domingo, 1 de setembro de 2013

O SOTÃO E AS GOTEIRAS

Foto: Google Internet

DAS CONVERSAS COM MEU AVÔ

O sótão do meu avô (Goteiras)

Paulo Lisker, de Israel

Que eu me lembre, nunca fui visitar o meu avô no sótão onde ele morava.
Se ele me chamasse, sim iria.
Mas como nunca o fez então não me atrevi a importuná-lo subindo pela minha livre e espontânea vontade.
Para dizer a verdade, sim subi, porém acompanhando meu pai quando ele precisava alguma de suas ferramentas que as tinha guardadas num baú que estava num dos inúmeros quartos que compunha este sótão do sobradão.
Ou para ajudá-lo quando se metia a subir numa escada alta danada, e eu a segurava em baixo enquanto ele ia tremulo galgando degrau a degrau até chegar ao último para reparar o velho telhado das inúmeras goteiras.
Nem queiram saber, mas quando chovia estas causavam um reboliço danado na área térrea do nosso casarão.
Era um corre-corre medonho (desesperado), empurrávamos os moveis pra cá e pra lá, puxávamos as camas e as estantes de livros para o outro lado da sala ou do quarto e colocávamos vasilhames, baldes até penicos e garrafas nos lugares onde gotejava.
Dava um trabalho danado mesmo.
O pior era quando o aguaceiro irrompia depois da meia noite quando a gente já estava no "sétimo sono" (dormindo pesado). Aí era um "Deus nos acuda", até o cachorro "vira lata" Tupi, ficava nervoso, latia com sua voz afeminada e olhava pra gente como se estivesse a dizer:
"Hau-hau-hau minha gente, está chovendo, vem aí um dilúvio". Corria de balde a balde, lambendo a água da chuva que naquele tempo devia ser gostosa ainda sem agentes de poluição do ar como hoje em dia.
Hoje já sabemos que os animais têm um sexto sentido e que prevêem desastres naturais e sobre naturais.
Quem sabe esse "vira lata" na sua atuação estava nos advertindo de mais uma noite sem dormir ou que só penicos e latas não seriam suficientes e que nos apressemos e construamos uma "Arca de Noé", pois este aguaceiro é um dilúvio e o Recife está acostumado a estas coisas. A prova disso eram as inúmeras "cheias" (enchentes) que esta cidade já sofreu, alagando áreas enormes da cidade.
Mas como sempre depois da tempestade vem a bonança e o amanhã despertava de céu azul, sol vermelhão e quente pra chuchu. Que bom o Recife tropical de verão eterno.
De noite Deus fica brabo com a gente, manda um dilúvio e de manhã se acalma, remela (mistura cores) um arco íris e a paz volta a reinar outra vez.
Chove chuva, que é bom para os "pés de pau" para dar suas frutas gostosas. Uma vez é para a manga outra pro araçá, jaca, pra laranja (se não ela fica seca por dentro) e assim por adiante, toda fruta tem sua chuva ou se quiser, toda chuva tem sua fruta e isto ainda dos tempos da "arca de Noé".
Acontece que durante o ano ela causava aflição de estarmos correndo pela noite adentro com os penicos e baldes, ela não tem culpa, quem manda ter goteiras em casa?
Já com o Arco Íris as empregadas diziam que devemos tomar muito cuidado, pois, se passamos debaixo dele é o fim da picada (algo muito ruim acontece).
Vocês nem queiram saber:
"Omi virá muié e muié vira Omi" (mudança de sexo). Oxente vige Maria! Filosofia de matuto, bacana mesmo!
Todo o sótão estava à disposição do meu avô.
Para mim era algo meio misterioso, muitos quartos vazios, acho que nunca ninguém morou neles por muito tempo.
Numas dependências, estava presente uma cama com colchão de palha (era o que existia na época), noutra um roupeiro ou estante, porém tudo vazio. Noutra, algumas camas patente com selo azul (desmontadas), talvez aguardando para serem vendidas a prestação nos subúrbios.
Lembro-me que um dos quartos estava cheio de baús, deveriam ser aqueles que vieram trazendo da Europa os pertences da família materna.
Aqui entre nós confesso que de vez em quando movido por uma mórbida curiosidade eu subia. Isso quando meu avô estava tomando uma brisa com os amigos no Parque 13 de Maio.
Só nestas ocasiões eu corria rápido e ia chamar o meu amigo Jayme Zimilis que não morava longe de nós, numa das ruas paralelas a nossa, a Rua José de Alencar.
Às vezes dona Inês, a sua mãe, ficava zangada comigo e dizia:
Jaiminho tem que fazer lição para a escola e não é tempo de ir brincar no quintal da sua casa e voltar todo imundo, com a roupa suja, nodoada pelas bananeiras do seu quintal. Faça favor, viu?
A empregada foi visitar a tia em Peixinhos, não tem ninguém pra lavar a roupa! E fechava a janela com raiva.
Jaime era filho único e sempre conseguia convencer a sua mãe que já estava de lições prontas até o fim da semana e que já está enjoado de ficar em casa sozinho.
Aí funcionava o complexo de culpa por não ter deixado para Jaiminho mais irmãos, então ela "amolecia" (abria a mão) os limites educacionais.
Não demorava muito e Jaime, como sempre bem vestido de calças curta e suspensórios chegava às portas de nossa casa.
Aí subíamos ao sótão no maior silencio possível, o problema era que os degraus da velha escada de madeira rangiam.
Fazíamos o possível para que ninguém dos presentes em casa desse fé da nossa "aventura" no sótão do meu avô.
Jaime já estava por dentro do meu plano que era abrir os baús e procurar uma pistola ou espingarda, o resto não nos interessava.
Infelizmente, mesmo depois de revirar o que ainda continha estes baús, nunca encontramos arma nenhuma. Trabalho em sigilo e silencio total, reviramos um monte de coisas, mas arma nenhuma foi encontrada. Uma frustração daquelas! Hoje pensando bem deve ter sido a influencia dos filmes de caubói, Tom Mix, Bug Jones e outros (que assistíamos no cine Politeama), com os seus enormes revolveres na cintura e quem de nós não queria se mostrar perante a roda de amigos como possuidor de uma pistola prateada de verdade nem que ela estivesse escondida num baú no sótão. Mas essa doidice (coisa sem nexo, tolice no jargão da rua), também passou.
Vale a pena salientar que encontramos nestas rebuscadas, botas, perneiras e até esporas, tudo isso do tempo que meu pai ia montado num cavalo fazer a cobrança de suas vendas nos arrabaldes do Recife. Pensávamos que depois dessas descobertas encontraríamos as armas de fogo que tanto procurávamos, pois não faltava quase nada para que meu pai fosse um verdadeiro caubói como aqueles do cinema. Porem não surtiu. Uma pena.
Uma vez prestamista, sempre prestamista.
12/8/2012

Todos os direitos autorais reservados
Cuide com os créditos.

7 comentários:

  1. Sra. M. Steinberg Recife
    DISSE:
    Caro Paulo
    Gostei da crônica e a foto que você colocou está muito boa.
    Você Paulo é saudosista e acha bom lembrar das coisas boas da infância,da adolescência e da vida toda. Eu tambem sou um pouco saudosista, como podemos esquecer dos tempos da infância nós que tivemos boas infâncias......

    Desejo um Rosh Hashaná (Ano Novo), com muita saúde alegrias e PAZ para você sua família e todos que estão em Israel.
    Abraços

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  2. Sra.Sluva Weintraub-- Salvador- Bahia
    DISSE:
    Paulo: Muito boa sua memória e sua crônica, como sempre
    Shabat Shalom, Sluva

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  3. Eng.Izaias Rosenblatt- Recife
    DISSE;
    Li as do "sótão do seu avô". Tiveram outras? Andei cheio de coisas pra resolver, o Recife está ficando impossível de se viver, congestionamentos o dia inteiro, e qdo vc precisa deslocar é complicado. Eu tenho guardado e repassado suas crônicas pros amigos e todos eles elogiam. Algumas coisas são antes até do meu tempo e não tenho como lembrar. Acho que a vida era mais simples então, poucas mudanças de ano pra ano, agora as mudanças são de dias.


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  4. Dr.Mario R. Israel
    DISSE:

    O Grinfeld foi meu primeiro dentista e me lembro do predio onde ele morava.

    Quando e’ que você vai comecar a contar sobre as empregadas que comia...???? hahahaha

    ----------------------------------
    Paulo Lisker de Israel
    Responde:
    Você está querendo muito de um velhote, pedindo o numero da casa de um amigo na Rua José de Alencar.
    Pois bem, do que me lembro:

    A Família Zimilis morava do lado oposto de vosso edifício,

    Que eu me lembre eles moravam num pequenos palacetes de um lado os Grinfelds pais do dentista Love e do outro lado vivia a familia Yampolsky. Mais uma ou duas casas era o fim da rua que desembocava na Av. Conde da Boa Vista, onde morava Senha (A. Ribemboim). Pedir mais que isso já é demais.

    Você recebeu a ultima versão da cronica enviada ontem, isto vem demonstrar que não tem nada inventado e sim lembranças que vem surgindo a tona. Se demorar mais uns meses aparecerão outros fatos já esquecidos.
    E mais:

    Não havia uma casa do tempo dos portugueses que não sofresse de "goteiras", naquele tempo era difícil encontrar "shkutzem" (gente com habilidade para tal) que fizesse este trabalho. As telhas já estavam podres e ao pisar quebravam mais que aquelas que consertavam, então os penicos e as latas foram durante muito tempo a melhor solução. O seu tempo no Recife parece que foi outro, mais moderno com firmas construtoras ou grupos que faziam caiar casas, colocar mosaicos no chão, pois muitas dependencias eram de "piso batido", e com certeza "telheiros e trocadores de caibos já apodecidos.

    Mais uns dias irá a outra parte desta crônica com mais fatos só agora rememorados e se chama "A LAVADEIRA DOS OLHOS VERDES".

    Até mais e boa noite.

    Abraço.


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  5. I. Coslovsky- São Paulo, Brasil

    DISSE:


    PAULO,

    COMO SEMPRE, MUITO BOM ! IRRETOCAVEL. ESTA VERSÃO, FINAL, FICOU MELHOR QUE A ANTERIORMENTE ENVIADA.

    UM ABRAÇO

    ISRAEL


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  6. Dr. M. Rosenblatt-Israel
    DISSE:
    Você já tinha me mandado essa em premiere...

    Qual era o numero da casa de Jaime? Eu morava no prédio Jose de Alencar que ficava no numero 264 na rua do mesmo nome.

    Foi um prédio construído por Moises Ferman, o marido de Rosita. Entramos lá em 1957. Antes vivíamos num apartamento no edifício Ruth na Travessa do Veras, perto da praça Maciel Pinheiro.

    Não entendo essa estória de goteiras. Era só’ botar telhas novas uma vez e pronto. Essas telhas duravam dezenas de anos.

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  7. Sra. Bella Rushansky Recife
    DISSE:

    Bonita crônica, no texto me identifico com você,
    lamento informar que Jaime faleceu precocemente

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