quarta-feira, 4 de setembro de 2013

SABES A TABUADA, MENINO ?


Das conversas com meu avô



                                                    Desenho Google-Internet

SABES A TABUADA?

Paulo Lisker, de Israel

  Estava eu sentado numa esteira num canto sem vento do terraço, arrumando minhas "cédulas" (maços vazios de cigarro) para o próximo encontro com meus amigos que viriam logo mais jogar "bolinha de gude". 
Depois iríamos chupar manga "espada" (uma variedade local, a única que ao fazer um pequeno orifício na casca, chupávamos toda a polpa doce e saborosa) e comer araçá. Arvores do quintal que estavam na época de "frutas maduras ou inchadas" (quase maduras).
Meus amigos adoravam come-las "tiradas" (colhidas) do "pé de pau" (arvore fruteira).
Neste dia por acaso meu avô tomava seu chá e me viu a toa sem fazer nada e me pergunta:
-Diga-me uma coisa, você já fez todas as lições para a escola?
-Já, sim senhor, já fiz tudinho, até escrevi e decorei as tabuadas de um a cinco, como pediu a professora dona Rinélia para trazer amanhã sem falta!
-A multiplicação de zero tu preparaste para a lição de amanhã?
- Ah Zeide, não me "amola" (chateia no jargão da meninada), não existe multiplicação de zero, começa com a de um. Para que o senhor me complica a vida, todos começam a tabuada com a de um e o senhor acha de me perguntar a de zero, essa não! Deixa de "encher o saco" (sacanear, no jargão da rua)!
-Bom, então me diga quanto é 4 X4?
É 12, vô.
-Errou!
E 4X7 quanto é?
-Deixe eu pensar vô, não tão depressa, espera aí, você me atrapalha com multiplicação de zero, que achas que sou metralhadora que atira uma atrás da outra sem parar, espera um pouco, só um tiquinho.
Qual foi mesmo a multiplicação que o senhor perguntou? De tão "aperriado" (nervoso no jargão popular) que já até esqueci! Diz aí de novo, vais ver como estou "craque" nessa porra!
- Ai menino tu es mesmo avoado e mal criado, perguntei quanto é 4X7, sabe ou tem que fazer contas nos dedos?
-Não, não vô, já descobri, é 21, acertei?
-Não menino. 4x7 é 28, nem mais nem menos, certinho 28!
Menino tu es burro mesmo, nesta idade não saber a tabuada.
No meu tempo, lá na Áustria, meu pai me acordava pela manhã e a primeira coisa que fazia antes de dizer bom dia era perguntar pelas multiplicações da tabuada. Perguntava e queria logo a resposta. Não tinha esta estória de pensar ou ficar fazendo contas nos dedos como tu.
Tinha que saber de memória, (de cor), não respondeu certo "a patch in punim" (uma tapa na bochecha). É o que também tu mereces.
Que vergonha para um menino judeu, ser ignorante, não saber a tabuada. Peço a Deus que os meus amigos não saibam que nesta casa está se criando um "burro, bicho do mato", só tem na cabeça juntar cédulas de maços vazios de cigarros e os bolsos da calça cheios, estourando de bolas de gude para apostar neste jogo idiota. Uma vergonha, "a Shtubac" (estúpido).
Olha aqui menino, quem não sabe na tua idade a tabuada de cor, primeiro as orelhas crescem como as do burro da carroça do leiteiro e depois tu mesmo viras um burro ao quadrado e no fim vais ser varredor de rua como seu Ambrosio o lixeiro. É isso que você quer ser quando for grande?
Cabeça dura, a quem tu puxaste da família? Quem sabe te trocaram na maternidade do Derby, será?
Vai dormir menino, amanhã te pergunto de novo, mas na condição que saibas pelo menos a tabuada de cinco que é a mais fácil de todas.
-Se eu acertar tudo direitinho sem erros, o senhor compra uma bicicleta pra mim?
-Que bicicleta que nada, primeiro termina de estudar o primário, faz exame de admissão para o ginásio, depois pensaremos em bicicleta. O mais importante é tirar dez na tabuada, sem esta nota, nem pensar em bicicleta. Para que burro "mit groisse oiern" (com orelhas compridas), precisa de bicicleta, já viu algum montado em bicicleta? Burro é pra puxar carroça e comer capim!
Vai com Deus, diz boa noite aos teus pais, lava as mãos e a cara, escova os dentes e até amanhã se Deus quiser.
-Escovar os dentes não vou não vô, nem a purso, (a pulso, no português correto que significa forçado), pois já escovei de manhã antes de ir para escola, vou logo avisando, não escovo de novo não! E não esquece de me guardar os cubinhos de açúcar como o senhor me prometeu!!!
Não sei como ele educou os seus próprios filhos, mas em cima do neto banca ser educador e tanto. Velho chato e metido. Virgem Maria, tá ficando caduco (aluado, no jargão da rua), esse velho!


12/8/2012

Da série "Conversas com meu avô"
Todos os direitos autorais reservados.
Cuide com os creditos.

5 comentários:

  1. Eng. I. Coslovsky São Paulo Brasil
    DISSE:
    MUITO BOM. DESTE TRECHO DAS CONVERSAS COM ME AVO, EU NÃO ME LEMBRAVA...
    SHANA TOVA

    ISRAEL

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  2. Eng. I Rosenblatt Recife
    DISSE:
    O hospital Evangelico existe e funciona na Torre.
    abcs
    ps: vc era ruinzinho de tabuada, não era...?...rs

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  3. M.Rosenblat- Israel
    DISSE:
    Hahahaha. Morri de rir com teu avô.

    Ele entendia de psicologia infantil como eu entendo de geologia subterranea do deserto da Mongolia...

    Me diz uma coisa: você se lembra mesmo de todos esses detalhes de conversas ou e’ 90% inventado pra fazer estorinhas bonitas?

    Qual era o numero da casa do seu avô na Gervasio Pires?

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  4. M.Rosenblatt- Israel
    Disse:
    Ao que parece, a casa do seu avô foi destruida.

    http://www.gosur.com/en/world-map/?gclid=CJe7gMjs_bECFQjwzAodznEAhw

    Entre nesse site. Escreva em cima Gervasio Pires 242. Do lado direito clique em Satelite e do lado esquerdo, aumente ao maximo.

    Eu e meu irmão ja’ não temos mais essa memoria como a sua. Por isso ficamos admirados.

    Amos Troper esteve em Israel no ano passado. Se encontrou com voce?

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  5. RESPOSTA de Paulo Lisker-Israel
    Estimado Moshé, shalom!

    Tudo já foi destruído. Eu sei disso, não preciso ir ao satélite, obrigado pela sugestão.

    Só ficaram agora estas crônicas que ninguém tem o interesse em publicar para que fiquem para a posteridade.

    Nem os dois casarões, nem o sitio com as fruteiras encostado ao nosso casarão, nem o colégio Marista que o comprou e derrubou toda esta mata atlântica, nada, mas mesmo nada restou. Só as crônicas sobre estes temas estão na Internet, num péssimo português, mas estão vivas para a eternidade.

    Que querias que começasse a chorar? As duas casas eram do meu pai, no sótão misterioso, lá morava de graça o meu avô e eu procurava pistolas num dos baús e nunca achamos.

    Ainda bem que ficaram estas lembranças que se transformaram em crônicas. (Efusivos agradecimentos ao blogger Clóvis Campelo que possibilitou estar presente com estas memórias na web da Internet)

    O interesse é nos cripto judeus e parentes do Caramuru, com ele certamente conseguiria a espingarda que eu e Jaime Zimilis procurávamos nos baús do sótão do meu avô.

    O nosso ishuv (comunidade) de prestamistas e suas estórias vai morrer se não de velho então por falta de interesse dos seus filhos e netos, pois a assimilação está comendo mais rápido que o cupim variedade Recife.

    Aí eu fico surpreso com o interesse onde cagou o cripto judeu José de Andrade da Paraíba. Que me interessa esta gente?
    Meus pais e avós vão desaparecer e ninguém se interessa por eles e sim por Caramuru e seus comparsas que andavam por aqui a comprar açúcar e pau amarelo. Que tristeza!

    Hoje recebi dois livretos um da família Bushatsky. (sobre o famoso goleiro do Sport) e o outro sobre a família de Rachela Naslavsky.

    Antes recebi de Meraldo Zisman e de Rubem Pincovsky, não tenho conhecimento se outros recifenses escreveram algo sobre seus antepassados na Europa e no Recife.

    Graças a Deus alguém se preocupou em deixar algo para a posteridade afora os personagens que o Museu tanto se interessa, pois por estes Marranos que rodaram por Recife conseguem dinheiro, para nossos pais e avós nem bananas.

    Então espero que respondi a suas inquietudes.

    Abraço.

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