quarta-feira, 25 de setembro de 2013

O MEU AMIGO DUDA (parte 2 de 3)



A meninada no primário da escola iídiche do Recife.
Foto Google Internet

O MEU AMIGO DUDA    (parte 2 de 3)

Paulo Lisker
Israel

Os Delegados da diretoria da escola israelita despediram-se "amigavelmente", prometendo solucionar ainda este mês tudo que foi questionado pelo alto funcionário, o licenciado Dr. Celestino e da melhor maneira possível.

O problema mais difícil era o instrutor de Educação Física, para as aulas de ginástica. Então, antes de sair, Senhor Benjamim perguntou ao "gentil funcionário" onde poderia contratar um instrutor credenciado.
- O senhor leve este endereço. É um compadre meu, de nome Sargento Barreto. Ele terá o maior prazer de vos ajudar a resolver o problema, pois ele mesmo foi instrutor de Educação Física da Policia Militar e, agora, está na reserva.
Para encurtar a estória, os problemas foram sendo resolvidos uns após outros.

O PRIMEIRO - A limpeza dos sanitários foi resolvida depois de uma séria conversa com o senhor Manuel, que era o vigia e fazia a manutenção do prédio, cuidava da limpeza das salas de aula, e administrava as necessidades de material de ensino, dos alunos e professoras.
Ele vivia com a família em um barracão, no quintal da escola.  Ficou resolvido que colocaria uma de suas filhas, para fazer a faxina e limpeza dos banheiros, diariamente, antes e depois das aulas. Claro, mediante um pagamento mensal pontual, caso o serviço estivesse no nível desejado.
Ademais, quando alugassem o salão do prédio para festas, no primeiro andar (casamentos, em geral) cobrariam vinte contos de réis, como pagamento pelo uso dos banheiros.
Como não havia como gelar as bebidas, colocavam centenas de garrafas nos tanques dos chuveiros, dezenas de barras de gelo, pó de serra, para conservar o frio, até começar a distribuição das bebidas, horas mais tarde.
A consequência era uma sujeira enorme.
No chão, ficavam espalhadas milhares de tampas de garrafas (nós, os meninos, as chamávamos de "fichinhas"), cacos de vidro e, nas paredes, a sujeira era uma verdadeira pintura abstrata. Tal era a bagunça que não se podia usar o banheiro para qual era destinado. Quem necessitava, urinava no quintal, junto a uma arvore. 
Agora, com a presença da filha mais velha de senhor Manuel, e com o reforço do negro Capitulino, contratado especialmente para isso, durante toda a duração da festa, as coisas seriam outras.
Eles prestariam serviços aos usuários dos banheiros, pendurariam papel de jornal no gancho destinado para tal (papel higiênico não existia no Recife na época e quando era necessário mesmo era comprado como remédio nas farmácias e olhe lá, nem todas tinham a disposição para o publico em geral). Ademais, a creolina para meter no vaso sanitário, bolinhas de naftalina nos cantos das paredes contra baratas, sabão pra lavar as mãos, Flit contra muriçocas que de noite faziam festa no Recife.
Assim sim, desta forma manteriam sem duvidas o local limpo. E nenhum funcionário anti-semita da prefeitura daria nem "mais um piu" (reclamaria, no jargão da rua).
O problema das muriçocas era por demais grave, haja vista a cidade estar situada em um ambiente aquático, de ilhas, ligadas por pontes, e com um regime de chuvas irregulares. Formavam-se poças de água parada e, então, ali se criavam as larvas dos malditos mosquitos.
A Municipalidade não media esforços para erradicar o mal e mantinha, batalhando, um esquadrão de "Sanitaristas da Higiene". Eles anunciavam o  seu pregão, nas ruas: "A HIGIENE CHEGOU, CHEGOU A HIGIENE! AMARRA O CACHORRO, ONDE TIVER CACHORRO SOLTO, NÃO ENTRO LÁ! ESTÁ AVISADO".
Entravam de casa em casa, fardados com roupa de cor caqui, colocavam na janela uma bandeirinha verde, como para assinalar onde estavam atuando. Com um martelo especial, furavam as latas jogadas no quintal, pulverizavam as poças de água estagnadas e, dessa forma, "protegiam" a população do efeito maléfico causado pelas muriçocas e mosquitos, transmissores de vasta gama de doenças, que colocavam o Recife na lista internacional de cidades mais afetadas do mundo sub desenvolvido. Tanto que se exigia a vacinação para os visitantes e turistas.
Naquele tempo, me desculpem os amigos recifenses, o Recife era formado por uma porção de ilhas rasas dentro de um grande pântano ligado por diversas pontes. Não se precisa dizer mais nada conquanto a salubridade do local. 

Agora, as bebidas geladas para as festas não estariam mais nos banheiros, elas seriam conservadas frias em um barraco no fundo do quintal. 
Assim, funcionou um período bastante longo, até que se construiu, naquele local, uma quadra de voleibol. Esperava-se, agora, que os banheiros brilhassem, com ou sem, as visitas de inspeção do pessoal da Secretaria da Educação. 

O SEGUNDO - A bandeira brasileira, com mastro e tudo, foram compradas com a ajuda do livreiro Baras. Como os judeus não sabiam que a bandeira nacional possuía um tamanho oficial, encomendaram uma que cobria quase toda a parede da Secretaria. Isso exigiu a retirada de fotos de escritores judaicos europeus, tais como, Peretz, Mendele, Kafka, Markish e outros que Stalin (O sol dos povos), mandou executar como anti-bolcheviques.
Agora, ninguém pode mais reclamar que a bandeira brasileira não estava presente na escola. Foram, até, mais adiante e bandeiras brasileiras, de menor tamanho, foram colocadas nos cantos das paredes em todas as salas de aula, até na casa do vigia. Com os judeus é assim, "ou oito ou oitenta", o importante é deixar "o dono da bola" (Patrão), satisfeito.
   
O TERCEIRO - Quanto à legalização dos documentos do professor Halperin, o despachante Sr. Rangel, que prestava serviços dos mais diversos à nossa comunidade, principalmente com os tramites para a naturalização de estrangeiros recém chegados, se encarregou de arranjar toda a documentação, sem grandes problemas.
Neste sentido, foi necessária uma boa soma de dinheiro para "dar propina" a, pelo menos, dez funcionários, em entidades distintas, para que dessem prioridade ao caso e legalizassem a situação.

O QUARTO - Restou resolver o problema da inserção da Educação Física, no currículo escolar, coisa que deu mais trabalho que contratar o próprio instrutor credenciado, o tal sargento Barreto.
Houve muita discussão, entre as professoras, ninguém queria abrir mão de suas horas para aquela disciplina que, parecia não ter importância para o corpo docente. No final, pelo eminente perigo de que a escola fosse interditada e fechada, deu tudo certo.

Depois que acertaram todos os termos do contrato de trabalho, com datas marcadas, as sete e trinta, em ponto, apareceu o novo herói na escola, o sargento Barreto. Farda completa e, até, com perneiras.
Eu tinha impressão de tê-lo visto, diversas vezes, nos sinais de trânsito que, na época, eram manuais. 
As sinaleiras estavam situadas nas esquinas das Ruas Imperatriz, Hospício, e Velha, defronte da igreja da Matriz, junto à Praça Maciel Pinheiro.
Naquela época, já era uma grande conquista para o desenvolvimento motorizado da cidade.
O sargento não era mais um inspetor de trânsito, fazendo palhaçadas no meio das ruas, orientando, com os braços, o movimento dos carros. Aí estava a tecnologia, a serviço dos usuários motorizados, sim senhor!

     Finalmente, os quatro problemas questionados pela Secretaria da        Educação foram resolvidos conforme o prometido.
     Então se pode ou não confiar na palavra dos judeus?
Como se diz em hebraico: "Quando Deus quer, até uma vassoura dá tiros"!
Toda essa revolução mudou as feições da escola primaria israelita.
Vocês não podem imaginar o que o sargento Barreto praticava na escola! Isto alentava o nosso orgulho!
Foi o melhor remédio para eliminar o nosso complexo de inferioridade, no tocante às demais escolas.
Logo de manhã, nos dias de Educação Física, formávamos fileiras tão retas quanto uma régua. E, o sargento Barreto, queria mais e melhor.
Ele esbravejava: - de vocês, eu exijo mais! Vamos gente, cabeça erguida, olhem para Meira ou Júlio "magro", assim eu quero todos vocês. Sentido é nem piscar, nem se coçar, nem respirar, sentido é sentido! Espichados, tesos que nem um pé de coco de praia! Estufa o peito, Abrãozinho, vê Nequinho, ou Miriam! Assim, sim, já se pode ver sensíveis melhoras!

E a gente se esforçava para fatisfazê-lo. Queríamos que a aula dele não terminasse, de tanto que gostávamos.
No enorme pátio, debaixo das mangueiras, que ninguém sabe a idade ou quem as plantou, olhava boquiaberta dona Rosa, da cantina, o corpo docente e, o vigia, Sr. Manuel, com a sineta na mão, para anunciar à volta às classes, depois da ginástica.
Os professores estavam orgulhosos com o nosso empenho.
Começávamos com ginástica sueca, depois corrida curta, joga de passes com uma bola pesada num circulo, finalmente, como recrutas, aprendíamos as posições de sentido, meia volta volver, alto, marche, e marque passo.
Que beleza! A juventude judaica praticando ginástica, marchando como soldados, depois de 2000 anos de perseguições! Estávamos tão orgulhosos que, nos sentíamos no "sétimo céu"!
Quem sabe, agora seria forjado no colégio Iídiche do Recife, sob o comando do intrépido sargento Barreto, uma nova geração de jovens judeus, atletas, e, não só, estudiosos de torsos curvados, devido à enorme carga emocional e histórica que carregava, por herança, essas pessoas perseguidas durante dois milênios?
O sargento Barreto se tornou um personagem querido e admirado por todos.
Até nossos pais, ao escutar em casa tantas estórias sobre a ginástica e sobre o nosso querido instrutor, queriam conhecê-lo e, alguns, vinham pelas manhãs, antes de sair para o trabalho de prestamistas, nos arrabaldes da cidade.
Juntavam-se ao corpo docente que ficava admirado, observando o que o sargento Barreto conseguia tirar de nós, alunos meio desengonçado, saltando altura, correndo, fazendo ginástica sueca com calção e camiseta de meia.
Falava-se até em formar, no futuro, um time de futebol juvenil e, para isso, o sargento contava que tinha a intenção de pedir a ajuda técnica de seus amigos, Zezinho Bushatsky, legendário goleiro do Sport, do Guaberinha ou do Tará (Viana), esses dois do Santa Cruz Futebol Clube e, o último, também da Policia Militar.
Entretanto para nos proporcionar uma maior segurança, caso os moleques da rua nos atacassem, o sargento ensinou uma série de princípios de defesa pessoal. Era uma mistura de vários métodos, entre japoneses e europeus. E, o sargento estava causando uma verdadeira revolução, em nossa juventude.
Agora, a historia da escola se dividia em duas etapa: antes e, depois, do sargento Barreto.
Todos estavam deveras satisfeitos! De tão satisfeita, a Diretoria deu-lhe um aumento de 25%, ao mês.
O comitê dos pais, a cada três meses, trazia um pacotão de roupas usadas, para a sua esposa e as seis crianças, que viviam em condições difíceis, em uma casa modesta, no Jiquiá.
Depois de seis meses, já treinados e conhecedores das ordens de marchar corretamente, o sargento Barreto se aventurou a nos colocar para desfilar na rua.

Meninos judeus, sem complexo de inferioridade, marchando pelas ruas do Recife, sob o comando do querido sargento Barreto! Um sonho que virou realidade, antes mesmo do Messias voltar ao mundo, conforme prometem as Santas Escrituras.

Fim da segunda parte de três.
Todos od direitos autorais reservados.
Cuide com os créditos

Um comentário:

  1. Dr.Moshe Rosenblatt Hadera-Israel
    DISSE:
    Eu nem tinha nascido naquela epoca. Lembrar de que?
    Só me lembro daquela peste chamada Coralia. Tinha um odio danado dela. Acho que foi ela que deu a maçã envenenada a Bela Adormecida e a Branca de Neve...

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