O GRANDE LARANJAL ESTÁ LONGE DEMAIS. (parte 1)
Foto: Google Internet
O GRANDE LARANJAL ESTÁ LONGE DEMAIS.
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O GRANDE LARANJAL ESTÁ LONGE DEMAIS.
Parte um
De Paulo Lisker
Israel
Na minha cidade morei no primeiro edifício de apartamentos populares construído na área campal.
Beirava com um enorme laranjal plantado ainda nos anos trinta do século passado ou até antes.
A sua produção, assim como, de todos os laranjais do país (frutas uniformes em coloração e qualidade), estavam quase toda destinada à exportação e o resto era absorvido pelo mercado local de frutas e para a indústria de sucos e geléias.
A colheita anual era realizada manualmente durante o inverno (época fria do ano e com chuvas abundantes).
Aqui diziam (coisa que não estudei na Escola de Agronomia do Recife) que o frio do inverno "tinge" (colora) a fruta com a cor alaranjada* uniforme e a chuva em tempo na época da maturação faz a fruta desenvolver os líquidos, caso contrario ela fica seca por dentro e não serve para nada.
Naquele tempo a exportação de frutas cítricas era a única fonte de divisas (moeda estrangeira), que tinham aqui.
País pobre em tudo, terras estéreis, "curto" em fontes hídricas (rios e riachos temporários, secos durante quase todo o ano), sem riquezas de origem mineral, mal cuidado durante dois milênios pelos impérios conquistadores e povos andarilhos (beduínos), que aqui viviam sem fazer nada, sobrevivendo de esmolas dos poucos turistas e judeus velhos que voltavam da diáspora dos mais variados rincões do universo com a finalidade de aqui morrer, ser enterrado na "Terra Santa", com a cabeça voltada para Jerusalém, esperando a volta do Messias para se reencarnar.
Claro, tudo isso para quem tem fé e crente na religião de Moisés.
Já os "gozadores"(cínicos) laicos diziam que quem tem sol quase o ano todo é um país felizardo.
Quando outros retrucavam: Para que serve o sol?
Os "gozadores" respondiam: "PARA SECAR ROUPA" e caiam na gargalhada, o que não deixa de ser uma grande verdade.
Ainda bem que este povo sabia rir de sua própria sorte, uma qualidade que persiste até hoje em dia.
Durante um tempo, a cidade em apreço era chamada pelo povo, "A cidade das laranjas ou dos laranjais".
Eu tinha um amor especial pelos nomes de bairros ou de cidades, assim como, "As Laranjeiras", no Rio ou "Limeira", em São Paulo ou o bairro dos Citrinos (cítricos) no português de Moçambique.
Desta vez estou relatando a minha experiência num lugar muito longe do Brasil.
A cidade dos laranjais que agora relato está no Oriente Médio, para ser mais exato, na "Terra Santa", em Israel.
Diziam os entendidos na matéria que foi neste semi-árido da Palestina (antes da fundação do Estado de Israel, reconhecida pela ONU), o "berço" da variedade da laranja "JAFFA", no passado, famosíssima na Europa e até nos Estados Unidos, para lá eram exportadas.
Outra variedade de laranjas, também famosa nestes mercados era a laranja "Sangue" ("Tapuz Dam", em hebraico), sua polpa de cor vermelha intensa, como diz o seu nome.
Estas últimas eram muito sensíveis às intempéries e de pouca resistência às pragas e enfermidade vegetais, assim sendo, aos poucos, desapareceram , restou somente a variedade JAFFA, que persiste até hoje em dia, exportada com êxito para os mercados da Europa, apesar da forte concorrência com aquelas provenientes da Magreb (Norte da África).
O destino me reservou a sorte de ir morar numa cidade pequena e antiga que começava a se expandir.
O primeiro terreno que os governantes da cidade tinham ambição de urbanizar, construindo moradias era exatamente em cima deste enorme pomar de frutas cítricas (laranja, limão, pomelo, lima, tangerina, etc.).
Na realidade era mudar a natureza da área, de agrícola para urbana.
Isto por si só é bastante complicado e envolve muitas comissões de estudos de viabilidade, discussões sem fim entre os que defendem a mudança de status da área e outros, os conservadores da natureza e preservadores da fauna e flora natural, que de certo modo seriam atingidos ou até aniquilados.
Discutiam o desemprego da mão de obra, a rescisão de contratos com os exportadores de frutas, os custos da indenização a estes e aos donos das parcelas, enfim, uma complicação dos diabos.
Esta discussão entre os prós e os contra levou um bom par de meses, entretanto o projeto ficou estagnado.
No final da contenda a pressão por moradias era muito forte, as leis do mercado como em toda economia começaram a funcionar, apareceram os economistas que provavam por a+b que a indenização que os donos dos lotes receberiam seria muito maior que o lucro que estas laranjeiras produziriam durante os anos futuros, ademais sem os problemas agrícolas de toda natureza que afetam este setor de produção.
Diziam os economistas: Será um ótimo negocio! Esta gente (donos de lotes de laranjeiras), vai virar nababo de palacete e carro último modelo, vocês vão ver!
Conseguiram contornar os problemas técnicos e burocráticos, ademais das grandes discussões com as autoridades religiosas, que sustentavam o predicado:
"Uma espécie vegetal, que com sua existência vêem beneficiar aos seres humanos, está terminante proibido arrancar" (eliminar). Esta lei consta nas Escrituras Sagradas, diziam!
Depois das inúmeras reuniões e discussões de cunho religioso, lógico, dialético, filosófico e por que não dizer também econômico (que chegavam aos mais altos decibéis), conseguiram provar que o beneficio da construção de casas para os "sem teto" (novos emigrantes), recém chegados de volta a "terra prometida", depois de 2000 anos de estarem dispersos pelo mundo afora (diáspora), dava a permissão "legal" de derrubar uma parte do laranjal, que Deus nos perdoe e também as Santas Escrituras.
Depois desta grande agonia e planos prontos, a primeira parcela foi comprada dos legítimos donos pelo Fundo Nacional de Terras.
Mãos a obra, derrubaram as árvores e começaram a construir.
Até que removeram as arvores atiradas no solo, estas exalavam o "cheiro da morte", parecia que ainda queriam viver, depois que foram arrancadas e tombadas tão bruscamente no meio de sua vida, produzindo frutas gostosas e dando lucros aos donos das parcelas. Talvez essa fosse à maneira de um vegetal perguntar sem gritar: Por quê?
Depois colocaram água encanada, corrente elétrica, um caminho de terra batida no meio da areia que restou depois da derrubada das arvores.
O primeiro edifício de quatro andares ficou pronto e foi entregue aos moradores felizardos.
Bom, para encurtar a estória, fui viver num apartamento de três peças no segundo andar, sem elevador, porem na beira de um grandíssimo laranjal produtivo e economicamente viável, pelo menos assim me parecia. Éramos uma ilha no meio deste grande laranjal.
Nada de poluição, ar puro, passarinhos cantando todas as manhãs (me lembrava a canção do "Sabiá laranjeira"). Ouvíamos de noite quando o vento não soprava forte, o "tack-tack" dos aspersores de irrigação, molhando a terra arenosa do pomar e assegurando desta forma floração abundante e muitas frutas cheias de suco gostoso.
Lugar para a meninada brincar de se esconder e às vezes roubar umas frutas para saciar a sede do verão que aqui é brabo.
E o melhor de tudo deixei para o fim.
O cheiro da floração destes laranjais que se estendiam até onde a vista alcançava no longínquo horizonte, lá pro lado do mar Mediterrâneo.
Este aroma é indescritível, não existem palavras para poder explicar a fragrância das flores dum laranjal (De toda a família botânica dos cítricos), é preciso sentir para nunca mais esquecer.
Na minha cidade ela se espalhava de ponta a ponta e certamente chegava com as lufadas de vento da madrugada e da noitinha, a outros rincões da região e desta forma perfumava um país semi-árido, sem flora natural cujas flores pudessem encher a atmosfera com perfumes penetrantes, algo divino como o perfume da floração destes laranjais.
Este aroma se estendia por um bom tempo, pois era o resultado da floração de variedades em épocas distintas, que diferiam uma da outra.
Assim sendo, tínhamos uma atmosfera cheirosa durante algumas semanas (primavera, até meados do verão), produto desta floração anual dos laranjais.
Começava a floração das laranjas de umbigo (a nossa conhecida "baianinha"), depois a variedade Jaffa, logo começavam a dos limões, depois as tangerinas, e assim, sucessivamente, as limas, os pomelos e no fim as laranjeiras da terra (de frutas amargas), que serviam de quebra ventos e anunciavam o fim da floração desta família botânica e se iniciava a formação dos frutos.
Aí as abelhas se retiravam em busca de florações de outros vegetais e dedicar-se a produção de mel nas colméias espalhadas ao redor. Dizem que o mel produzido das flores de "Hadarim" (cítricos, em hebraico) possui propriedades medicinais e tem aroma e gosto dos melhores do mundo.
Era sobre este aroma que queria relatar nesta croniqueta. Exatamente para aqueles que não o conhecem, saibam que ele antecede a formação das frutas gostosas desta família botânica. Tem que se sentir este aroma para crer e se apaixonar por ela de uma vez por todas.
Assim como o excelente gosto destas frutas cítricas, saibam que também o cheiro desta floração é uma verdadeira festa para o olfato humano.
Trouxe uma rede do mercado São José no Recife, coloquei dois ganchos também comprados lá, instalei no meu pequeno terraço e ao votar do trabalho nela me deitava e pegava uma soneca aspirando o aroma celestial deste laranjal em volta do meu apartamento.
Trouxe uma rede do mercado São José no Recife, coloquei dois ganchos também comprados lá, instalei no meu pequeno terraço e ao votar do trabalho nela me deitava e pegava uma soneca aspirando o aroma celestial deste laranjal em volta do meu apartamento.
*No nosso nordeste, onde nasci e me criei a cor alaranjada não significava nada para mim. A laranja nordestina naquele tempo tinha todas as cores, verde, amarela, as duas junto, manchada de cinzenta ou marrom, mas nunca alaranjadas, de modos que não sabia que cor era essa. Foi só em Israel que encontrei o significado da cor de laranja, "alaranjado" e isto segundo os entendidos, derivado do frio na época da formação e amadurecimento da fruta.
Fim da primeira parte do "O GRANDE LARANJAL ESTÁ LONGE DEMAIS".
Continua na próxima croniqueta a segunda parte deste tema.
Todos os direitos autorais registrados
Cuide com os créditos.


Eng. Izaias Rosenblatt Recife
ResponderExcluirDISSE:
Aprendi a gostar das laranjas mediterrâneas na Inglaterra, vindas de Israel e da Espanha.
Se bem que os sucos que são industrializados em caixas longa vida são sempre de laranjas brasileiras.
mas doces como a mimo do céu, a laranja Bahia (hoje chamada de Navel), e a laranja pêra brasileiras não existe.
outra coisa: as bananas do Caribe que enchem as prateleiras européias e americanas são massentas, não tem nada a ver com as bananas brasileiras que tem gosto, aroma, e textura excelentes e incomparáveis: banana maça, prata, pacovan, ana ou nanica, comprida, e outras são fantásticas e os nossos limões "galegos" tb. são fora de serie.
Pelo menos no Brasil os laranjais de São Paulo são extensos e sempre em competição com os da Florida.
Profa. Tânia Neumann Kaufman Recife
ResponderExcluirLindo seu texto!
Tania