Paulo Lisker (Israel)
O VENDEDOR DE GELO
Lá para as 10 da manhã, chegava o vendedor de gelo com sua carroça puxada por um cavalo, quero dizer "meio cavalo".
Cavalo de carroça deste tamanho parece que só tem em Pernambuco ou no nordeste, pois vi deles também em Fortaleza no Ceará.
Senta nele uma cangalha de cada lado e não sobra mais cavalo. "Bicho xôxin".
Diziam os entendidos que esta raça de "puxa carroça" é um produto da genética negativa nordestina, como mulher de canela fina, ou cearense de "cabeça chata" coisa muito característico no nordeste.
Este coitado animal puxava uma carrocinha cheia de barras de gelo envolta em pó de serra. Se animal sonhasse acho que o sonho dele seria um calor danado para derreter este gelo o mais rápido possível.
O pregão do vendedor de gelo era:
"OLHA O GELO, GEEEELO, CHEGOU O FRIO! VEM CORRENDO ZEFA, AGORA TOU DURO, LOGO ME DERRETO, SÓ FICA O MOLHADO. OLHA O GELO, O GELO CHEGOOOUUU!!!! "ADEMIR" (nome do "meio cavalo", que às vezes levava no seu pescoço uma gravata surrada com as cores rubro negras), TÁ APRESSADO, O CALOR TÁ DE FUDER. GEEEELO VEM, PRUQUE EU JÁ VOU EMBORA".
As empregadas simpatizavam com o "geleiro" pela "poesia" do seu pregão, acudiam rapidamente queriam ser sempre a primeira para comprar um terço ou meia barra que vinha envolta de pó de serra para evitar derreter em curto espaço de tempo.
Não esqueçam que o Recife tem um clima quente e naquele tempo nas casas da classe media era praxe o uso de geleiras com gelo.
Na tardinha, depois de comprado o gelo pela manhã, só restava o pó de serra. Dos males o menor.
A geleira era um lugar frio reservado para garrafas d'água, manteiga, ou evitar deteriorar algo cozinhado de manhã para servir na hora da ceia.
Para isso, ela dava para "quebrar o galho" como dizia o povo.
Na época não era comum geladeira elétrica (refrigerador), isso era só pra gente rica.
Então todo santo dia o mesmo ritual, empregadas correndo para comprar meia barra de gelo.
Quando o vendedor ou o "meio cavalo" se enfermavam, aí o reboliço era enorme.
Tinha vez das empregadas correrem até a Rua do Sossego ou da Rua Barão de São Borja para comprar o produto de outro vendedor. Imagine, com um calor medonho (de dar medo, na língua da rua) trazer de lá pra cá um terço da barra de gelo, já derretia quase toda no meio do caminho. Era outros tempos minha gente!
Mais ou menos na hora que passava o vendedor do gelo, pode ser coincidência, vinha sempre apressado outra figura muito conhecida por todos.
O CARTEIRO
Este senhor naquela época carregava uma enorme bolsa a tira-colo e também usava farda. Sim senhor, farda de carteiro!
Toda rua, seus moradores conheciam o carteiro pelo seu nome próprio e de família. Senhor Agripino Santos, seu criado.
O seu pregão era:
"OOH CORREIO, OOOOH CORREIO, TENHO CARTAS PRÁ MUITA GENTE. CARTA COMUM, AEREA E INTÉ REGISTRADA. OOOO CARTEIRO, OOOO CARTEIRO, VEM PRA JANELA. RECEBER A CARTINHA QUE CHEGOU AGORINHA DO RIO DE JANEIRO". (Até rimava)
Ele era uma pessoa muito solícita e respondia a toda inquietude daqueles que enviavam carta e não receberam resposta como se ele fosse o responsável pelo correio brasileiro que naquele tempo tinha a velocidade duma lesma.
Uma carta dentro do Brasil podia levar um mês e claro a resposta outro mês. Caso fosse mandada por via marítima ou por via terrestre ainda pior.
Lá pelo meio dia aparecia outros vendedores ambulantes e prestadores de serviços dos mais diversos e necessários para qualquer casa de família.
Já de longe se ouvia os pregões.
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O AMOLADOR DE FACAS E TESOURAS
Este vinha com um carrinho de madeira, um apetrecho artesanal possivelmente feito por ele mesmo.
Por onde andava tocava no seu realejo, avisando a sua chegada e convidando aqueles que necessitavam seu serviço.
Ao receber os clientes, invertia a posição do "carrinho", ou seja, virava o dito cujo de "cabeça para baixo" (duplo uso, um para ir de um lugar a outro e o inverso para molar e afiar). Ajeitava uma correia de borracha que conectava numa polia. Com um pedal movia um esmeril artesanal e nele amolava facas e tesouras cegas.
Quem não necessitava amolar facas e tesouras?
Quem não desejava facas amoladas para os trabalhos da cozinha e tesouras afiadas para as costuras caseiras? Sempre tinha freguesia!
Ele passava duas vezes por mês na nossa rua.
No tempo que descrevemos o fato não existia aço inoxidável, de maneira que o aço comum das facas e tesouras quase sempre enferrujava e perdia em pouco tempo o fio da lamina.
Depois do tratamento recebido pelo mestre, todas as peças brilhavam e aguentavam amoladas até a próxima visita.
Soprando seu realejo esquisito, assim também era o seu som, ia-se o "amolador" para outras ruas.
O FUNILEIRO SOLDADOR DE PANELAS
No tempo que as panelas de alumínio de tanto estar em cima do fogo direto, o material abrasivo usado para sua limpeza (as empregadas usavam o conhecido "Sapólio" ou mesmo areia), o metal muito ordinário, a tecnologia daquele tempo era muito atrasada na fabricação de utensílios de alumínio, tudo isso acarretava furos no fundo das panelas e chaleiras.
Em geral nem todo mundo era rico para estar comprando novas por qualquer furinho besta, ademais estavam "familiarizadas" com o uso das antigas durante anos.
Apareceu panela furada então o funileiro-soldador era a solução ideal para resolver o problema.
Sim minha gente, tinha também isso no Recife matuto.
O consertador de panelas e chaleiras de alumínio passava oferecendo seus serviços às donas de casa (ágata não tinha remédio, caiu, furou, se lascou).
Ele avisava a sua chegada batendo com um toco de ferro numa panela furada que não tinha mais conserto.
Ao escutar o som das batidas na panela do funileiro, quem tinha peças de alumínio furadas vinha apressado com as mãos cheias delas.
Atravessavam a rua e iam para a calçada da sombra onde estava o "especialista" na arte do remendo com suas ferramentas e entregavam nas mãos dele com toda confiança.
Em geral voltavam com o remendo metálico quase impercebível e logo iam para a faina diária como novas.
Mediante um pagamento de alguns cruzados se economizava a compra de um utensílio novo.
De passagem pode-se acrescentar que os pontos de solda não largavam nunca e se apareciam novos furos eram sempre em outros lugares no fundo da panela, onde foi feito o remendo nunca mais furava.
Eu mesmo até hoje não sei qual a técnica que usava o soldador-funileiro de rua, mas que grudava forte grudava e para sempre.

Lic.Rosaly Naslavsky Recife Pe
ResponderExcluirDISSE:
Paulo,
obrigada pelos emails.
Gosto muito destas reminiscências.
Parabéns pela memória ,e por ter realizado este link.Abraços,
Chochana