sexta-feira, 9 de agosto de 2013

QUEREMOS ENTENDER DE FUTIBÓ


DAS CONVERSAS COM MEU AVÔ



Foto do autor, na posição de Guarda Meta (goleiro).
Recife 1950




Tema: QUEREMOS ENTENDER O QUE É FUTIBÓ.

Paulo Lisker, de Israel

O senhor Schwalbman, amigo do meu avô materno, me contou que os judeus recém chegados no principio de século XX depois que começaram a trabalhar vendendo a prestação nos subúrbios da cidade se deparavam em toda campina com um bando de goim (não judeus), correndo atrás de uma bola, horas e horas.
Muitas vezes a bola era feita de molambos de pano e papel de jornal velho dentro de uma meia usada, uma verdadeira alquimia ou feitiço. Acreditem ou não, aquilo virava uma bola e até saltitava quando a campina estava seca. Quando chovia já era problemático, então esta gente louca pra jogar futibó ia buscar uma bola de borracha emprestada de algum menino tolo que caia na esparrela de emprestar a sua bola de borracha. Coitado do pirralho sempre devolviam a sua bola furada, se a devolviam.
Muitas vezes o prestamista ao chegar ao casebre do seu freguês, a mulher ou a mãe do sicrano dizia:
- "Ele tá na campina jogandu futibó cuns amigos, vem amanhã, ta bem"?
A coisa era intrigante e os judeus queriam saber de que se trata, porque os goim são tão aficionados por estar chutando uma bola de meia numa campina em qualquer lugar ermo na vizinhança do arraial.
Lá nos "shteitalech" (aldeiotas do leste europeu) nunca vimos esta doidice.
Queremos entender que diabo de jogo é esse o tal "futibó", pois se me aproximo destas " goiishe meshigussim" (costumes dos goim aluados), conhecerei melhor a mentalidade deles.
Agora que o mundo e também o Brasil se preparavam para disputar a Taça Jules Rimet dos anos 30 do século passado (Campeonato mundial de futebol), a praça Maciel Pinheiro estava em reboliço e todos se interessavam pelos resultados dos jogos.
Os judeus não queriam ficar para atrás, então solicitaram numa das constantes reuniões de prestamistas e comerciantes na Praça Maciel Pinheiro, que senhor Shmerel, que já estava no Recife quase 10 anos, pronunciasse uma palestra sobre o assunto, pois com toda certeza ele entendia deste "jogo doido"!
No dia marcado veio Sr. Shmerel, o pessoal se concentrou em dois bancos e em volta deles, aí ele iniciou a palestra e mostrava o quanto ele "entendia do "riscado" (matéria em apreço).
Dizia ele com toda autoridade:
Esses grupos são uns bandos de malucos, se não me engano parece que em cada partida participam 25 jogadores, ou algo assim. Passam horas correndo atrás de uma bola e quando a metem na "barra", se abraçam alegres, parece que chegou o Messias (Der meshiach iz arup fin himel, er iz shoin du).
Neste grupo que chamam "time", sempre tem um que é mudo, "metido a besta" e usa uma camiseta diferente dos outros, tem um apito pendurado no pescoço para se comunicar com o resto da tropa! Ele está sempre reclamando, gesticulando e dando "esporros" nos demais, parece que é o dono da bola. Ele apita e apita, porém ninguém liga pra ele e não lhe passam a bola! Corre e corre pelo campo todo, mais necas de pegar na bola, um inútil!
Este bando de malucos passa as tardes rebentando as canelas uns dos outros e ninguém pode fugir do campo, pois colocaram dois tipos segurando na mão um pau com uma bandeira e que não deixam os jogadores sair do campo, obrigando a colocar a bola novamente no jogo, toda vez que algum desobediente chuta ela para fora do campo. Desses dois (que são chamados bandeirinhas), todos tem muito medo e não tem jogador malandro, que não lhes obedece.
A este "quebra canelas", chamam de "futibó"! No fim ganha o grupo que mete mais bolas na "barra" do adversário, e não é fácil, pois em cada "barra" tem um vagabundo louco fazendo o diabo, com as mãos, com as pernas, se jogando de um lado para o outro, tudo isto para atrapalhar aos outros malucos de meter a bola dentro da "barra". Quando a bola penetra na barra, gritam GOOOOOL, se abraçam, a alegria e euforia são enormes. Ao terminar esta selvageria, suados e sujos de barro (não tinha gramado) saem abraçados cantando e vão beber cachaça na quitanda mais próxima.
- "Vus iz a barra", (o que é a barra)?, pergunta Burech Goldshenkar!
"Di vest shoin zein in di campine vi di arbest, es iz azoi vi a toier une de tirem"(Tu já verás na campina onde tu trabalhas, é feito um portão que faltam as portas e lá colocam um porteiro), responde o muito conceituado e entendido senhor Shmerel.
E finaliza o "entendido" na matéria:
Eu vos pergunto, que tem esta gente na cabeça, não era melhor cuidar da vida e trabalhar? Trazer um dinheirinho para casa em lugar de estar 25 vagabundos correndo atrás de uma bola?"
Outro acrescentava:
Realmente um bando de doidos! Que vergonha.
Agora vão mandar um grupo desses para Europa para fazer esta macacada por lá? (Em iídiche: "A finstere biche, molpes zenen tumed molpes, azamim shande in Brasiliens numen"). Traduzido do iídiche a língua do dia a dia desta gente, seria: "Que vergonha danada, macacos só poderão fazer macacada e ainda mais agora na Europa, em nome do Brasil".
Estão espantados com o nível de conhecimento dos nossos antepassados com o jogo de "futibó"?
Assim era. Não adianta querer disfarçar a verdade das coisas.
No principio do século passado, este era mais ou menos o nível de conhecimento da matéria do grupo de judeus reunido na praça.

2 comentários:

  1. M. Rosnblatt- israel
    DISSE:

    Eu não sabia que Ary era do Hashomer Hatsair.
    O filho dele mais velho, Efraim, foi meu colega de classe.

    Essa sua crônica é de matar de rir. Seu yidish esta’ perfeito.

    Vai aí uma boa:

    Quando Itschak Bashevitz Zinger veio a Israel após receber o premio Nobel de literatura, Menachem Begin perguntou a ele porque ele só escrevia em yidish. Por que não em hebraico (haja visto que ele também sabia hebraico).

    Itzchak: existem palavras que não dá pra traduzir.

    Menachem: que palavras? Dê um exemplo.

    Itzchak: Turress (Bunda), por exemplo.

    Menachem: Turress? Em hebraico é Tachat.

    Itzchak: Tachat???!!! Nain. Dus ot nisht kain punem… (Esta palavra "tachat" não tem cara).

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    M. Steinberg Salvador Bahia

    DISSE:
    Caro Paulo

    Adorei a crônica sobre o futebol.
    Seu idish está bom e tudo muito perfeito.
    Eu que falo idish.Nunca aprendi hebraico porque não estudei em escola judaica. Na casa dos meus pais se falava idish e eu aprendi tambem não só falar como ler e escrever. Houve uma época em que o Snr.Sadigursky Z'l morou em Campina Grande cidade onde eu e minhas irmãs nascemos.


    Dr.Ary Rouchansky- Israel
    DISSE:

    Fabuloso. não tenho outra denominação.
    Um documento para gerações.
    Ary
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    ResponderExcluir
  2. I. Coslovsky São Paulo-Brasil
    DISSE:

    PAULO

    MUITO BOM, COMO SEMPRE.

    NA NOSSA INFANCIA, NOS ANOS 40, O CONHECIMENTO DOS MAIS VELHOS SOBRE FUTEBOL JÁ ERA BEM MAIOR...

    NA CHAMADA DO E MAIL, V. FALA DO TIME DE FUTEBOL DO HASHOMER, DO QUAL NÃO ME LEMBRO OU TENHO NOTICIA. V. JÁ ESCREVEU A RESPEITO?

    UM ABRAÇO

    NECO ( ISRAEL)
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    Anônimo disse...
    Izaias Roitblatt Recife
    DISSE:
    Bem, Ary mora em Israel ha muitos anos. Pai do meu amigo Efraim. Vou repassar sua nota.
    Ontem no Shil (Sinagoga) me entregaram um papel mostrando que no inicio dos anos 30, havia um time no campeonato daqui chamado Israelita Sport Club. Acabou alguns anos depois.
    Também tivemos o goleiro Buchada (...), Zé Butchatsky (falecido ha quatro anos), no Sport no inicio dos anos 50.

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    J. Posternk Recife
    Disse:

    Paulo, corrigindo, pela ordem :

    Bernardo Katz (Nadinho) , vivo, mora no Recife, viajou para Israel em 19/8/2012 e volta para Recife dia 02/9/2012. Tratei da viagem dele.

    Zildo Faierstein (falecido há mais de 20 anos)

    Julia Charifker ( falecido)

    Abraços,

    Joel


    Blogger Passiflora disse...
    Paulo Lisker Israel
    Agradece:
    Estimado Joel, bom dia!

    Muito obrigado pela informação.

    Vou tentar fazer a correção com o blogger no Brasil

    Obrigado por ter lido estas minhas crônicas "infantiloides", mas é o máximo que ainda posso fazer para lembrar a nossa comunidade no principio do século passado.

    Um grande abraço e shalom!
    ----------------------------------

    Matilde Steiberg Salvador-Bahia
    Disse:

    Caro Paulo

    Agradeço pela sua resposta e tambem pelo bonito email sobre o Rio de Janeiro.

    Gosto da sua maneira de escrever,da simplicidade e sinceridade das suas palavras.
    Leitura muito agradável e que tambem me trazem recordações daqueles anos passados.
    Paulo, como vai indo Berto seu irmão. Sei que ele morava nos E.Unidos. Faz muitos anos que não tenho noticias..

    Hoje é o primeiro dia de Sucot.
    "Tabernaculo"
    Festividade bonita e alegre

    Chag Sameach para vocês todos.

    Fico por aqui.

    Minhas recomendações para os seus familiares.

    Abraços


    Dr. Gilberto Krutman são Paulo-BRASIL
    DISSE:
    Olá Paulo

    Vc em Israel tem mais informações que eu no Brasil. Conviví muitos anos com o Itiel Bubman e Walter Ghelfonde Bernardo Bacal o Itiel e Nadinho, atendia no mesmo Hospital em eu prestava meus seviços,(Hospital do Cancer e o Hospital dos Funcionários Servidores do Estado de São Paulo, e o Walter foi meu vizinho de prédio por muitos anos. Dos falecidos, só agora estou tendo conhecimento sobre o Julio Magro e Jayme Zimilis. O Zildo Faierstein tambem é falecido.
    Adorei a sua história do Futibó.

    Grande Abraço
    12 de novembro de 2012 21:46
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