sábado, 27 de julho de 2013

O VENDEDOR DE FRANGOS E GALINHAS (no antigo Recife)



  

                        O vendedor de galinhas penduradas no cangote- Foto Google, Internet

DAS CONVERSAS COM MEU AVÔ 

O VENDEDOR DE FRANGOS E GALINHAS 

Paulo Lisker, de Israel.

Este vendedor ambulante vinha montado num cavalo. Na cangalha, dois caçuás (uma espécie de balaio para aves), um de cada lado. Um pra frangos e outro para galinhas.
Já de longe se escutava seu pregão:

- PATROA HOJE TEM O QUE NINGUÉM TEM. GALINHA GORDA SEM "GOGO" E DE PAPO VAZIO PRA NUM PESAR O MILHO QUE PAPOU, NEM ARGUMA AGUINHA QUE BEBEU. TEM FRANGUINHO NOVIN PRA SOPINHA DA VOVÓ E O NENENZINHO. HOJE TA TUDO BEM BARATIN. GALINHA GORDA, FRANGUIN ALVIN, NOVIN, NOVIN, É SO VIM LIGEIRIN PAGAR E LEVAR.
GALINHA SEM GOGO.
FRANGUIN, VÈ SÓ QUE COISA LINDA DE DÁ GOSTO.
CHEGÔ CAPÃO DO BREJO PRA QUEM SE APRESSÁ. SÓ FICÔ TRÊS!
QUEM VAI LEVÁ MINHA GENTE!

Este senhor era exímio em tirar do caçuá, exatamente a mercadoria que a patroa desejava naquele dia, sem nem sequer espiar (olhar).
Ele metia a mão no caçuá e sacava "às cegas", exatamente o pedido.
Balança pra pesar? Pra que balança, ele era a balança, ainda mais que todas tinham o mesmo preço, qualquer que fosse a ave que tirasse.
Quem já viu vendedor montado num cavalo precisar balança pra vender galinha. Tas doido? Quem fala aqui é a voz da experiência.
As galinhas gordas tinham também um único preço e eram bem mais caras em relação aos frangos, sempre quando fosse para as donas de casa judias e ele sabia o porquê.
Calma no Brasil, eu já explico mais adiante a sabedoria do vendedor de galinhas montado.
No caçuá dos frangos era também o mesmo proceder, para todos, preço único.
Somente os capões* que vinham separados dos frangos, custavam para qualquer um, muito mais caro, pois trazia muito mais carne!
Capão coitado, desde novinho era só comendo pra engordar, nada de rodopiar e trepar as galinhas do terreiro.
Falando de preço, entrava em jogo a amizade que tinha com as suas clientes e vice versa para receber ou não um abatimento qualquer (algo mais barato), do preço pedido. Às vezes conseguiam outras não.
Quando as empregadas recebiam resposta negativa, ficavam "de mau" (zangadas) com o vendedor de galinhas e iam procurar comprar mais barato numa feira de rua, nas proximidades. Matutas com senso comercial, quem diria que não?
Quando compravam na feira, era sempre mais barato, regateavam a bessa, voltavam rápido pra casa e imediatamente passavam a faca na goela do frango, despenavam com água escaldante, tudo isso para evitar ter que esperar que a ave fosse abatida pelo "mata galinha" judeu (der shoihet).
Até ele chegar da Madalena no dia seguinte, a ave poderia demonstrar sinais de gogo e seria o fim, ou melhor, começaria o tratamento do frango ou da galinha com o xarope convencional produto da "medicina de quintal".
O vendedor de galinhas tinha os seus dias certos na semana pra passar na nossa rua e as patroas já sabiam de cor estes dias para não perder a compra dum capão bonitão (nós os meninos sabíamos que o capão era o "fresco" dos galos), ou comprar um franginho para a ceia do sábado, mas poderia ser também uma galinha bem gorda para a sopa.
Com a gordura excedente destas galinhas velhas e gordonas, as cozinheiras judias preparavam "torresmo Kusher" (Grivalach, em iídiche) o único permitido pela religião judaica, pois de porco era terminante proibido (Treifá, em hebraico. O idioma que falava Jesus Cristo**), e de boi velho, era mais sebo que gordura, também não prestava.
Este "vendedor montado" era muito chegado à comunidade israelita do Recife, conhecia a sua maioria pelo nome e também das empregadas.
Na realidade as famílias judias do Recife eram sua melhor freguesia.
Ele sabia que os judeus tinham um costume antigo de preparar "torresmo" da banha e pele de galinha bem gorda e quanto mais gorda, mais rendia.
Nem todo mundo gosta da ave muito gorda, cheia de banha (a feté hin, em iídiche) e o "vendedor montado" logo identificou nestes judeus, um mercado promissor para estas galinhas velhas, gordas em geral "chocas" (período pós postura), o importante era que estivessem isentas da doença do "gogo" (gripe de aves***).
Fazia-se de inocente, falava mansinho contando para a patroa como estas galinhas gordas foram criadas a "pão de ló" na sua granja em Afogados e que estão mesmo no ponto para irem pra panela, e render muito torresmo.
Ele não media esforços, usava todas sua "lábia", uma maneira elegante de convencer a alguém que já estava convencido.
Desta forma se formou uma amizade "pra mais de contrato" (Duradoura, na língua do povo).
Recebia das "vaiber" (senhoras judias) um preço que cristão nenhum daria e nem olharia pra aquela ave velha e gorda.
Realmente as judias compravam todas, não ficava uma para "remédio ou amostra"!
- "Grivalach, hoje faremos grivalach e vai dar mais de um pote de shmaltz". Diziam alegres umas as outras nos postigos dos casarões da Rua Gervásio Pires.
A alegria se apossava de toda colônia judaica no Recife, pois preparar os tais "Grivalach" era um costume ancestral que atravessara o oceano e viera com eles nos "baús culinários" da Europa.
Não tem judeu que não provou este tipo de "torresmo kusher da banha de galinha".
Ele ao natural ou com outras comidas judaicas, assim como, "knishes, kreplach, varenikes" (guloseima de massa), com recheios diversos, assim como, purê de batatas, cebola frita bem picadinha, carne picada ou mesmo queijo branco salgado (de leite coalhado, feito em casa).
Estas eram consideradas com toda razão verdadeiras "gostosuras" (delicatessen, no iídiche).
Todas estas comidas (de preparo caseiro) levavam os "grivalach" como componente essencial da massa e às vezes do próprio recheio.
Era o que na realidade dava o gostinho na língua e lembrava a cozinha judaica dos "shteitalach" da Europa. (As pequenas aldeias interioranas nos seus países de origem).
O "shmaltz" é óleo subproduto da fritura da banha da galinha gorda, usada para produzir os "grivalach".
Retirado os "grivalach", resta o tal shmaltz.
Não queiram nem saber, mas o gosto dele quando passado numa fatia de pão fresco branco ou preto, com sal, acompanhado duma cebolinha e um cálice com dois dedos de cachaça qualquer, acreditem é de se lamber os beiços.
Era comum ouvir na venda de dona Rosa na Rua da Matriz, o seu marido o senhor Salomão dizer:
É bom tomar uns golinhos durante o dia. O problema é que no Recife não tem inverno como na Rússia, pois este shmaltz no pão preto com uma cebolinha tenra é o irmão gêmeo da aguardente, andam sempre juntos.
Alguém que estava presente refutava: 
-Então por que o senhor aqui no Recife, mesmo sem inverno, sempre está "alegre" tomando sua cachacinha?
Ele rindo e sem titubear respondia:
Quando faz calor, tomamos pra esfriar o corpo e quando chove e faz um tiquinho de frio é para esquentar os velhos ossos (de alte beiner, em iídiche) e não pegar reumatismo como o senhor "Yankel fun der rais" (Jacó, do Arroz, apelido do seu vizinho, em iídiche), este do outro lado da calçada. Boa gente, mas o que fazer? Ele está todo "entrevado". Se tomasse uma "branquinha" de vez em quando, os seus ossos não fariam tanta zoada (barulho) quando se movem. 
Coitado, agora é tarde.
Nem toda "cachaça de cabeça" do Engenho Monteiro (conhecido no nordeste todo, pela sua boa "cachaça de cabeça"). Produção própria e feita com sua própria cana que ainda seus tataravôs trouxeram dos Açores, não ajudará a curar essa ossatura barulhenta e dolorida.
Aquele que gosta da "água que passarinho não bebe", não precisa de motivo especial para "emborcar" (beber de um só gole) um "aperitivo" seja no verão ou no inverno.
Continuava o seu trabalho na venda, arrumando os arengues gregos, as latas de azeitonas portuguesas e as de pepino em conserva (zovere iguerkes, em iídiche), produto caseiro de dona Rosa.
O cheiro que exalavam os produtos expostos nesta venda, era indelével e inolvidável e se arrastava pela rua afora até a esquina da Rua da Gloria e era de dar água na boca.
Agora voltando ao "divino shmaltz", quando colocado num pote bem fechado dura a vida inteira sem se deteriorar mesmo nas condições da temperatura ambiental do Recife tropical.
Eu quando menino besta provei tanto um como o outro produto judaico. Foi no tempo que também uma fatia de pão branco quentinho recém chegado da padaria na Praça Maciel Pinheiro, com manteiga e açúcar Cristal polvilhado por cima, era uma maravilha de sobremesa.
Considerem que isto foi no tempo que o colesterol era desconhecido, assim sendo, não espantava á ninguém.
Numa ocasião um católico amigo do meu avô foi convidado para jantar na nossa casa. Quando olhava as comidas judaicas postas na mesa nesta festa familiar, disse:
Senhor Joseph, não é pra botar azar, mas vocês judeus morrem feito peixe.
- Não entendi, ou melhor, não "pesquei" a sua profecia senhor Cristiano, porque que nem peixe? E como morre peixe? Não vá me dizer que morre afogado.
-Pela boca seu Joseph, pela boca!
 Respondeu senhor Cristiano.
Não sabia ele, como tinha razão!
Mas no fim "dos trocados" o senhor Pedro Cristiano, comeu da gostosa e cheirosa cozinha européia judaica e ninguém soube dizer se pelo "crime cometido" tenha ele morrido de um enfarte instantâneo.

*Capão – frango (Pinto novinho, castrado).
** A língua que falava Jesus Cristo era o hebraico. Sua última frase, já na cruz foi: "AVÍ LAMA AZAVTEINI" (em hebraico da época), ou seja: "PAI POR QUE ME ABANDONASTE".
Porém por pesquisas feitas nos últimos anos, tem quem afirme que o idioma era um anterior ao hebraico, o Aramaico.
*** Gogo - Às vezes, no tempo das chuvas (inverno no nordeste), no nosso quintal apareciam umas galinhas com "gogo" (Gripe das aves) . Ninguém fazia disso nenhuma tragédia, logo usávamos um santo remédio que era baseado numa colher de sopa com vinagre ou sumo de limão da terra e uns pingos de cachaça. Era "tiro e queda", o "bicho" esperneava, mas engolia o xarope. E não era que algumas conseguiam dominar o gogo? Sim senhor. Conseguiam! Outras morriam. Porém toda esta "medicina" está baseada no clássico ditado popular: "SE NÃO MATA, ENGORDA" e a coisa funcionava exatamente como diz o tal ditado.
As curadas era lucro líquido para a "economia doméstica" do Brasil todo.
Nunca ninguém fez uma analise estatística do caso do "gogo" nos quintais da Boa Vista. Lastima quem sabe o Brasil perdeu seu primeiro Premio Nobel em "Medicina Veterinária". Tem premio Nobel disso? Se não tem, deveriam criar, pois esses nórdicos só criam prêmios pra coisas que eles inventam. Assim já ta demais, não é mesmo?

Trecho dos pregões publicado em 03/9/2011, no Geléia General.
Refeito e corrigido em 16/10/2012
Todos os direitos autorais reservados
Cuidem o créditos. 


Um comentário:

  1. Dr. Ary Ruchansky Israel
    DISSE:
    Ótimo.
    Revivi minha passagem pela venda de dona Rosa onde comprava um pepino azedo (zovere iguerque) no caminho para a escola na Rua da Gloria.
    Me recordo do snr Salomão com seu sorriso, saboreando "agua que passarinho nao bebe". continue....

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