RO DE 2012
O brasileiro nato
DAS CONVESAS COM MEU AVÔ
Tema:O BRASILEIRO NATO
Paulo Lisker, de Israel
Eu ouvia as conversas do meu avô com seus amigos prestamistas no terraço do nosso casarão.
Hoje analisando este episódio do meu passado, quando era menino, acho que aprendi muito sobre a vida deles, especialmente o ângulo de como via o prestamista judeu, o brasileiro nato, pobre e humilde que vivia nos arrabaldes ou no interior próximo a capital Recife.
Por que exatamente esta população suburbana formou nestes velhos prestamistas a imagem do Brasil? Francamente não sei, pois me faltavam as ferramentas ou os devidos elementos sociológicos de ambas as partes para formar uma opinião mais abalizada sobre o assunto.
Sem querer tirar conclusões precipitadas, poderia segundo o que ouvia formar uma opinião muito superficial e só baseada nos comentários e algumas queixas que estes velhos contavam nestas reuniões lá em casa. A opinião de quase todos era que os ricos e a classe media dos brasileiros natos (goim), eram muito “aportuguesados”, de fé católica, assíduos na igreja e nas missas do domingo, estes eram “meio anti-semitas”!
Quase sempre tinham o que dizer contra os judeus e não viam com bons olhos a amizade que se formava com a convivência mutua com esta gente estranha de costumes bizarros. Acontece!
O fenômeno é conhecido pelos terapeutas e sociólogos no mundo todo, o ódio, ou o não grande amor por tudo que foge a norma conhecida, ou como em economia dizem: O tal “Desvio Padrão”.
Não só no Brasil que este fenômeno estava patente. Os judeus já o conheciam muito bem do tempo em que viviam na Europa no passado e de lá fugiram em busca de paz física e espiritual nas terras do "novo Mundo".
Na realidade os judeus que chegaram no principio do século passado no Recife, trouxeram seus ancestrais costumes judaicos da Europa, uma religião muito diferente, uma "fala" incompreensível, rejeitaram e não absorveram as comidas, e temperos "crioulos", eram um grupo populacional pequeno e muito enclausurado.
Portavam-se muito diferente dos demais e isto sempre causou reação negativa por parte da população geral, especialmente da mais favorecida, que de alguma forma temia a competição econômica desta gente trabalhadora.
Os goim (população nativa) zombavam deste comportamento estranho, eu bem me lembro o que diziam a respeito das comidas, com certo menosprezo:
-
É a pura verdade, os judeus têm na sua cozinha entre outros, os dois pratos acima citados. Levou bastante tempo e também os goim que frequentemente eram convidados para nossas festas começaram a gostar destas especialidades e com isso o menosprezo pelos nossos pratos, se volatilizou.
Apesar desta explicação ser longa, possivelmente ela não é suficientemente correta e peca por ser muito superficial.
O meu pai com suas "definições de campo" dizia:
- Meu filho, todo o tempo que nos culpam de ter matado o Deus deles e não importa que isto tenha acontecido há dois mil anos atrás, não haverá remédio para este antagonismo imbecil.Considere quanto grave é essa questão, pois o padre ignorante e anti-semita, só contou o acontecido aos seus fieis, ontem no sermão da missa dominical e para um pessoal pouco esclarecido, poderiam até pensar que o "crime" foi cometido mesmo ontem numa colina de Gravatá ou Fazenda Nova, até imaginavam as cruzes e tudo mais.
O pior que não é só aqui no Brasil, é no mundo todo, onde a igreja cristã está presente, dela fluem estas idéias para seu rebanho de fieis. Nunca esqueça que as palavras “judeu, judiar, judiação”, não foram criadas para enaltecer o “povo eleito por Deus”, mas muito pelo contrario, então que queres?
Quase dois milênios que o povo judeu sofre perseguições de todo tipo (os sanguinários progroms, na Europa é um exemplo) por causa desta falsa narração nos textos dos diversos Evangelhos dos apóstolos.
Dizem que a "Paixão de Cristo" que todos os anos comemoram na cidade de "Fazenda Nova" no município do Brejo da Madre de Deus no Estado de Pernambuco, tem as raízes nesta indotrinação da igreja católica. Até que num belo dia o Papa PAULO VI, retirou a culpa deste povo, coisa que o manchou e o fez sofrer durante toda sua existência na diáspora (no Ghaluth).
Contou-me Dr. Saulo, um dos filhos da família Gorenstein, proprietários da joalharia Vitória na Rua Primeiro de Março, junto ao conhecidíssimo Café Lafayete (depois se passaram na mesma rua e abriram á Ótica e Joalharia Vitória), que numa reunião do pessoal da comunidade israelita, aqueles já nascidos no Recife, com o arcebispo de Olinda e Recife, Don Helder Câmara, o seguinte episodio:
Convocamos uma reunião da nossa juventude com o reverendíssimo Don Helder no Centro Israelita. Esta foi organizada pelo senhor Isaac Gorenstein que na época era o diretor cultural e convidou o honorável arcebispo para uma mesa redonda para escutar e debater problemas do cotidiano sobre a igreja católica no presente e no passado e realmente a palavra "judiar" e sua ramificação pejorativa foi posta em debate.
Alguém do publico (Não lembro nome) pediu a máxima autoridade eclesiástica em Pernambuco uma explicação do por que do uso frequente destas palavras e que segundo sua pesquisa só existem na língua portuguesa. Excelentíssimo Arcebispo Don Helder se mexeu na cadeira meio incomodado com a pergunta e no fim prometeu estudar a questão e atuar de uma maneira enérgica para que se erradique esta aberração do vocabulário brasileiro pelo menos entre seus fieis.
Claro que recebeu uma forte salva de palmas, mas explicação mais abalizada do porque terem se infiltrado estas palavras pejorativas caracterizando o mau comportamento dos judeus, causadores de todos os males da humanidade, exatamente na língua de Camões, não receberam.
Por isso mesmo numa das cantigas do famoso Luiz Gonzaga, ele diz:
"Quando eu vi a terra ardendo que nem fogueira de São João, eu perguntei ai, a meu Deus do céu, ai, porque tamanha "JUDIAÇÃO".......etc, etc, etc.Claro que recebeu uma forte salva de palmas, mas explicação mais abalizada do porque terem se infiltrado estas palavras pejorativas caracterizando o mau comportamento dos judeus, causadores de todos os males da humanidade, exatamente na língua de Camões, não receberam.
Por isso mesmo numa das cantigas do famoso Luiz Gonzaga, ele diz:
Porém já o meu avô, em toda e qualquer oportunidade, se desdobrava em elogios pelos brasileiros suburbanos aqueles das classes pobres, menos privilegiadas, sempre dizia ele para os amigos:
- “Guite mentshn”, (Boa gente, em iídiche), humildes, prontos para qualquer ajuda, prestativos, respeitosos, ainda mais para com os estrangeiros e nós os prestamistas só nos favorecemos dessas qualidades do brasileiro matuto. Eram pobres, as condições de vida perto da miséria, mas a palavra deles era palavra de honra.
Vendíamos "a fiado" e sempre á longo prazo coisas corriqueiras que lhes faltavam para o dia a dia e poucas foram às vezes que não cumpriam com a palavra. Uma raridade!
O meu avô, esse velho humanista era um aficionado deste povo, a tal ponto que quando podia ajudava a quem necessitava, nunca pediu favores em troca e não parava de contar episódios que lhe aconteciam quando saía para vender ou cobrar na sua freguesia nos arrabaldes pobres do Recife antigo.
Assim foi que o escutei contando aos amigos que foram estes “brazilianerim” (brasileiros), que o ensinaram que no Recife “heis vi faier” (quente danado), existem duas calçadas, uma do sol e outra da sombra!
Dizia seu freguês Severino vulgo "mulatão", um "filosofo descalço":
-Seu Joseph se cuide sempre de caminhar na calçada da sombra, pois naquela do sol, resseca a pessoa e pode até dar uma "congestão descabelada" naqueles que andam sem chapéu! Não o senhor, que sempre está com este chapelão de abas largas feito o de Tom Mix do cinema. Mas caso seja careca, tá fodido, pois a cabeça fica inchada, dolorida, não tem remédio que ajude e leva dias até desinchar.
Complementava um outro dos seus fregueses:
Nós reconhecemos de longe o estrangeiro que não sabe dessas coisas, eles sempre caminham vestido de traje branco completo, na calçada errada. A calçada do sol! Um perigo! A gente sabe logo, ali vai um galego!
Eles têm toda razão dizia o meu avô aos seus amigos de roda, pois me lembro do caso do senhor Moishe Zimilis, o prestamista calvo que pegou uma dessas inchações da cabeça.
Sorte que um freguês dele, curandeiro da Estrada dos Remédios recomendou a sua mulher dona Inês a colocar compressas de água boricada fria misturada com chá de jurubeba verde, dia e noite! Foi assim que a inchação desapareceu quase por completo e ele se recuperou em tempo para festejar o “Bar Mitzva" * do seu filho Jaimizinho.
Lembro-me do festão enorme do Bar Mitzva do meu amigo da infância.
O mini palacete na Rua José de Alencar estava toda iluminada com muitas lâmpadas de todas as cores e o eletricista que preparou tudo isso foi o senhor Abílio que era chamado pelos conhecidos "o omi elétrico", pois não tinha medo de tomar choques quando estava colocando as lâmpadas, mesmo quando os fios descobertos estivessem eletrificados. A cada choque que recebia, dava um gostoso atichim e ria a bessa vendo a meninada em volta da escada amedrontada com os pipocos que os choques elétricos davam. Mas para senhor Abílio era normal, assim como, os peixes elétricos da região amazônica que vive com altas cargas elétricas dentro da barriga e nem estão ligando.
Já às 20 horas a casa estava "apinhada" (lotada) de mesas e cadeiras no quintal em volta do palacete e se não me engano nós os meninos estávamos sentados em volta de numa longa mesa que começava junto do terraço onde Jaiminho plantou um lindo pé de Carambola e terminava no meio do oitão pegado a casa dos Yampolsky.
Os amigos escutavam os relatos do meu avô como se tivessem sido hipnotizados e balançavam a cabeça que nem lagartixa na parede pegando mosquitos perto da luz.
Noutra oportunidade o escutei contando da humildade e o respeito deste povo para com os mais velhos quando vinham com as mãos ocupadas ou não.
Contava ele que caminhando pelos becos e trilhas da sua freguesia, acontecia que ele levava numa mão uma maleta com um mostruário e na outra uma bolsa surrada pelo uso e o tempo cheia de cartões (di kartundlach) para registrar os pagamentos recebidos dos seus fregueses naquele dia. O peso da idade já não lhe dava a firmeza no caminhar.
Quando vinha algum morador no sentido contrario na mesma “trilha da sombra”, este não hesitava. Descia rápido da trilha para o lado do deságue, dizendo:
-“Tome passo, tome passo, faz favor seu Moisés”.
Para esta gente, todo prestamista era Moisés ao se relacionar em publico e entre os amigos os chamavam de "os galegos da prestação". Quem sabe estas inocentes almas tinham toda razão, possivelmente todos nós judeus somos descendentes deste tal Moisés do Egito.
Meu avô agradecia o gesto nobre e sempre escutou a resposta:
Para esta gente, todo prestamista era Moisés ao se relacionar em publico e entre os amigos os chamavam de "os galegos da prestação". Quem sabe estas inocentes almas tinham toda razão, possivelmente todos nós judeus somos descendentes deste tal Moisés do Egito.
Meu avô agradecia o gesto nobre e sempre escutou a resposta:
-“Não há de que, não há de que, sempre às ordens”.
Acendia mais um cigarro Regência, aspirava uma pitada de tabaco e finalizava dizendo:
- Nem na Áustria, a minha terra natal, o povo das áreas periféricas ou do interior tinha esta maneira de ser, “guite mentshen, guite neshumes” (boa gente e almas nobres).
Um dia o senhor Fassberger veio aconselhar-se com meu avô, pois tinha uma dúvida que talvez Her Joseph pudesse elucidar.
Acendia mais um cigarro Regência, aspirava uma pitada de tabaco e finalizava dizendo:
- Nem na Áustria, a minha terra natal, o povo das áreas periféricas ou do interior tinha esta maneira de ser, “guite mentshen, guite neshumes” (boa gente e almas nobres).
Um dia o senhor Fassberger veio aconselhar-se com meu avô, pois tinha uma dúvida que talvez Her Joseph pudesse elucidar.
Ele era novato no ramo da prestação, então contou que entrou numa área de canaviais lá pelos lados de Camaragibe e se defrontou com um fenômeno curioso.
Um casario inteiro, pelo menos 40 famílias, todos com o mesmo nome de família.
-Senhor Joseph, tenho receio que seja uma trama e que estão querendo me enganar ou tapear, como dizem aqui os moradores.
Meu avô intrigado com o fato ainda tentou explicar que nos arrabaldes tem muita família grande. Possivelmente num determinado lugar concentrou-se muitas delas com o mesmo nome.
- Porém fique descansado, em geral são honestos e com raras exceções tramam enganar o prestamista. Veja não tem lógica nenhuma tapear exatamente este que lhe permite adquirir a largo prazo, calçados, tecidos ou objetos necessários para si e a família, coisa que não é costume fazer nas lojas de comércio no Recife, ainda mais para indivíduos sem nenhuma espécie de documento de identidade. Já viu né?
Como se chamam estas famílias que tem o mesmo nome?
- Veja senhor Joseph, eu encontro este pessoal na aldeia deles e me apresento com meu nome Moisés, aqui tenho a lista com os nomes deles.
Todos respondem e dizem seus nomes, deixe olhar a lista, aí estão, um se chama Pedro dos Santos Sucriado, outro Marco dos Anjos Sucriado, outro Silvério Prates Sucriado, Manuel Pombo Sucriado, Sebastião Veríssimo Sucriado, quer mais? São uns 40! Todos com o nome de família “Sucriado”!
Meu avô quase estoura de tanto rir, pedia desculpa da visita, mas não aguentava de tanto gargalhar. Correu para o terraço meu pai, a minha mãe a empregada Biu para ver o que estava se passando com meu avô que tanto gargalhava.
Não se via o fim deste riso estrondoso e saudável.
A empregada correu e trouxe um copo dágua do filtro de barro que estava na cozinha e tentou dar a meu avô. Ele fez um sinal para que ela desse para a visita e balbuciava:
-Faz tempo que não rio tanto, os médicos quando não têm remédios para nossos males dizem que o melhor remédio é rir e não tem dosagem, quanto mais, melhor. Vai, dá a água pra visita, mas que coisa mais gozada.
Continuou gargalhando até que a inércia perdeu o momento, então parou.
Perguntou ao senhor Fassberger se tinha tempo de tomar com ele um copo de chá e logo mais ele explicaria qual o motivo desta gargalhada tão mal educada.
Senhor Fassberger estava estupefato com as gargalhadas do meu avô e logo respondeu:
- Sim, será um prazer, mas faça o favor de desvendar este problema do grande numero de famílias do mesmo nome que levou a vossa senhoria a perder o controle.
Escute senhor Fassberger:
Vou lhe dizer logo ainda antes do chá chegar.
- Você simplesmente não entendeu o que os fregueses lhe responderam. Um brasileiro nato ou um prestamista veterano com muitos meses ou anos de trabalho na freguesia entenderia e não incorreria nesta tolice que fez o senhor assustar-se.
“Sucriado” não é nome de família de ninguém, isto é “Seu Criado”, uma forma respeitosa de apresentar-se a um estranho e que significa “estar às suas ordens”, ou “à sua disposição”, sempre acrescentam depois do nome da família, agora está claro? Assim oh: Chico Pedro Bezerra, seu criado!
Vais escutar outros muitos maneirismos respeitosos usados frequentemente por este povo bom, assim quando você diz: “Mas que chapéu bonito”, a resposta será sempre: “Está às suas ordens”. Absolutamente não quer dizer que o senhor pode levar o chapéu!
Caso você pede uns minutos de descanso na sombra do seu casebre, vais ouvir: “A casa é sua, faz favor”. Isso não quer dizer que amanhã tu podes vir morar com a tua família na casa do teu freguês, estás entendendo?
Sempre ao lhe deixar quando estiverem dialogando, dirá:
“Com a sua licencia”, é mais uma maneira de se expressar, entendeu agora senhor Fassberger. Vais te deparar com mais e mais maneirismos destes bons matutos nordestinos. Isto é muito característico deste povo humilde daqui. Não leve ao pé da letra ou como vem no dicionário que todos os prestamistas usamos para não cometer por demais erros.
Senhor Fassberger, nem esperou pelo chá, pediu desculpas e já usando um dos maneirismos que só agora saiu do “forno”:
- “Com sua licencia” senhor Joseph, está tarde vou me retirar, o chá ficará para outra vez, o senhor me tirou uma enorme dúvida (a shtein in kop, em iídiche) que me tirava o meu sono. Agora já sei, amanhã mesmo voltarei para Camaragibe e vou procurar a freguesia para vender o que eles encomendaram. “A sheinem dank, shulem” (Outra vez muito obrigado e paz).
Já saindo pela porta do nosso casarão se via um cambio na sua fisionomia de preocupado quando entrou, para satisfeito ao sair e sibilava baixinho: Claro, isto é só pra brasileiro nato.
* Bar Mitzva - Comemoração da data em que o garoto alcança os seus 13 anos e então passa a cumprir com as leis do comportamento judaico, ditadas pelo Senhor (se quiser é claro).
Todos os direitos autorais reservados.
Um casario inteiro, pelo menos 40 famílias, todos com o mesmo nome de família.
-Senhor Joseph, tenho receio que seja uma trama e que estão querendo me enganar ou tapear, como dizem aqui os moradores.
Meu avô intrigado com o fato ainda tentou explicar que nos arrabaldes tem muita família grande. Possivelmente num determinado lugar concentrou-se muitas delas com o mesmo nome.
- Porém fique descansado, em geral são honestos e com raras exceções tramam enganar o prestamista. Veja não tem lógica nenhuma tapear exatamente este que lhe permite adquirir a largo prazo, calçados, tecidos ou objetos necessários para si e a família, coisa que não é costume fazer nas lojas de comércio no Recife, ainda mais para indivíduos sem nenhuma espécie de documento de identidade. Já viu né?
Como se chamam estas famílias que tem o mesmo nome?
- Veja senhor Joseph, eu encontro este pessoal na aldeia deles e me apresento com meu nome Moisés, aqui tenho a lista com os nomes deles.
Todos respondem e dizem seus nomes, deixe olhar a lista, aí estão, um se chama Pedro dos Santos Sucriado, outro Marco dos Anjos Sucriado, outro Silvério Prates Sucriado, Manuel Pombo Sucriado, Sebastião Veríssimo Sucriado, quer mais? São uns 40! Todos com o nome de família “Sucriado”!
Meu avô quase estoura de tanto rir, pedia desculpa da visita, mas não aguentava de tanto gargalhar. Correu para o terraço meu pai, a minha mãe a empregada Biu para ver o que estava se passando com meu avô que tanto gargalhava.
Não se via o fim deste riso estrondoso e saudável.
A empregada correu e trouxe um copo dágua do filtro de barro que estava na cozinha e tentou dar a meu avô. Ele fez um sinal para que ela desse para a visita e balbuciava:
-Faz tempo que não rio tanto, os médicos quando não têm remédios para nossos males dizem que o melhor remédio é rir e não tem dosagem, quanto mais, melhor. Vai, dá a água pra visita, mas que coisa mais gozada.
Continuou gargalhando até que a inércia perdeu o momento, então parou.
Perguntou ao senhor Fassberger se tinha tempo de tomar com ele um copo de chá e logo mais ele explicaria qual o motivo desta gargalhada tão mal educada.
Senhor Fassberger estava estupefato com as gargalhadas do meu avô e logo respondeu:
- Sim, será um prazer, mas faça o favor de desvendar este problema do grande numero de famílias do mesmo nome que levou a vossa senhoria a perder o controle.
Escute senhor Fassberger:
Vou lhe dizer logo ainda antes do chá chegar.
- Você simplesmente não entendeu o que os fregueses lhe responderam. Um brasileiro nato ou um prestamista veterano com muitos meses ou anos de trabalho na freguesia entenderia e não incorreria nesta tolice que fez o senhor assustar-se.
“Sucriado” não é nome de família de ninguém, isto é “Seu Criado”, uma forma respeitosa de apresentar-se a um estranho e que significa “estar às suas ordens”, ou “à sua disposição”, sempre acrescentam depois do nome da família, agora está claro? Assim oh: Chico Pedro Bezerra, seu criado!
Vais escutar outros muitos maneirismos respeitosos usados frequentemente por este povo bom, assim quando você diz: “Mas que chapéu bonito”, a resposta será sempre: “Está às suas ordens”. Absolutamente não quer dizer que o senhor pode levar o chapéu!
Caso você pede uns minutos de descanso na sombra do seu casebre, vais ouvir: “A casa é sua, faz favor”. Isso não quer dizer que amanhã tu podes vir morar com a tua família na casa do teu freguês, estás entendendo?
Sempre ao lhe deixar quando estiverem dialogando, dirá:
“Com a sua licencia”, é mais uma maneira de se expressar, entendeu agora senhor Fassberger. Vais te deparar com mais e mais maneirismos destes bons matutos nordestinos. Isto é muito característico deste povo humilde daqui. Não leve ao pé da letra ou como vem no dicionário que todos os prestamistas usamos para não cometer por demais erros.
Senhor Fassberger, nem esperou pelo chá, pediu desculpas e já usando um dos maneirismos que só agora saiu do “forno”:
- “Com sua licencia” senhor Joseph, está tarde vou me retirar, o chá ficará para outra vez, o senhor me tirou uma enorme dúvida (a shtein in kop, em iídiche) que me tirava o meu sono. Agora já sei, amanhã mesmo voltarei para Camaragibe e vou procurar a freguesia para vender o que eles encomendaram. “A sheinem dank, shulem” (Outra vez muito obrigado e paz).
Já saindo pela porta do nosso casarão se via um cambio na sua fisionomia de preocupado quando entrou, para satisfeito ao sair e sibilava baixinho: Claro, isto é só pra brasileiro nato.
* Bar Mitzva - Comemoração da data em que o garoto alcança os seus 13 anos e então passa a cumprir com as leis do comportamento judaico, ditadas pelo Senhor (se quiser é claro).
Todos os direitos autorais reservados.

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