quarta-feira, 25 de setembro de 2013

MEU AMIGO DUDA (Parte 3, final)


                                            Os primeiros passos no jardim da infância.
                                             Foto própria


O MEU AMIGO DUDA  (Parte 3, final)
Paulo lisker
Israel


Naquela época, o Diretório da escola primaria tomou a decisão de dar um nome respeitável à "escola iídiche", agora de forma oficial. Ficou decido, por unanimidade: "COLÉGIO HEBREU IÍDICHE BRASILEIRO".
O sargento Barreto, nosso instrutor de Educação Física, ordenou que, para as marchas nas ruas, seria obrigatório o uso de calção azul marinho e, camiseta branca, com o nome do colégio.
No Recife, não tinha quem fizesse tal "empreendimento". Solicitaram ao venerável Avrum Shie, que tinha uma lojinha na Praça Maciel Pinheiro, e boas relações comerciais com seus fornecedores, no Rio, para que encomendasse cem camisetas brancas com o nome do colégio impresso.
Vocês não imaginam a decepção que tivemos!
O artigo encomendado chegou depois de vinte dias, por caminhão. Parte da encomenda tinha a impressão nas costas, os outros, borrados, ou com letras trocadas, foi uma tristeza! Custou uma fortuna e, só poucos artigos serviram.
Quando o Sr. Giske viajou para o Rio, a negócio, aproveitou-se a oportunidade para que encomendasse outras duzentas camisetas, na melhor tecelagem. Por ele, mandou-se um modelo desenhado com o nome da escola e o tipo de letra feito pelo engenheiro que era também muito competente, em arte gráfica: Guilherme Rubinsky que vivia quando solteiro num sobradão no Rua Nova.
Todos queriam que a estampa figurasse no peito e, não, nas costas da camiseta.
O Sr. Giske fez a encomenda no Rio de Janeiro, na empresa que confecciona as camisetas para a Seleção Brasileira.
O dono da tecelagem, o Sr. Hamudi Abitbol, um judeu de origem marroquina, ficou tão emocionado que não cobrou um centavo pelo trabalho. Ademais, por sua conta, enviou, para o Recife, o pacote com as camisetas. Imaginem a alegria e a honra do senhor Abitbol que foi incumbido que na sua malharia fosse confeccionada as camisetas para a escola judaica do Recife, quem sabe a primeira depois de 2000 mil anos. 
Pensava ele com seus botões:
- Nada mais de se esconder perante os "goim" (população não judaica da cidade), porém desfilar de "peito erguido" (sem complexo de inferioridade), no Recife e que todos na rua com um certo espanto ficassem "abasbacados" (espantados), com o afoito dessa judeusada. 

Foi uma festa quando as novas camisetas chegaram à escola! Camisetas perfeitas, lindas e, ademais, fabricadas no mesmo local onde se confeccionavam as camisetas da seleção brasileira. Só podia ser coisa boa! Eu imagino todos cheirando as camisetas e sentindo aquele cheirinho que exalam as camisetas novinhas e que estavam esperando o envio para o Recife bem juntinhas as camisetas dos jogadores brasileiros que participariam da próxima Copa do Mundo. Até a do craque Ademir (jogador da seleção e que no passado era jogador do Sport Club do Recife), ai gente mais que orgulho danado, não era mesmo para desfilar de "peito erguido" nas ruas do Recife? Não era mesmo? Diriam vocês: "Alegria de pobre". 
E pobre não pode ter alegria e orgulho?
E, tudo isso, fora uma doação do patrício da "Tecelagem Oriente" no Rio de Janeiro, naquele tempo, a capital do Brasil.
Para o sargento, enviaram, especialmente, dez camisetas azul celeste, com a seguinte estampa: INSTRUTOR TÉCNICO, em letras garrafais e, logo em baixo, em caracteres menores, Colégio Hebreu Brasileiro. Virgem Maria, era o máximo!

Agora, o ultimo pedido aos alunos foi a compra de sapatos do tipo tênis. Estes podiam ser adquiridos nas "Casas Sport" ou "do Atleta", na Rua da Imperatriz.
Os calções de cor azul marinho foram uma doação da Malharia Imperatriz, do conhecido Moishe Schwartz, que sempre figurava na cabeça dos filantropos para as diversas doações a comunidade.
Três meses depois, a escola estava em condições de desfilar nas ruas do Recife.
No principio, as marchas nas ruas ficavam limitadas ao perímetro defronte da escola, ou seja, vinte a quarenta metros, à esquerda, meia volta volver, o mesmo para a direita.
De um lado, aplaudia o Sr. Leib Cherpack, que sempre estava debruçado na janela e, do outro, a senhora Mandel e as empregadas das casas dos judeus da Rua da Glória.
Depois, as marchas foram aumentando. Certa vez, chegamos até o pátio da Santa Cruz. Lá, fomos recebidos com vaias, pelos moleques de rua que tomavam conta do lugar.
O sargento Barreto não se espantou com o fato. Dirigiu-se ao grupo e ordenou que a "quadrilha" deixasse o pátio, imediatamente, caso não, ele comunicaria tudo à Delegacia da Rua do Aragão, que mandaria o "Tintureiro" e, depois, intimaria os pais, para um encontro com o Delegado, por estar conturbando a paz pública.
Ao escutar a "brabeza" do sargento, os moleques debandaram dali.
Essas marchas enalteciam, mais e mais, o nosso orgulho. Agora, esperávamos impacientes, a visita do Guaberinha, ou do Tará, para formar a base de uma equipe de futebol mirim de alunos judeus. O único que apareceu, em uma bela manhã, foi Zezinho Bushatsky (conhecido nos meios futebolísticos com Buchada, ex-goleiro do Sport Club do Recife). Ele reuniu o grupo e deu uma palestra de motivação, prometendo, acompanhar o futuro time de futebol infantil, até quando ele durasse.
Infelizmente, isso nunca ocorreu e, o primeiro time de futebol mirim, só foi criado com a formação do Movimento Juvenil Hashomer Hatzair que, no início, funcionava no prédio do colégio Hebreu Brasileiro.
O grupo de minha idade, sob a orientação de Ary Ruchansky, formou, em conjunto com outros grupos do Movimento (da Tnuá), o primeiro time de futebol de meninos com a idade de doze a catorze anos, denominado MAAPILIM (escaladores, em hebraico).  
Aproximava-se o fim do ano letivo, começaram as provas e, também, a de Educação Física.
No dia marcado, estávamos às 07h30min, já formados e em posição de sentido, esperando a chegada do sargento Barreto.
Tudo durou quatro horas. As professoras organizaram um lugar de descanso para os alunos e, também, um dispositivo de limonada gelada. Pequenos lanches, preparados pela dona Rosa, da cantina, foram servidos nos intervalos permitidos pelo sargento Barreto.
Houve competições de corridas, saltos triplo, altura, distancia, grupos de pirâmides, corrida com os pés dentro de sacos, entre outros.
O sargento Barreto convocou um cabo, amigo seu, para registrar, com um cronômetro, o tempo e os pontos ganhos, individualmente, ou por grupos.
Tudo foi registrado nas súmulas que seguiram para a Secretaria da Educação, como prova inabalável de que, o Colégio Hebreu Brasileiro, pela primeira vez, havia cumprido o prometido.

E Duda, o irmão do meu amigo Senha, como reaparece no final deste relato? Na competição de salto de altura, o sargento começou os saltos com 1.20 m e, Zeca Guitcis, foi o primeiro que conseguiu pular essa altura.
O sargento foi baixando para 1 m, depois para meio metro e, assim, sucessivamente, até que chegou à altura de 20 cm. Abrãozinho conseguiu, mas, Duda, não.
O sargento Barreto, ao ver o desespero daquele menino gordinho e desengonçado, criou, para ele, uma nova modalidade de prova. Colocou a corda no chão e ordenou:-Duda salta para o outro lado da corda, eu tenho que lhe dar alguma nota!
Toda a escola o incentivava, as professoras, com salvas de palmas e, de repente ordenou o sargento: 
-AGORA DUDA, CORRE E SALTA PARA O OUTRO LADO DA CORDA, VAI MENINO!

Duda correu em direção à corda, no chão, e, por mais incrível que pareça, nela tropeçou, caindo com a cara na areia.
Toda a escola ficou decepcionada. Que tragédia! Duda, o aluno mais brilhante em todas as matérias, às vésperas do exame de admissão, fora reprovado em Educação Física.
Terminou o dia das provas, Duda chorava, aí começou a chover, parece que até o céu e Deus choravam de desgosto!
No ano seguinte, o sargento Barreto já não apareceu mais, sendo substituído por Tadeu, o filho do dono de uma confeitaria da Rua Marques de Amorim. Ele era formado na Polônia, como instrutor de Educação Física com diploma reconhecido e tudo, mas nunca conseguiu substituir o nosso querido sargento Barreto, que ficou santificado em nossa memória coletiva.
Alguém se lembra da escola iídiche daquele tempo? Éramos felizes e não sabíamos! Pois ela existiu, creiam-me!

N.B. Seria bom em tempo útil lembrar três acontecimentos marcantes.
O primeiro: Tem a ver com o senhor Enoche Giske e a sua esposa. Em um dos seus vôos do Rio, retornando para o Recife, eles sofreram um acidente. A nave, ao tentar decolar do aeroporto Santos Dumont, logo nos primeiros minutos de vôo, despencou na Bahia da Guanabara. Graças a Deus o casal Giske não sofreu contusões a lastimar e, o tratamento recomendado, pelos entendidos em medicina psicológica, foi voar novamente, para se livrar do trauma. 
Ao chegar ao Recife fizeram para o casal, no salão da Sociedade Israelita, no prédio onde funcionava a escola iídiche, uma prece de agradecimento a Deus pelo milagre acontecido. ( Das rezas em hebraico, "Le haiim, baruch ha nitsal e um birkat há gomel).
Cabe salientar que esse acidente e o milagre acontecido, nada têm a ver com a viagem que fez Sr. Enoche, quando levou o pedido das camisetas da comunidade israelita.
O Segundo: Seria bom, em tempo, lembrar também que depois de muitos anos, com o falecimento do também venerável e filantropo Moisés Schwartz, o Colégio Hebreu Iídiche Brasileiro mudou o nome para: "COLÉGIO ISRAELITA MOISÉS SCHVARTZ".
O Terceiro: Contudo o dito acima sobre o muito bom nível do ensinamento e da empenhada equipe de maestros da nossa escola idish, tivemos uma grande surpresa no resultado do exame de admissão no Colégio Osvaldo Cruz sob a direção do Diretor o Sr. Aluízio e sua e esposa dona Genoveva e o bedel Sr. Arruda.
O nosso grupo "passou" e foi bem classificado, porem Júlio "gordo" (Singer), conseguiu somente o segundo lugar. 
 O primeiro colocado, no exame de admissão, foi Moisés Roizman, órfão de mãe aos quatro anos de idade, e filho de um pobre prestamista da Bessarábia, comprador, de porta em porta, de antiguidades e objetos de metais preciosos. Um menino autodidata, que nunca pôde frequentar a escola iídiche e, cujo material de ensino primário, comprado de segunda mão no "sebo" (loja de livros usados), ele estudava sozinho, em sua casa alugada, na Rua Riachuelo. 
Da turma, no ginásio e no curso cientifico, ele foi sempre o primeiro colocado. Passou, brilhantemente, no vestibular de Engenharia Civil, sem grandes esforços. Era um gênio! Moisés é o que chamamos nas regras gramaticais de, "a exceção à regra". Posso afirmar que ele foi um verdadeiro diamante em sabedoria!   
Será que a sua carreira profissional foi de acordo a sua capacidade intelectual ou trabalhou para ganhar um parco salário de engenheiro para sustentar a família em alguma repartição publica do Recife?
Se estiver enganado favor me dizer a realidade, pois segundo o meu parco conhecimento, no Recife naquela época não havia infra-estrutura para assimilar profissionais gênios, verdadeiros diamantes de sabedoria. 
Fim da croniqueta "O MEU AMIGO DUDA" uma homenagem póstuma aos meus amigos da infância, os Ribemboim (Duda e Senha), que faleceram no mês passado no Recife, 2013.  
Todos os direitos autorais reservados.
Cuidem com os créditos.


Paulo Lisker - Israel, 20-04-2011.


4 comentários:

  1. Eng. Israel Coslovsky São Paulo
    DISSE:
    PAULO
    MUITO BOM OS ARTIGOS ( 3 ).
    PARECE QUE NO FINAL DO 3 HOUVE UMA CONFUSÃO DIGITAL, POIS REPETE OS ULTIMOS PARAGRADOS E ALEM DISSO ENTRA NUMA DISCUSSÃO SOBRE A ESCULTURA DE MANDELA.
    ISRAEL

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  2. Paulo Lisker Israel
    DISSE:
    Muito obrigado pelo seu comentário e observação.
    Já vou tratar de remediar o problema.
    Agradeço.
    Paulo

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  3. Lic. Jacques Cano Norte de Israel
    DISSE:
    Paulo
    Na minha opinião o que você escreveu sobre Duda na primeira parte não tem que estar ligado com toda essa historia que você escreveu sobre o colégio iídiche.
    Por outro lado, deverias juntar o que você escreveu sobre o Duda na terceira parte com o que você escreveu na primeira parte.
    Em fim tudo o que você escreveu sobre o colégio iídiche é bem interessante (sem ligar isso ao Duda).
    Jacques

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  4. Sou Andree Guittcis filho do Zeca Guitcis e agradeco por mencionar o meu querido pai neste seu artigo! Jose Guitcis Zl'

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