Das surpresas de Triunfo (novela)
Paulo Lisker,
Israel
"BORRADOR" (18-11-2010).
Tema: Das
surpresas de Triunfo. (Parte 1)
Abelardo e Susana estavam entrando no terceiro mês de desterro em
Triunfo, imposto pelo seu pai, o coronel Monteiro.
As coisas andavam normalmente bem, os dois trabalhavam, participavam dos eventos sociais da comunidade e se amavam mais e mais.
Ele ensinava na Escola Municipal e ela ajudava aos produtores da região a redigir
as queixas que eram encaminhadas a
"Comissão de Amparo aos Agricultores" pelos problemas
causados pelas as secas.
Os superiores estavam plenamente satisfeitos com o desempenho
do casal proveniente da cidade grande e que rapidamente se entrosou na vida
social do interior e não tinham do que se queixar.
O amor floresceu mais ainda, ninguém metia mais o focinho
onde não era chamado.
Até o padre chato que não gostava do casal pelo pecado em não formalizar a união perante Deus, calou a boca e não lembrava mais o caso
nos seus sermões dominicais.
Todo sábado o coronel Barbosa e dona Genoveva convidavam o casal para
desfrutar o fim de semana no sitio.
Logo de manhã estava a charrete e o cocheiro à espera do casal na porta da
pensão de dona Raimunda e os levava para o sitio.
Antes passavam pelo jornaleiro de vila, o senhor Inácio, e compravam (quando já tinha chegado no
ônibus do Recife que saia de madrugada) os jornais do sábado e a revista mensal de "Corte e Costura", para dona Genoveva.
Chegavam lá para as 10 horas da manhã, passavam o dia respirando o ar limpo do campo, pernoitavam e voltavam para a cidade no domingo depois do almoço,
a cerca das 16 horas.
Sempre a hospitalidade dos Barbosa era de primeira, se desdobravam
para dar ao jovem casal o maior conforto possível.
Para que o atendimento fosse de primeira chegavam da vila a pés, duas mulheres, para ajudar a
dona Genoveva nos trabalhos adicionais necessários.
O vigia da noite já tinha se mandado e deixava o cobertor bem dobradinho no
batente da porta da cozinha, para o uso do outro vigia desta
noite.
Depois do lauto café da manhã e uma rápida conversa sobre as novidades
folheando os jornais, dona Genoveva acompanhada de Xóxa, saíam para dar
uma caminhada no quintal e olhar sua muito bem cuidada horta de verduras, regarem
as árvores frutais e dar de comer aos dois cachorros Tupí e Cacique.
Diga-se de passagem, que o cheiro que emanavam a grama e as plantas
úmidas do orvalho da madrugada formada pela noite fria,
envolvia qualquer mortal numa sensação espiritual que nunca na
cidade poderiam sentir. Meu Deus que aroma penetrante e delicioso!
Até o cheiro da pequena esterqueira, e da vacaria, contribuíam
mais ainda para esta sensação de paz de espírito.
Ao terminar toda a arrumação da casa, dona Genoveva sentava com Xoxa e
folheavam álbuns de fotografias do passado e das filhas na Itália.
O coronel com Dadinho, saiam de charrete para uma ronda na parte
comercial do sitio.
Primeiro visitavam o enorme galinheiro de poedeiras.
Muito antes das criticas nos tempos modernos a favor de galinhas terem o
direito de vagar livremente pelo pátio e pôr seus ovos onde e como bem
entender nas caixas dispersas dentro do galinheiro, já o coronel
tinha implantado este método de uma maneira empírica.
Os empregados eram os que sofriam, pois sem as jaulas, o trabalho deles era
cem vezes mais difícil. Duzias de ovos quebrados, galinhas que escapavam pelas
cercas aqui e ali não bem atadas, agora vá você correr atrás dessas danadas pra
agarra-las e coloca-las de volta no galinheiro, é fogo (coisa difícil de fazer, na língua do povo).
Mas quem tem pena de humanos, tem pena das aves e animais.
A satisfação era que pelo menos parte dessas galinhas "partidárias da
liberdade total"(Fujonas) iam para as panelas da cozinha da casa grande e
também para a dos trabalhadores, então valia a pena o esforço feito para agarrar e coloca-las de volta ao galinheiro!
De lá partiam para visitar onde se desenvolvia a criação de patos.
Estes sempre foram livres e como um rebanho marchavam como bons
recrutas atrás de 2 ou 3 trabalhadores que levavam toda esta tropa para
nadar na lagoa, comer piabas (alevinos) e a vegetação sempre verde que abundava na beira da lagoa .
Atrás dos patos caminhavam calmamente uns 30-40 gansos e uns 100 perus
brancos. Esses últimos, coitados, não são de entrar na agua e ficavam
"peruando" e comendo o farto capim que crescia na área circunvizinha
a lagoa.
Visitavam o estábulo para ver os 15 cavalos de tração e alguns de
monta, tudo limpo como numa farmácia.
No curral, parte era para explorar o leite para venda fresco na
cidade, não pasteurizado e nem esfriado e até a data, ninguém morreu
disso.
Eu mesmo quando menino nas ferias em Garanhuns, pelas manhãs, com toda a meninada tomávamos leite fresco
diretamente das tetas da vaca no curral perto do Sanatório Tavares Correia.
Para melhorar o gosto do leite cru, colocávamos na caneca, uma
colher de cacau, meia colherzinha de açúcar e tomávamos o leite quentinhos, ficava, uma
delicia.
Vejam, 70 anos depois ainda estou vivo e com saúde até boa,
graças a Deus.
A outra parte do curral era pra criar os bezerros das vacas de
leite para engorde e abate no matadouro municipal.
Parte da carne ficava para os açougues em Triunfo e o resto seguia para o
Recife.
Cabe salientar, relatava o coronel Barbosa: Os "miúdos"
de gado, nunca foram partes prediletas do nordestino. Era preciso ser muito
pobre para comer tais partes internas numa refeição normal
Em geral quase tudo era dado pra quem estivesse muito necessitado ou era
comida predileta dos cachorros dos donos de fazenda que mandavam suas charretes
ao portão do matadouro para receber estas partes depois do abate dos
animais.
Quase ia esquecendo, tinham um apiário que todo ano produzia cerca de 300 quilos de mel,
hoje seria considerado orgânico, pois era produzido puramente do
pólen das flores da mata que ainda restava no sitio e em volta dele.
Este produto era todo vendido no Mercado São José, também no
Recife.
Conto-lhe mais, diz o coronel a dadinho que o acompanhava:
-Esteve de passagem por aqui um agrónomo gaúcho, fazendo estagio na Secretaria da Agricultura.
-Esteve de passagem por aqui um agrónomo gaúcho, fazendo estagio na Secretaria da Agricultura.
Ele se dizia entendido em piscicultura, quando viu a lagoa, propôs
fazer a introdução de alevinos de peixes de agua doce para aproveitar a área
acuatica e produzir peixe e camarão.
Ele se preocupou em mandar buscar o material necessário para repovoar
a lagoa (pois estava cheia de piabas), em Salvador da Bahia.
Tudo chegou em ordem, vieram estudantes e professores da Universidade
de Areias para ver como se faz a coisa.
Infelizmente o projeto não foi adiante e fracassou.
Os peixes comeram as larvas de camarão e no tempo de vender os peixes, o
tamanho conseguido não era maior do que sardinhas e das pequenas.
Metemos as redes que a Secretaria nos emprestou, tiramos as
"sardinhas", distribuímos aos trabalhadores do sitio e o que sobrou
levamos para a cidade e lá distribuímos para a população pobre.
O mais interessante, explica o coronel Barbosa é que o sitio não
comercializa nenhum produto, tudo é vendido a terceiros e eles se encarregam do
escoamento para todas as partes do Brasil.
Acrescenta com muito orgulho:
- Somos conhecidos em todo canto, a marca "Ipê Roxo" é a garantia de produto de qualidade. Em breve, Ramiro, quando terminar de estudar em Tapera e se Deus
quiser também o Tiro de Guerra, deverá vir administrar toda esta produção.
Tentar conservar e melhorar ainda mais os produtos e o mais
importante é respeitar os trabalhadores e capatazes de tal forma que eles
se sintam responsáveis como se fossem os proprietarios.
O coronel só cansava depois de todo esse recorrido, aí voltávamos pra casa
grande.
Lá já estava nos esperando dona Genoveva e Susana com bules
cheios de ponche de limão da terra e bolachinhas de farinha de mandioca, baunilha,
cravo da Índia e canela, esta era uma especialidade de Dona Genoveva.
Outras vezes, saiam para visitar as "mini industrias", assim como
o engenho de rapadura (Panela em espanhol), ou a velha "Casa de
Farinha" (a Farinheira).
Sempre o sitio tinha algo para mostrar aos visitantes.
O coronel se mostrava muito orgulhoso pelos belos galpões
confortáveis que construiu para a permanência dos trabalhadores durante a
semana. Cada qual recebeu uma rede e um cobertor e um travesseiro de lã de
"barriguda".
Sempre ficavam dois dos trabalhadores para preparar a "bóia"
(Comida, na língua da terra), do restante pessoal.
Fez duas fossas, e o problema de agua resolveu também através de dois
barris, cheio do liquido da cacimba da casa grande, carregados numa carroça
puxada por jumentos.
Ele e um dos trabalhadores iam a cidade, uma ou duas vezes na semana e
compravam todos os mantimentos necessários para que os trabalhadores
tivessem como se alimentar durante toda a semana.
Ele também prezava pelo descanso semanal dessa gente.
Nos domingos ninguém trabalhava, assim também os animais de trabalho.
Dizia ele ter ouvido dos antepassados que isto não é só uma
obrigação social, porem um mandado divino. Ele fazia questão que a coisa fosse
cumprida, com pequenas excepções, quando era necessário o trabalho no domingo,
então aqueles envolvidos, recebiam dois dias de descanso em troca do
trabalho no domingo, e citava algo da Bíblia, no sentido.
Depois da janta, como de costume sentavam nas redes do alpendre à luz
de candeeiros, e conversavam no que lhes dava na veneta (Na mente da gente, parece que provem do italiano, caso não que me desculpem).
Ontem, conta dona Genoveva, chegou uma carta da Itália relatando que
umas das filhas, a Dorinha, terminou a universidade, já tem noivo e
pretende casar em Maio do ano que vem.
Ele foi colega de turma. Pertence a uma família italiana tradicional,
donos de vinhedos e sócios de uma das grandes fabricas de vinho.
A mais jovem, a Hortência, termina este ano o colégio e quer vir passar as
ferias conosco no sitio.
Diz o coronel:
- Estas são boas noticias, vai Genoveva trás uma garrafa de aguardente de
"cabeça" presente do pai de Abelardo e vamos fazer um brinde para a
saúde de todos nós. Anda Genoveva, vai mulher. .


Dr. Ary Rushansky Israel
ResponderExcluirDISSE:
Descrição emocionante de fatos de uma sociedade rural no inicio do seculo 20.
O autor é genial nos detalhes.
ary
Eng. Israel Coslovsky São Paulo, Brasil
ResponderExcluirDISSE:
PAULO
PERFEITO, NADA A ACRESCENTAR TAMBEM. AGORA ESTAMOS CURIOSOS PARA VER A CONTINUAÇÃO DA NOVELA. NÃO ME LEMBRO DE TER LIDO, MESMO EM BORRADOR, A CONTINUAÇÃO, DEPOIS DAS SURPRESAS DE TRIUNFO.
UM ABRAÇO
ISRAEL