sábado, 18 de outubro de 2014

A volta de Xóxa ao Recife (parte 2)," Um amor impossivel" (novela)




                       Fotos do Recife antigo.
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"Um Amor Impossível" (novela)
                                          Paulo Lisker

                                          (BORRADOR)                      TEMA: A volta de Xóxa ao Recife. (Parte 2)

Já seu Simeão o chofer era também mecânico diplomado pela "Opel do Recife", um negro da cor de piche, sua pele até brilhava, a dentadura alva que  nunca viu dentista nem de longe, seu apelido na praça de estacionamento era "Jamelão" e claro torcia pelo Santa Cruz Futebol Clube.
Ele ao que me parece era "Crente" ou da "Igreja do Sétimo Dia" (estou em duvidas), um senhor de maneiras muito educada, prestativo, foi logo em busca da bagagem de dona Xóxa, meteu no bagageiro da "fubica" (assim denominavam os carros velhos naquele tempo) e saiu fumaçando em rumo do endereço que a passageira a sinhazinha dona Xòxa lhe dera. 
O aroma e as cores do Recife estavam espalhados nas ruas  próximas ao cais de Santa Rita e em volta do ponto terminal dos ônibus.
Não sei se também em outras cidades do nordeste se estampava o mesmo panorama.
Ali estavam as carrocinhas dos vendedores de "cachorro quente",  bolinhos de goma e pão doce salpicado com açúcar grosseiro, o carrinho de gelada de frutas da época (tamarindo, mangaba, graviola, limão da terra com nacos de casca, laranja comum, cajá, pitanga, pois frutas é o que não falta no nordeste.
Duas maquinas de caldo de cana que serviam em copos grandes com pedras de gelo um liquido doce, de cor verde intenso, tinham aqueles que preferiam adicionar também sumo de limão de pé franco. (Gosto e sabor, não se discutem). 
O cheiro da cana esmagada lembrava o cheiro que exalava as bagaceiras nas usinas de açúcar no seu processamento, ou mesmo dos canaviais em floração na zona da mata e agreste do nordeste.  
O vendedor de "garapa" (caldo cana azedado e algo alcoólico) anunciava o seu produto cantando seu conhecido pregão, outro anunciava quase gritando, "olha ai o mel de Uruçu, doce pra chuchu", ele trazia no segundo balaio, umas latinhas vazias de leite em pó ou do condensado da Nestlé, e cambucas para levar o produto pra casa. Quem não comeu pirão de farinha de mandioca com mel de Uruçu ou banana melada neste mel, não sabe o que é bom!
As tendinhas das costureiras, rendeiras e bordadeiras, com seus trabalhos manuais, as famosas rendas do Ceará, roupa usada, redes de Caruaru, estavam à venda nas calçadas.
O mais sui generis dos produtos crioulos, sempre estavam presentes, estes eram
os tamancos de madeira e as sandálias rústicas com o solado de pneus Firestone, pneus que saíram de circulação dos meios de transportes, porem nos solados destas sandálias eles não se acabavam nunca. Eu que o diga, pois as usei durante anos, nunca me envergonhei, muito pelo contrario, me vangloriava, pois os amigos usavam calçados da Casa Clark que eram os preferidos pelos "veados"(frescos na língua do povo), ricos da cidade.
E como em toda esquina estavam os vendedores de coco verde, malabaristas no uso do facão para preparar o coco (da Paraíba o de mais água e o mais doce), prô freguês beber e depois comer a "laminha saborosa" (sedimentação formada pela agua acumulada no interior do fruto), com uma colherzinha feita com a habilidade da própria casca do coco.
Não era raro escutar já de longe o vendedor de macaxeira rosa pregando:
-"Macaxeira Rosa, cozinha até em água fria, macaxeira rosa patroa, só hoje tem....." e por aí saía e desaparecia lá pros lados da Rua da Alegria ou do Beco da Mangueira.
Mais pra longe, estavam ancoradas no cais de Santa Rita, as barcaças, desembarcando fardos de algodão "Mocó" do agreste e do sertão, sacos de farinha de mandioca, sacos de açúcar, engradados com pequenos animais ou aves, um mundo de esteiras de todo tamanho, redes, vassouras de Piaçava, espanadores de carrapicho, varas compridas, gaiolas e alçapões de "barba de bode", eu mesmo não sei o que mais.
 Noutras, as barcaças carregavam pra levar o sal das salinas do litoral, carne de charque proveniente do Rio Grande do Sul, pequenos utensílios domésticos de alumínio, tecidos, vestimenta, calçado (sapatos e botas), roupa de cama, garrafas de refrigerantes e bebidas em geral, tudo que era material manufaturado na capital ou vinha do sul do País.
Todas essas operações, carregar, descarregar, empilhar, arrumar, amarrar eram feitas por negros musculosos, brilhando de suor nas quenturas e sem brisa no Recife do verão eterno.
Estes intrépidos estivadores crioulos, que vestiam camisas feitas de sacos de açúcar, usavam só seus braços e cabeças neste trabalho pesado. Era um costume dessa gente sempre estar cantando durante estas operações "portuárias". Eu nunca vi por lá guindastes ou cousa que o valha.

Imaginem o colorido e o aroma de tudo isso apresentado ao publico. Era mesmo para "limpar a vista" e que nem Walt Disney conseguiria colocar na tela do cinema, e que ele   me desculpe.

A fubica de seu Simeão ia rodando devagar pelas ruas apinhadas de transeuntes carregados de compras.
Ao passar defronte da famosa estação de trens da "Gretoeste" (Great Western.),
surgiam novamente os vendedores ambulantes e aqueles das barraquinhas.
Na pracinha em frente à estação e junto ao paredão do pátio onde ficavam as "Marias Fumaça"( locomotivas acionadas a lenha ou carvão vegetal), chiando e recebendo algum tratamento mecânico antes de se atrelar aos seus vagões de bitola estreitam (assim era naquele tempo as ferrovias no nordeste) e partir para as viagens no interior pernambucano.

Ali estava, o eterno vendedor de abacaxi descascado com arte, sem sequer um espinho na sua polpa, sempre cortados em quatro partes com pauzinho espetado para se poder ir comendo no caminho ou sentado no local, na sombra dos enormes pés de Fícus Benjamin.
As pilhas de abacaxi de cor verde (muitas vezes meio acido, bom pra refresco) e os de cor amarela, doces como mel e de um aroma que se alastrava até a Ponte Velha.
Estes estavam à espera dos compradores em atacado.
O cheiro era embriagador!
No outro lado, na calçada oposta, estavam as pilhas de melancias de Pesqueira, com estrias mais claras na casca, esta variedade nunca foi muito doce, porem os judeus sempre as apreciavam.

As de Escada eram melancias enormes de casca verde escuro, algo mais doce. Da sua casca grossa, algumas donas de casa judias, faziam delas conservas, assim como de pepinos ou pimentões, técnica  trazida da longínqua Europa de invernos frios e judeus pobres.
Pilhas de manga rosa, espada e manguitos diversos, que vinham de Catende e Palmares, tinha para todo gosto dos clientes.
Encostados e pendurados no paredão da Estação Central estavam os quadros de pintores crioulos com suas "obras primas". Pinturas "inocentes" em aquarela, óleo, e até material mais sofisticado (butique, esmalte, etc.).
Nas inúmeras telas estava estampado o nordeste brasileiro, sua gente, seus bichos, as plantações, as danças da roça e a exuberante vegetação tropical. Parece que o Sertão com suas periódicas secas, os resultados funestos por ela causada, a terra nua ardendo, carcaças de animais, os "paus de arara", o êxodo rural, a fome, os olhos tristes do sertanejo, não eram modelo ideal para os quadros dos pintores matutos!

Estava presente quase sempre  o vendedor de galinhas vivas da raça Carijó, estas de pescoço pelado e vermelhão.
Mais de lado debaixo de um Fícus frondoso, um "montão" de gaiolas cheias de passarinhos dos mais diversos, que eram pegos em alçapões em todo nordeste vendidos a preços irrisórios. Os mais procurados eram os papagaios (louros), canários, galos de campina, e periquitos. Nunca faltou mercadoria.
Vendedores de loteria estadual e nacional anunciando a sua mercadoria e contando dos prêmios fabulosos que seriam sorteados logo depois das 16 horas.
Era muito comum encontrar também os vendedores de letras de musicas populares da época (CORDEL, musica e ou poesias populares). Esta mercadoria sempre foi muito procurada pelo publico, pois "cantores de banheiro" sempre houve no Recife romântico daquela época. 
Nesta área, estavam  presentes os repentistas ou violeiros sertanejos, dando um concerto de sua arte e angariando uns tostões para comprar o almoço num bar junto da Ponte Velha.
A fubica atravessa a Ponte Velha e de lá se vislumbrava toda a beleza do Recife entre os rios e pontes, ela é mesmo a Veneza brasileira.
Na vazante do Capibaribe, dezenas de "catadores" de Siris.
Eles, assim como na sua própria vida, estavam atolados na lama do rio até meia canela, procurando tirar dela o seu misero ganha pão.
Também as barcaças aproveitavam a vazante do rio, e valentes nordestinos retiravam areia do leito para vender aos pedreiros e empreiteiros de construção.
Meu bom Deus, essas eram as cores, os sons, os cheiros, os apitos das "Maria Fumaça", anunciando a saída ou chegada na estação da Great Western ( Gretoeste, na língua do povo), os pregões dos vendedores ambulantes anunciando as suas mercadorias, os mesmos mendigos anos e anos sentados nas pontes com as suas chagas expostas para quem quiser ver e dar uma esmola. Nós até já conhecíamos alguns deles.
A vegetação exuberante para todo lado que se olhava, vazantes e enchentes, maré alta e maré baixa, jangadas de pau balsa e velas de sacos de sal ou açúcar, pontes pra "dar e vender" e uma delas até giratória, a primeira do Brasil.
Bondes para todo canto, fubicas (Ford Bigode do ano 29), corso e carnaval humilde, frevos para o folião, gente pacata e acolhedora do Recife, será que hoje ainda é assim? 
Será meu Nosso Senhor? Será? 

A fubica fumaçando, seguia pela Rua Velha e já - já chegaríamos à Praça Maciel Pinheiro e no sobradão, onde numa das casas, morava a família de Susana.
Ao passar pelos Correios e Telégrafos estava um grupo grande de gente discutindo e lendo uns comunicados que os funcionários de vez em quando colavam no quadro de avisos.

- Que aconteceu? Alguma greve? Perguntou Susana ao motorista senhor Simeão.
- Não senhorita, neste tempo de Getúlio ninguém tem coragem de fazer greve, oxente!
-Então o que é esta balburdia na porta dos Correios?
- Olhe, foi alguma coisa seria, afundaram um comboio de barcos brasileiros que estavam transportando tropas para reforçar as posições dos americanos no nordeste, Falam muito num tal Baependi, não sei se é o almirante da esquadra ou o nome de um dos barcos.
- E quem os afundou senhor Simeão?
- Dizem que foram os submarinos alemães nazistas e depois  que torpedearam, subiram "os filhos da peste, safados" à tona e metralharam os sobre viventes, para não deixar testemunhas! 
- Quando foi isso?
- Não sei dizer não sinhazinha, acho que foi essa noite! Agora com sua licença podemos estacionar na porta da sua casa?
Tremula como uma "vara verde" diante este reencontro com sua família depois da  fuga com seu namorado Dadinho, deu-lhe a devida permissão.
Ela não sabia o que esperar, qual seria a reação dos seus familiares.
Compreensão seria positivo ou o contrario raiva e desprezo, quem sabe? Porém agora "não se chora pelo leite derramado"(ditado, derivado do iídiche), e o que será, será! Assim diz o sábio.

Fim da parte 2 (A volta de Xóxa ao Recife), "Um amor impossível". (Novela)
Paulo Lisker, Israel  07-12-2010.
A próxima parte: : As bodas de Xóxa com o "Prego"
   





Um comentário:

  1. Eng.I. Coslovsky São Paulo
    DISSE:
    PAULO
    MAIS UMA VEZ, PARABENS ! PERFEITA A INTRODUÇÃO DO MOTORISTA, DAS COMIDAS E TRADIÇÕES DO RECIFE ANTIGO, ATÉ O ECLODIR DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL PARA O BRASIL COM O EPISODIO DO AFUNDAMENTO DO BAEPENDI.
    FIQUEI CONTENTE EM V. TER APROVEITADO A SUGESTÃO DE CONTINUAR NA HISTORIA DO MOTORISTA, E DA SUZANA, ENRIQUECIDA COM AS HISTORIAS, CHEIROS E TRADIÇÕES DO RECIFE, EM VEZ DE DESVIAR A NARRATIVA PARA O CHINES DA LAVANDERIA, QUE TAMBEM É INTERESSANTE, MAS PODERÁ, TENHO CERTEZA, SE ENCAIXAR EM OUTRA PARETE DA NOVELA.
    ABRAÇO
    ISRAEL

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