sexta-feira, 9 de agosto de 2013

SUCOT (TABERNÁCULOS) - Das conversas com meu avô

 2012


Sucot (Tabernáculos)


DAS CONVERSAS COM MEU AVÔ

Tema: Algo da nossa tradição, "massoret" SUCOT (Tabernaculos).

Paulo Lisker, de Israel

Um dia tomei coragem e pedi a meu avô que me contasse algo sobre seu passado.
-Zeide (avô em iídiche), perguntei, tu fostes alguma vez menino, feito eu?-Claro que sim tolo! Todo velho hoje, foi menino uma vez, respondeu aspirando fundo uma pitada de rapé (pó de tabaco).
Nesta ocasião, contou pouca coisa, mas dava pra entender que a família dele era religiosa e que viviam numa pequena cidade na fronteira da Áustria com a Romênia. 
Ele aos 14 anos deixou os pais e veio embora estudar na Viena, óptica e fotografia e logo começou a trabalhar.
Abandonou a religião ortodoxa conservando somente a tradição hebraica e as datas religiosas. Era mais um jovem judeu que abraçava o "Movimento da Haskalá" (emancipação em busca do conhecimento do mundo laico).
Até hoje não sei se o que me contou era verdade ou um mero passatempo com um neto de sete anos.
Disse que nasceu num país da Europa de nome Áustria, muito limpo, bonito de natureza, de gente muito agradável e educada.
Mesmo nas ruas ouvia-se todo o tempo, trocas de amabilidades, assim como: "Danke shein", "Bite shein", "Danke shein", "Bite shein" ("Obrigadinho". "Está as ordens", ou coisa parecida em alemão língua local).
Lá os judeus eram reconhecidos como um grupo étnico pertencente à religião "Mosaica" (descendentes do Caudilho Moisés que tirou o povo judeu do cativeiro de 400 anos no Egito).
-Menino, tua professora de geografia na escola iídiche (Colégio Hebreu Brasileiro), ainda não falou sobre o continente europeu? Lá está o país que eu nasci e me criei, a Áustria, cuja capital é Viena e o rio mais importante é o Danúbio.
Por que me olhas desse jeito? Dona Eulina, a tua professora ainda não ensinou sobre os continentes que formam o mundo? Ai que diabo esta escola ensina a vocês e que teu pai paga uma mensalidade cara danada e ainda dizem que é o melhor primário da cidade, agora imagina os outros. Acho que seria melhor ele te matricular no ano que vem no Grupo João Barbalho ou no Manuel Borba, de graça e perto de casa.
Parou um pouco para respirar e acender o seu cigarro predileto (Regência) e continuou a contar do seu passado na Europa.
-Em Viena eu era um dos donos de uma casa de espetáculos que projetava filmes de Carlitos (Chaplin) e dos irmãos Marx quando estas películas eram mudas (sem som) e acompanhadas por um pianista ao vivo, o maestro Gastnbergner. Ele em tempo previu a catástrofe e fugiu dos nazistas, foi-se embora para Austrália e tornou-se um dos maiores maestros da Orquestra Sinfônica local.
Como eram poucos os filmes a Casa se dedicava mais a espetáculos de cabaré e teatro simples com comediantes, mágicos e musica em geral.
Conta que tinha um carro grande e bonito (um dia me mostrou a foto), mas vá lá saber se era um carro de verdade ou um tipo de camuflagem só para tirar retrato por dois e meio schiling. Na realidade eu não tinha certeza dessa estória.
Quando a grande crise financeira chegou também à Europa o negocio foi à falência. Era a economia de mercado funcionando a todo vapor: "primeiro comida e depois diversão".
Quando a sua esposa (minha avó Pessie) que sofria de câncer no seio veio a falecer, ele ficou com quatro filhos para cuidar.
O meu nome, Paulo, deriva do nome da minha avó materna e não do discípulo Paulo, o cristão seguidor de Jesus.
Vendo a situação caótica, deixou a filharada com uma parenta, comprou uma passagem marítima para Argentina, (naquele tempo o Eldorado), porem o destino assim quis e ele desceu no porto do Recife, a primeira parada do navio depois que partira de Hamburgo na Europa.
Por que ficou no Recife, isto são outros "quinhentos mil reis", ficará para contar outra vez. (este episodio já está escrito em borrador).
A pequena colônia israelita dos anos 20 ajudou.
Ele começou a vender de porta em porta nas áreas suburbanas, sem sequer saber uma palavra do português (assim aconteceu com a maioria dos judeus que desembarcaram no porto do Recife).
Pediu emprestado dinheiro a comunidade que tinha para estes fins uma caixa para as primeiras necessidades dos "griner" (recém chegados).
Vivia numa pensão na Praça Maciel Pinheiro.
Desculpem-me, porém esqueci o nome desta famosa pensão. Não encontrei no Recife a quem indagar, pois a velha geração já tinha partido para "a terra dos pés juntos" (Descanso eterno no cemitério).
Pediu dinheiro emprestado, comprou passagens e mandou buscar os quatro filhos, entre eles a minha futura mãe.
Tomou outra baforada do seu cigarro predileto, e tirou um pigarro.
- Tá gostando da estória, menino?
- Tô, tô, vô, mas me diga uma coisa, quando virão os teus amigos te visitar?
- Por que perguntas? Tu não gostas de nenhum deles e fazes um favor em cumprimentá-los, parece moleque da rua mal educado.
- Não senhor, eu troco sempre umas palavras com o senhor Goldberg, esse que quer casar com uma goia (não judia) e vocês nas conversas vivem fuxicando dele quando ele não se encontra sentado com vocês, isso é bonito? Ai, um dia conto a ele, aí eu quero ver o "bafafá" (confusão, na língua do povo) que vai se criar.
-Sim eu sei o porquê tu conversas com ele. Tu vives de olho atrás dos maços de cigarros americanos Pall Mall e Luky Strike que o senhor Goldberg fuma, assim enriqueces a tua coleção de maços de cigarros vazios para apostar no jogo besta de "bolas de gude", não é mesmo? Diz a verdade, seja honesto. É por isso que você troca umas palavras com seu Goldberg que guarda os maços vazios para lhe dar e você fazer "farol" (se mostrar), entre teus amiguinhos tolos, jogadores de gude. Tu pelo menos lavas as mãos depois deste jogo quando te sentas à mesa para fazer refeição? 
- Zeide deixa de ser chato, eu pergunto pelos teus amigos pois sou doidinho para chupar daqueles cubinhos de açúcar que mãe bota na mesa com o chá e as bolachas, são melhores que as "balas gasosas" que a mãe compra às vezes na venda do portuga seu Armindo de apelido "ventola", pelo enorme nariz que tem. Tu o conheces? Aquele do bar e sorveteria na esquina da Avenida Conde da Boa Vista com a nossa rua. Se o "bicho" ouve alguém chama-lo de seu Ventola, fica "puto da vida" e diz muito nome feio com a gente.

- Menino danado, onde aprendeste esses palavrões de moleque da rua? Onde você ouve estas sujeiras menino? É jogando bola de gude com os outros moleques do Largo da Santa Cruz? Oh, mas que lugar pra juntar moleques traquinos e mal educados!
Tua mãe deveria lavar-te a língua com sabão Lifeboy, este fedorento que arde demais, que é pra tu aprenderes a não xingar (falar mal, no idioma popular)!
Mais que coisa, que menino mal educado! Estás ficando brasileiro legitimo assim como os moleques da rua! "In leibn nisht". (Nunca imaginei na minha vida. Em iídiche).
- Esquece disso vô e deixa de ficar abusado, dando "travos" (carão em português de rua)todo o tempo!
Quando virão os teus amigos, já ta ficando tarde. Será que ainda virão hoje?

- Mas que interesse danado pelos meus amigos, menino!
- Já te disse é pelos cubinhos de açúcar que é "bom danado", ainda não descobri onde a empregada os esconde depois que tira da mesa quando os teus amigos vão embora.
Vejo que eles hoje estão atrasados! O senhor (assim era o relacionamento com os mais velhos) terá tempo para me contar mais estórias se quiser.
- Menino, tu és um verdadeiro moleque brasileiro, mal educado mesmo. Melhor ires visitar teu amigo Jaime, ouvi dizer que ele recebeu do tio Alberto da movelaria um "quebra cabeça" novo, pelo menos faça alguma coisa produtiva e não só ficar atraz dos cubinhos de açúcar que tua mãe serve para o chá de meus amigos!
Guei, guei shoin! (Vai-te, anda em iídiche)!

Vendo que o conselho não funcionava, ele começa a contar da festa religiosa "Sucot" (Tabernaculos) que era festejada naquela semana.
inhos de açúcar!
- Não te preocupa menino, eu te
- Menino ignorante, já sois meio goi. Tu não sabias que hoje começa para nós os judeus, a festa de comemoração de Sucot?
Pode ser que a demora da chegada de meus amigos é por que eles estão comemorando com a família. É uma tradição fazer a refeição de noite numa "cabana" com teto de palha no quintal.
- Por que vô? Eles são tão pobres que não tem casa pra sentar como gente e comer a janta? Por que numa cabana?
- É para lembrar ao nosso povo que nem sempre os tempos são bons e temos casas e tudo mais, às vezes os tempos mudam e temos que nos contentar com menos mordomias da vida, é para lembrar também que no mundo tem pobres que nunca terão sua casa e criam seus filhos em mocambos e nós temos por obrigação de nunca esquecer-los.
- Ai vô, isto já estás me enchendo o saco, sabes! Eu pergunto por teus amigos e tu me vens com uma estória de gente fazendo refeição em cabanas de palha, feito os matutos do mato! Já estou cheio. 
- Menino esta é uma estória muito importante e interessante e tem a ver com nossa religião, pena que teus pais não te dão algo sobre os nossos costumes. Parece que eles também já estão assimilando a cultura e maneira de viver aqui no Brasil e tu es o exemplo de tudo isso.
Amanhã te explicarei toda esta tradição pra tu saber de onde tu vens. Amanhã, ta bem? Amanhã também é Sucot! Uma semana inteira vivendo numa cabana.

- Estes teus amigos não virão te visitar e eu sou quem "pago o pato", (perder a partida), fico sem os cubinhos de açucar e tudo por caysa dessa festa vivendo em cabanas como matutos.
-Guardarei dois ou três deles e amanhã tu os receberás. De acordo? Vai dormir, amanhã tem escola (aula).
- Ta bem Zeide, confio em você? Não esquece, Ta?
- Eita menino mau criado, não acredita nem no seu velho avô.
"Azamin zach hob ich keimul nisht guezein in main leibn, oi a broch" (em iídiche: Uma coisa dessas nunca vi na minha vida, que desgraça).
É moleque goi brasileiro nato!

12/8/2012

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