"O comunista" (Parte 2)
Paulo Lisker, de Israel
Nós os garotos judeus do Recife não tínhamos conhecimento sobre o pessoal da nossa colônia enfileirada no partido Comunista ou ativista, até que ficamos sabendo do Jorge.
Era difícil acreditar.
Que diabo este garoto encontrou nesta ideologia tão diferente do espírito brincalhão brasileiro, para levar esta atividade tão a serio.
Pensávamos que com o tempo isso passaria e ele como todos nós, se tornaria simpatizante do futebol local, mas isto nunca aconteceu.
Na época em que as "batidas" policiais eram mais frequentes e a sua casa era "invadida" em busca de material ou literatura subversiva, ele nunca pediu guarida a alguma entidade judaica, mas sim pedia ajuda aos padres Salesianos e até uma vez com mais dois jovens ativistas se refugiaram com ajuda do padre Cícero em Juazeiro, no interior do Ceará.
Isto de estar todo o tempo fugindo da policia parecia ser um "modus vivendis".
O que a policia procurava nos "bolsos" deste jovem, até hoje não me ficou claro.
Tanta gente importante no PCB pernambucano e era exatamente o Jorge que vivia eternamente em fuga. Possivelmente, não conhecíamos outros membros ativistas que também viviam fugindo das autoridades legais, porém só o Jorge conhecíamos mais de perto.
Ser comunista declarado, não era um grande orgulho, ainda mais para um judeu, pois uma parte deste povo vinha fugindo das bárbaras e sangrentas revoluções na Rússia. Lênin ou Stalin eram "o satanás" em pessoa, nem era bom lembrar. Então agora no Recife, o negocio era enterrar este passado e nunca mais pensar nesta etapa tenebrosa que atravessaram antes de se meter nos vapores que os trouxeram para o novo mundo, graças a Deus. Agora vá entender este Jorge, judeu e comunista.
Uma noite ele apareceu na nossa casa pedindo guarida, comida, roupa e algum dinheiro.
Realmente causou espanto para todos nós, pois por mais de dois ou três anos não tivemos "contatos vivos" e quando tínhamos noticias dele, era através dos poucos encontros de nossas mães e tias que se reuniam para escutar as novelas intermináveis de João Loureiro, transmitidas pela Radio Clube de Pernambuco e mesmo nestas ocasiões, sobre Jorge, a mãe dele não falava quase nada.
No nosso casarão, tínhamos um enorme sótão, onde habitava meu avô, então o problema de passar a noite escondido estava solucionado, pois era só por uma noite, depois os "camaradas do partido" encontrariam alguma solução mais viável.
Para as outras coisas que pediu não havia maiores problemas.
O visitante "subversivo", estava sujo e fedia a distancia, parecia que esteve escondido no mangue costeiro de Rio Doce.
Minha mãe, logo tirou da cômoda uma toalha de banho e abriu um novo sabão Lifeboy e ordenou:
"Menino vai tomar banho, Nossa onde você andou"?
Roupa do meu tio "Nafti" (o sertanejo, eternamente embrenhado no mato), a estilo "safári" de cor caqui, ficou exatinha nele.
Comeu o que ficou do jantar, agora penteado e limpo, sentado numa cadeira de balanço, das inúmeras que tínhamos na sala de visitas, parecia um artista de cinema.
As empregadas ficavam olhando para ele através das frestas, admiradas com aquele garotão tão corajoso que veio pedir guarida até que passasse o perigo eminente de ser pego e torturado pela policia de "felasdaputa".
Ele "seco" como estava, daria uma "trepadinha rápida" com uma das Marias, nossas empregadas. Para elas seria uma das "mil e uma noites" e um sonho, dantes nunca realizado com um garotão branco e ainda mais defensor dos pobres e da classe obreira. Só em pensar na coisa era um meio orgasmo.
Mas Jorge nem pensava nisso, só queria dormir depois de dias e noites em fuga dos defensores da sociedade brasileira em busca dos "safados subversivos".
Meu pai depois da primeira revolução Bolchevista, fugiu da Rússia com destino ao Uruguai e no fim das contas desembarcou no Recife e ali ficou!
Este homem não podia nem de longe suportar o cheiro do comunismo soviético, agora este "comunista Tupi" em carne e osso, dentro do nosso casarão.
De vez em quando sibilava em iídiche: "Oich a shmok a cumunist bai undz in shtib, Got zol mir uphitn in maine eltern"! (Era só o que me faltava, um caralho comunista aqui em nossa casa e na minha idade, que Deus me livre).
Eu estava louco para ter uma conversa com Jorge sobre este tal "comunismo", queria mesmo saber muita coisa sobre a Rússia, não era só por curiosidade, pois em alguma etapa da nossa puberdade tínhamos um "chamego" com as idéias da esquerda.
Isto era muito normal e ademais queria saber se ele tinha selos da Rússia com a estampa de Stalin ou Lenine, muito difícil de encontrar entre os amigos colecionadores. Era muito mais fácil conseguir selos com a estampa de Hitler ou com a Cruz Suástica do que selos com o emblema soviético com a "foice e o martelo".
Minha mãe fez o diabo para me afastar de Jorge e suas idéias de esquerda. Nada de conversas com ele. Me mandava fazer deveres ou ir na venda de senhor Lopes na esquina da Rua do Jeriquiti comprar algo que ninguém necessitava, tudo para livrar o seu menino de tenra idade de influencias negativas.
Infelizmente a conversa com Jorge que tanto queria, não resultou, pois ele teve que ir-se em busca de outro esconderijo.
Na casa vizinha a nossa, morava um dos "informantes" de policia ("Dedo duro").
Que eu saiba haviam dois e um não sabia da existência do outro.
A policia contratara estes "dedos duro" para penetrar, vigiar e saber em tempo útil o que acontecia na colônia judaica em geral e nos movimentos juvenis de tendência esquerdista em especial.
Era judeu e nosso visinho, este "Judas Escurió". Delatava tudo que se passava na colônia judaica, fossem casamentos, festividades judaicas, reuniões e assembléias, atividades femininas de caridade, viagens repentinas para o exterior, etc, etc, etc, até a "falta de respeito" de não hastear a bandeira nacional nas festividades da colônia israelita.
Naquele tempo, tudo poderia ser considerado como ato subversivo e era preciso ter o "máximo cuidado".
Como a policia andava atrás de Jorge e seus "comparsas", também "o informante", estava de alerta para prestar atenção aos movimentos desta gente no Bairro da Boa Vista e nas vizinhanças onde se concentravam muitas residências de famílias judaicas.
Ele deu fé que Jorge rodou pela Rua Gervásio Pires e entrou na nossa residência. "Tiro e queda".
Essa "peste" quando viu o acontecido, saiu às carreiras para relatar o fato na delegacia da Rua da Aurora. (telefone era raro na época e mesmo o "informante" não o tinha em casa).
Não demorou nem 2 horas e a policia nos carros da "radio patrulha ou tintureiros", (não recordo muito bem) vieram nos visitar com o pretexto que um bando de ladrões estava assaltando residências nesta rua.
O que eles não podiam saber era que o namorado da nossa linda empregada Maria do Carmo (uma morena de Serra Talhada), era policial, musico na banda da policia, porem policial.
Ele escutou na delegacia que iriam fazer "batida" na Rua Gervásio Pires, ligou uma coisa com a outra, veio correndo e avisou que a policia estaria em pouco tempo procurando subversivos e se tem alguém escondido na nossa casa que saísse de imediato e se escondesse no sitio encostado ao nosso casarão, pois lá ninguém se meterá a procurar de madrugada.
Assim foi, e Jorge passou a noite no barracão de senhor Ramos o vigia do sitio inesquecível que muitas vezes salvou os foragidos verdadeiros ou imaginários da nossa intrépida policia recifense.
Desta vez Jorge se salvou, mas eu fiquei frustrado, pois queria perguntar a ele um "monte" de perguntas sobre o "tal comunismo" e esta era a oportunidade.
A coisa falhou, fiquei naquela época ignorante no assunto.
Mãe, tu es mesmo muito chata, né?
Fim do segundo trecho de "O COMUNISTA"
Cuide com os créditos

Nenhum comentário:
Postar um comentário