos ficavam em completo silêncio escutando as novidades relatadas e não menos pela inveja de ser ele o único que possuía um rádio daquele quilate que “pegava” até a BBC. Coisa "do outro mundo" na época.
Era preciso uma antena grande danada por cima dos "pés de pau" que naquele tempo em Recife ainda estavam presentes. Ademais era necessário um “fio pra terra” que deveria estar bem amarrado num cano de água da casa. Mesmo assim, não havia garantia nenhuma de que o tal rádio por melhor que fosse, pegasse estações estrangeiras. Então nestes casos se contentavam com as notícias do Repórter Esso, da Radio Clube de Pernambuco.
Exatamente através do “Testemunho Ocular da Historia”, o Repórter Esso, ficou ele a par do caso do comboio naval militar brasileiro, torpedeado pelos submarinos nazistas que viviam fuçando nossas costas. Esta tragédia ficou conhecida como o “Caso Baependi”.
Muito triste todos lamentavam o êxito dos nazistas quando afundaram todo um comboio brasileiro, com mais de uma dezena de navios que levavam ademais de passageiros civis também soldados do exercito brasileiro para fortalecer as bases que os americanos estavam instalados no nordeste do Brasil.
Lembro-me que falavam muito deste tal Baependi, e eu como menino, pensava que era o nome do almirante da esquadra brasileira que morreu afogado neste ataque “criminoso”.
Imaginava ser igual ao episódio que nos contou dona Eulina, a professora de Historia e Geografia do Brasil, quando se referia a um almirante batavo da esquadra holandesa que foi a pique pelos lusitanos nas nossas costas no passado.
Ele bancou o herói, não se rendeu e proclamou na ponte de comando do veleiro pegando fogo e já afundando: “Vou junto com o meu barco, esta é uma morte heróica e digna para um combatente batavo”.
Hoje pensando bem, será que alguém na hora do “bafafá” ouviu isso da boca do heróico almirante batavo? Ou é tudo estória “pra boi dormir”, como o “Grito do Ipiranga” nas margens do dito cujo riacho? Vá lá saber. Eu não boto a mão no fogo, nem danado!
Só depois de mais velho fiquei ciente que o Baependi era o nome de um dos barcos do tal comboio torpedeado nas nossas costas pelos submarinos nazistas.
Contam que os submarinos alemães subiram à tona e metralharam os coitados praças brasileiros para não deixarem testemunhas! Sobreviveram 11 pessoas entre eles um baiano bom nadador, que chegou à praia contra todas as possibilidades, fogo sobre a água, ondas gigantes, tubarões, excrementos do Cano do Pina (este era o pior) e se salvou. Quem diz que baiano é azarado, vejam, muito pelo contrário.
Foi ele quem contou este episódio horrendo acontecido nas costas brasileiras no dia 15 de Agosto de 1942.
Na comunidade israelita, especialmente as mães dos alunos da escola primaria ficaram apavoradas com a noticia e vieram apressadas no intuito de retirar os filhos da escola e leva-los para esconder em casa ou na casa de algum parente no interior do Estado.
O pensamento dessa gente era se os nazistas já estavam tão próximos às costas brasileiras, amanhã cedo estarão desembarcando em Olinda, Porto de Galinhas ou mesmo no porto do Recife, ai meu Deus o que será de nós! Por via das duvidas o melhor proceder será logo esconder a meninada.
Povo com um complexo milenar de perseguições pelo mundo afora já imaginava que amanhã teriam que atravessar mais esta também e agora comandada pelo exercito de "bestas" nazista.
Eu era neste tempo menino não entendia o perigo que os adultos pressentiam e até já fazia meus planos onde iria passar as "férias" nesta época. Gostaria que fosse na Pensão de dona Julia em Floresta dos Leões ( hoje, Carpina) ou em São Lourenço da Mata na fazenda de seu Komorov, em qualquer dos dois "esconderijos", sempre seria melhor que na escola. Pensamento tolo de criança.
A discussão no terraço continuava a todo vapor.
Intervém senhor Komorov, eu escutei de um patrício onde plantamos mandioca, que os submarinos não eram alemães e sim americanos que desta forma, queriam obrigar a Getúlio declarar guerra à Alemanha nazista. Que acham vocês desta teoria conspirativa?
O tio Jorge (o sertanejo) reage: Eu não acredito nisso não seu Komorov, apesar de que os americanos também serem grandes “filhos da puta”. Guerra é guerra. Vá lá saber.
E meio brincalhão, se volta para mim e diz: “Quem sabe o que se esconde nos corações humanos, só O Sombra, sabe”!
Não era assim que se diz isto no seriado “O Sombra”, transmitido toda quinta feira na Radio Clube de Pernambuco. Não é mesmo Paulinho?
Eu só fiz balbuciar em sinal de afirmação, já morto de sono.

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